A Praça da República trazendo republicanismo, mas também equívocos graves
Edmundo Siqueira 13/07/2024 21:23 - Atualizado em 13/07/2024 21:36
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A palavra “república” deriva do latim, e em uma tradução livre significa “coisa pública”. Portanto, em um sistema republicano, a centralidade está na coletividade, nos bens coletivos, materiais e imateriais. Aos governos, cabe governá-los e pensá-los, assim como é preciso que a sociedade civil organizada participe das decisões.

As cidades são as coletividades onde as pessoas vivem, e convivem. Embora a República exija poderes independentes e harmônicos — e organização federativa —, é nas cidades que a cidadania deve ser exercida na plenitude. Nessa perspectiva, ambientes como ruas, praças, parques, construções públicas, monumentos e elementos históricos se constituem como bens de todos. Mas, que alguns os percebem como bens de ninguém.

Há uma diferença conceitual enorme em ver algo como “de todos” ou de “ninguém”. Quando visto como de todos, o bem deve ser preservado e pensado sobre seu uso a partir de uma visão coletiva. Já alguma coisa que não é de ninguém perde seu valor, e pode ser dado a ela o abandono, inclusive.

E foi o abandono que a Praça da República recebeu por sucessivos governos, em Campos. A praça foi construída após a doação de uma grande área entre o que hoje conhecemos pelas ruas Lacerda Sobrinho, Saldanha Marinho e Siqueira Campos, no centro da cidade. A doação foi feita por uma poderosa ordem franciscana, em meados do século 19, à Câmara de Vereadores.

Antiga Praça da República, primeiro chamada de Praça do Imperador
Antiga Praça da República, primeiro chamada de Praça do Imperador / Reprodução
Era para ser chamada de “Praça do Imperador”, e se transformou em Praça da República — irônica e simbolicamente. O simbolismo vem da transformação do Brasil em uma república, de fato, e a ironia se dá pela construção imperativa de uma rodoviária nos anos 1960, que cortou a praça e a descaracterizou. Sem entrar no mérito da escolha do local para a construção de um terminal urbano, o local deixou de ser uma praça de convivência e refúgio natural para se tornar uma estrutura abandonada.


Restaram alguns indivíduos arbóreos na praça, assim como algumas estruturas de alvenaria e uma pista de skate. Todos, sem uso adequado. Todos, abandonados. É óbvio que o abandono é responsabilidade da prefeitura atual, que poderia criar as condições para que os campistas usassem a praça para seu fim verdadeiro e centenário. Mas, além de não ser um problema recente, vem da prefeitura a proposta de revitalizar o local e dar vida, comercial e urbana, para ele.

A proposta de uso da Praça da República

A ideia central da prefeitura se apresenta em dois eixos: construir um novo complexo comercial onde hoje é a praça, com feira e peixaria; e retirar a estrutura metálica (construída para ser provisória, que dura mais de 40 anos) de frente do prédio do Mercado Municipal.

Até o presente, a prefeitura propõe a construção desse complexo antes de qualquer
alteração no Mercado. Uma vez pronto, o novo centro de comércio popular abrigaria os feirantes, que hoje exercem suas atividades em um local sem estrutura adequada e sem condições efetivas de limpeza.
Fachada do novo complexo de feirantes proposto pela prefeitura.
Fachada do novo complexo de feirantes proposto pela prefeitura. / Reprodução/PMCG


O local escolhido foi a Praça da República. Embora existam outros lugares possíveis, nenhum apresentaria aos feirantes os mesmos ganhos. A praça está a 250 metros do Mercado Municipal, em área central e valorizada, e ao lado da rodoviária, possibilitando que os munícipes que chegam e partem de outras localidades frequentem o complexo — e consumam.

Pelo apresentado, a praça não seria usada em sua totalidade, sendo mantido o máximo possível dos elementos atuais. Em proposta paralela, há previsão de plantio de árvores em locais próximos à praça.

As críticas e o judiciário

Em uma questão que envolve uma praça chamada de “república”, não se pode reclamar do contraditório. É republicano e saudável democraticamente que uma proposta de intervenção em um espaço público traga críticas e debates.

Diversas entidades de Campos tentam impedir a construção da nova feira, provocando o tombamento da praça, via Coppam (Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos), e para impedir qualquer intervenção no local, através do Ministério Público.
Obras no local onde hoje é instalado o Camelódromo — estrutura esmaga e esconde uma das fachadas do Mercado Municipal. A feira, construída para ser temporária e durando quase meio século,  esconde a outra.
Obras no local onde hoje é instalado o Camelódromo — estrutura esmaga e esconde uma das fachadas do Mercado Municipal. A feira, construída para ser temporária e durando quase meio século, esconde a outra. / Reprodução/Folha1


Segundo representante da prefeitura, o MP concorda com a utilização da praça para a construção da nova feira, como parte das ações de melhoria das condições atuais dos feirantes de frente do Mercado.

As críticas se concentram na supressão de uma área da praça e na retirada de árvores. Segundo o abaixo assinado “Salve a Praça da República!”, trata-se do “último remanescente de grupo arborizado do centro”, que avaliam como “inegociável manter a integridade da praça”.
Os equívocos

Salvar a praça significa justamente possibilitar que a praça seja usada pela população. E como está hoje, isso não acontece. Se pensarmos a praça como elemento histórico, ela não teve preservada suas características, e lembra muito pouco o espaço original, antes do corte feito pela rodoviária.

Suprimir qualquer árvore do espaço urbano é deletério, principalmente em tempo que o aquecimento global afeta diretamente a todos. Porém, existem compensações que podem ser feitas. Além disso, a Praça da República está a cerca de 300 metros do Parque Alberto Sampaio, distancia-se aproximadamente em 500 metros do Jardim São Benedito e está a cerca de 900 metros do Bosque Manoel Cartucho. Todos esses locais constituem-se como excelentes espaços arborizados.
Algumas áreas verdes próximas à Praça da República.
Algumas áreas verdes próximas à Praça da República. / Google Maps


O tombamento da praça justificar-se-ia se ela tivesse mantido suas características, e se constituísse como elemento de identidade do campista, como um local de convívio. Como é, aliás, o Mercado Municipal. E como era a Praça São Salvador, essa descaracterizada por completo. Mas nenhum dos dois aconteceu na Praça da República. Embora importante, o tombamento da praça não a protegeria, a manteria abandonada, insensibilizando ainda mais um poder público insensível à essas causas. O entorno dela já é uma AEIC (Área de Especial Interesse Cultural), o que se justifica plenamente.

E o principal equívoco reside no fato de que uma vez retraída a proposta da prefeitura, as coisas se manterão como estão. A Praça da República continuará abandonada e inacessível à maioria da população, o belo e centenário prédio do Mercado Municipal continuará esmagado, invisível e abandonado e os feirantes continuarão sem um local adequado para suas atividades.

Pode ser diferente? Pode. A prefeitura pode revitalizar a praça, transferir a feirinha da roça para seu interior e retirar as grades que a cercam, pode revitalizar o Alberto Sampaio e intervir na feira atual, deixando a torre do relógio do Mercado mais visível e reformada, e pode melhorar as condições dos feirantes com eles lá mesmo.

Mas, como disse Marco Maciel, ex-vice-presidente do Brasil, “tudo pode acontecer, inclusive nada”. E esse “nada”, manterá um dos patrimônios mais significativos e simbólicos de Campos esmagado, invisível e abandonado. Salva-se o pouco para impedir o muito.












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