Arthur Soffiati - Culturas africanas (II)
* Arthur Soffiati - Atualizado em 28/10/2023 09:10
Escritor e memorialista Waldir Pinto de Carvalho
Escritor e memorialista Waldir Pinto de Carvalho / Foto: Reprodução/Câmara Municipal
O ensino de culturas africanas dentro e fora da África é obrigatório por lei no Brasil. No entanto, sua promoção é difícil por falta de livros. Talvez até por um certo comodismo. A mais abrangente obra sobre culturas e diáspora africanas é “História geral da África”, em oito volumes, a cargo de vários autores. O coordenador geral é Joseph Ki-Zerbo, convidado pela Unesco para uma tarefa colossal (São Paulo: Cortez; Brasília: Unesco, 2011). Esta obra é fundamental para os professores incumbidos do ensino de culturas e diáspora africanas. Contudo, ao mesmo tempo, exige deles grande empenho na leitura e nos apontamentos para ministrar aulas. A linguagem tem que ser adequada ao nível dos estudantes, pois se trata de uma obra para estudiosos e pesquisadores. Ela se estende do paleolítico aos dias de hoje. Portanto, é necessário eleger temas. Os que nos parecem mais pertinentes para estudantes dos ensinos fundamental e médio são as culturas nascidas em território africano (desmistificando a postura racista de que os nativos do continente são incapazes de construir culturas elaboradas), a diáspora africana promovida pelo ocidente para a escravização na América, a partilha da África pelos países europeus e o processo de descolonização, cujo início é recente.
Um livro que parece adequado para o ensino de temas relativos às culturas africanas é “A África na sala de aula: visita à história contemporânea”, de Leila Leite Hernandez (São Paulo: Selo Negro, 2005). Com 679 páginas, o livro assusta professores designados para o ensino de temas relativos à África, pois eles estão sempre ocupados com questões burocráticas que, geralmente, não lhes deixam tempo para pesquisa e preparação de aula. Além do mais, a autora se concentra na história contemporânea do grande continente, mais precisamente no processo de conquista, partilha e colonização da África pelos europeus. Mais uma vez, contorna-se uma questão que conferiria à África o status de regularidade, como na Ásia, na Europa e na América. Na África, desenvolveram-se culturas paleolíticas, neolíticas e civilizadas, como em todos os continentes. Ela não é um estoque de atraso, ignorância e pobreza. Não é um curral para escravização. Se chegou este ponto, foi por razões ideológicas e por violência da parte da Europa Ocidental.
Alberto da Costa e Silva é o maior estudioso de questões africanas no Brasil. Seus livros, mesmo os mais simples, são fundamentais para o conhecimento da África dentro e fora dela. Seus mais conhecidos livros são “A enxada e a lança: a África antes dos portugueses” (Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996); “A manilha e o libambo: a África e a escravidão, de 1500 a 1700” (Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Fundação Biblioteca Nacional, 2002); e “Um rio chamado Atlântico: a África no Brasil e o Brasil na África” (Rio de Janeiro: Nova Fronteira/Ed. UFRJ, 2003). Os três podem contribuir muito para sínteses elaboradas por professores. Quem atua em sala de aula sabe muito bem que não se pode pedir que estudantes leiam qualquer dos livros até aqui mencionados porque eles não se destinam diretamente ao ensino. Pode-se recorrer ao pequeno livro “A África explicada aos meus filhos”, do mesmo Alberto da Costa e Silva (Rio de Janeiro: Agir, 2008). Ele se constitui de perguntas simuladas pelo autor e respondidas pelo mesmo. Sugere-se a leitura do título, advertindo-se que ele não se destina à pesquisa, embora contribua para ela.
Dois livros alentados visam o conhecimento fundamental dos temas relativos à África, mas não o ensino diretamente. O mais antigo é “Breve história de África”, de Roland Oliver e J. D. Fage (Lisboa: Sá da Costa, 1980). O mais recente é “Compreender África”, de Rui Moreira de Carvalho (Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2005). Definitivamente, nenhum dos dois contribui diretamente para os ensinos fundamental e médio.
Alguns pequenos livros trazem expressiva contribuição. O mais antigo à minha frente é “África: geografia social, econômica e política”, de Delgado de Carvalho (Rio de Janeiro: IBGE, 1963). Menciono também “As civilizações africanas”, de Denise Paulme (Lisboa: Europa-América, 1977); “Uma breve história da África”, de José Airton de Farias (Fortaleza: SAS, 2014); e “História da África: uma introdução”, de Ana Mónica Lopes e Luiz Arnaut (Belo Horizonte: Crisálida, 2005).
O segundo e o terceiro parecem escritos para atender à obrigatoriedade do ensino de questões relacionadas à África. São relativamente atuais e sintéticos. Parecem os mais adequados para tratar das culturas e da diáspora africanas, além de temas relacionados à atualidade do grande continente. Eu recomendaria ambos para os professores empenhados no ensino de temas relacionados à África. Porém, faço ressalvas a todos. Neles, cultura é sinônimo de reino. Sabemos que reino é uma entidade política e que cultura geralmente o extrapola. Há também uma tendência a rapidamente se passar da África antiga para a diáspora africana e para a África atual. Seguiremos buscando sintetizar as culturas que se desenvolveram no interior do continente africano.
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