Matheus Berriel
14/06/2023 09:03 - Atualizado em 14/06/2023 09:42
Diz a lenda que saiu de Campos a caneta usada pela Princesa Isabel para decretar o fim da escravidão no Brasil. O objeto utilizado na assinatura da Lei Áurea teria sido comprado pelo líder abolicionista José do Patrocínio na Ao Livro Verde, que, em maio de 1888, já estava prestes a completar 44 anos. Fato é que, ainda existente, Ao Livro Verde segue como a livraria mais antiga do Brasil, tendo comemorado nesta terça-feira (13) o seu 179º aniversário. Porém, pode estar com dias contados devido ao esvaziamento do Centro da cidade, que culminou na queda das vendas a partir de 2020, com a pandemia da Covid-19. Para evitar o fim de tamanha tradição, um movimento está sendo feito por lideranças empresariais, da cultura e do turismo de Campos.
O risco de fechamento é confirmado pelo atual proprietário da livraria, Ronaldo Sobral, que passou a se preocupar com o futuro de Ao Livro Verde desde que perdeu amigos para a Covid e também teve a doença, chegando a ficar entubado por seis dias. Além da queda nas vendas de livros físicos, também diminuiu a comercialização de produtos do ramo da papelaria. Isso porque, fora o longo período em que as escolas precisaram ficar fechadas na pandemia, muitas das unidades particulares passaram a vender os próprios materiais escolares no retorno às aulas presenciais. Sem o mesmo pique de antes para se dedicar a inovações, Ronaldo acredita que uma saída pode estar no comércio on-line.
— Meu interesse é vender a livraria para um grupo forte. Com o crescimento das vendas pela internet, imagina o valor que pode ter o site da Ao Livro Verde, pelo nome e pela tradição que esta livraria possui. Daqui a três anos, vou estar com 80. O tempo é o grande professor da vida, e eu preciso aproveitar bem o pouco tempo que me resta. Não posso mais ficar nessa pressão de perder noite de sono, preocupado, como estão muitos empresários de Campos que possuem loja no Centro — disse Ronaldo Sobral.
Outras saídas são pensadas por entusiastas da cultura campista. Nesta terça-feira, aproveitando a ocasião dos 179 anos de Ao Livro Verde, um café da manhã foi organizado pelo presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Campos, Edvar Júnior. O evento serviu para um debate sobre alternativas diante do cenário atual.
— Ao Livro Verde é um patrimônio não só de Campos, mas também do Brasil. Esse livro não pode ser fechado, não podemos rasgar essa página. Então, precisamos criar algum caminho. Por isso chamei aqui representantes do Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), da cultura, da imprensa, com objetivo de criar alguma saída — afirmou Edvar Júnior. — Nós pensamos muito no lirismo. Penso em criarmos aqui um espaço de convívio, de integração, de leitura, como sempre foi durante a história. O objetivo é reforçar o sentido da livraria, com espaço para as pessoas tomarem um café, fazerem um lanche, reuniões, tendo o livro como grande atrativo. Seria realmente um ponto de encontro da cultura campista — detalhou.
Além de Ronaldo Sobral e Edvar Júnior, também participaram do café da manhã o responsável técnico pelo escritório regional do Inepac no Norte Fluminense, Geovani Laurindo Filho; o presidente do grupo de Comerciantes e Amigos da Rua João Pessoa e Adjacências (Carjopa), Expedito Filho; o presidente do Sindicato do Comércio Varejista (Sindivarejo) de Campos, Maurício Cabral; o superintendente da CDL Campos, Nilton Miranda; a subsecretária municipal de Turismo, Patrícia Cordeiro; o arquiteto Renato Siqueira; o guia turístico Everaldo Reis; o jornalista e poeta Aluysio Abreu Barbosa, diretor de Redação da Folha da Manhã; e o também jornalista Aloísio Balbi.
— Meu entendimento é de que a questão de Ao Livro Verde é de interesse nacional, estadual e municipal também. É um estabelecimento importante na história do Brasil. Minha ideia é que a gente busque, junto ao Ministério do Turismo, um programa que identifique o real valor desta livraria como um local histórico, cultural, inclusive com interesse turístico — sugeriu Patrícia Cordeiro. — Expoentes de vários setores participaram desse café da manhã, pessoas realmente comprometidas e sensibilizadas com a história do nosso município. Unindo forças, é possível que a gente realmente consiga acessar essas políticas públicas para a valorização e a manutenção de uma história como a de Ao Livro Verde — complementou.
Inaugurada em 13 de junho de 1844 pelo português José Vaz Correia Coimbra, Ao Livro Verde surgiu como um estabelecimento que atendia à demanda da planície goitacá por livros importados de Portugal. Na época, várias famílias portuguesas chegavam à planície goitacá pelo rio Paraíba do Sul. Mais de um século e meio transcorreu desde então, e vários foram os fatos ocorridos na livraria, que já recebeu visitas de diversos intelectuais, como membros da Academia Brasileira de Letras (ABL). Em 1995, a Ao Livro Verde foi incluída no “Guinness Book” como a livraria mais antiga do Brasil. Um ano antes, por ocasião do seu 150ª aniversário, foi tema de uma publicação na capa do jornal “O Globo”, na época dirigido pelo célebre jornalista Roberto Marinho.
Em 2013, o Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos (Coppam) reconheceu o prédio de Ao Livro Verde como patrimônio histórico municipal. Quando a livraria foi fundada, ficava à rua da Quitanda, número 22. Atualmente, está situada na rua Governador Theotônio Ferreira de Araújo, 66. Mas o que mudou foi o nome da rua, e não o endereço de Ao Livro Verde, que se manteve por lá como registro vivo de diferentes momentos da história local. Entre as prateleiras do interior da loja, há uma dedicada a livros de autores campistas e/ou que se refiram a Campos.
— O primeiro aspecto que destaco é o aspecto arquitetônico do prédio, inclusive por já ser tombado pelo Coppam. E há também o fato de aqui existir um conteúdo literário associado à história do município, como também à história do país. É uma história literária registrada no passado e também no tempo presente — enfatizou o arquiteto Renato Siqueira. — Isso precisa ser valorizado e apontado para que o campista frequente mais esse espaço, que está à sua disposição há quase dois séculos no mesmo endereço. Vejo como uma saída o órgão de cultura da gestão pública valorizar esses aspectos, sobretudo o aspecto imaterial, fazendo, por exemplo, com que essa riqueza literária faça parte da matriz curricular das escolas municipais, principalmente daquelas relacionadas ao ensino básico — finalizou.
Por mais que as vendas tenham diminuído consideravelmente, ainda há os clientes fiéis. É o caso de Solange de Oliveira Reis, que levou as netas, de três e sete anos, para visitar Ao Livro Verde no dia em que a livraria completou 179 anos.
— É um orgulho para nós o fato de a livraria mais antiga do Brasil ser de Campos. Frequento Ao Livro Verde há muitos anos, é uma referência para a gente. Antigamente, eu morava pertinho, na rua Aquidaban, e essa área sempre foi como um quintal de casa. Até hoje tento manter esse costume. Minhas netas gostam de ler e têm quase todos os livros infantis de autores campistas — contou Solange. — Acho que a livraria poderia ter um apoio do poder público para que não feche. Mais do que uma livraria, esse estabelecimento é um patrimônio cultural de Campos. Então, um apoio do poder público seria fundamental para manter esse patrimônio funcionando — concluiu.