As omeletes do Mercado Municipal
Edmundo Siqueira 07/02/2024 21:42 - Atualizado em 07/02/2024 21:46
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Não é difícil entender: para se fazer uma omelete é preciso quebrar alguns ovos. O prato, popularizado pela culinária francesa, precisa de claras e gemas para se concretizar, e para isso algumas cascas precisam ser rompidas. No caso do Mercado Municipal de Campos, alguns querem manter os ovos intactos nas gôndolas, e sem nenhuma omelete feita.


Por ocasião dos 100 anos do Mercado — o prédio principal foi construído em 1918 e inaugurado ao público em 15 de setembro de 1921 —, entrevistei o feirante mais antigo, ‘Seu’ Ananias. Ele me disse, enquanto arrumava as mercadorias em sua banca de alvenaria, que a construção principal de duas alas longitudinais com uma torre no entroncamento, “era lindo”: — “rapaz, o relógio badalava, era a coisa mais linda do mundo”, continuou.

Foi o próprio Ananias que me informou sobre as principais intervenções no entorno do Mercado Municipal. Lembrou das melhorias feitas por Zezé Barbosa (ex-prefeito de Campos, de 1983 a 1988), da cobertura metálica feita por Raul Linhares (1977 a 1982), e das bancas de alvenaria construídas por Garotinho (1989 a 1992).

Mercado espremido

O que hoje é chamado de “mercado municipal” é um complexo de comércio popular, composto por um camelódromo, feira de legumes, verduras e peixes, e ou botecos, pastelarias, açougues e tantos outros produtos vendidos no interior e nas lojas de face do prédio centenário.

O que pode ser uma riqueza em sentido histórico e social, um lugar que há mais de 100 anos construiu vivências e saberes, também pode representar afastamento. Como está, o Mercado não atrai novas clientelas, não funciona como ponto turístico (como são muitos mercados públicos Brasil afora) e não atende como deveria os permissionários e feirantes.

“Olha, para você ver, isso aqui era ponto turístico. Os ônibus vinham de fora, paravam todo domingo de manhã aqui, ficava aquela fila. Hoje acabou tudo, está abandonado. Esse telhado ajuda, mas ‘tapou’ o Mercado, assim como o camelô lá do outro lado”, lembrou o feirante Ananias.

A cobertura metálica colocada no governo Raul Linhares era para ser temporária. Já se foram mais quatro décadas.

Deixar como está?

Seu Ananias - considerado o mais antigo do Mercado.
Seu Ananias - considerado o mais antigo do Mercado. / Foto: Edmundo Siqueira
Não se trata de modernizar, limpar, civilizar ou gourmetizar a feira — ou o Mercado. As mudanças que precisam acontecer no local possuem motivações que ultrapassam questões estéticas ou higienistas.


O local que está o Mercado hoje não foi escolhido gratuitamente. Era necessário ter proximidade com o rio Paraíba e com o Canal Campos Macaé. As mercadorias eram deixadas por canoas que vinham do Canal, ou por carroças de burro por terra, os chamados “cargueiros”.
Algumas vinham da região onde hoje é o bairro Carvão. O Mercado também precisava manter diversos animais vivos no local, que seriam comercializados ali mesmo. Oonde hoje é um ponto de transporte público era chamado de ‘Curral das Éguas’.

Com a urbanização da cidade, acelerada durante os últimos 100 anos, todo o entorno do Mercado mudou — radicalmente. A centralidade do Mercado deixou de ser uma necessidade e um ganho, e passou a ser um problema. Principalmente aos feirantes, que precisam conviver com todas as mazelas de um centro urbano movimentado.

A praça da República

No último dia 30, a prefeitura de Campos abriu licitação para a construção do que está sendo chamado de “Novo Complexo Comercial dos Feirantes”, ou “Novo Feira de Campos”. Trata-se de um prédio novo, com traços modernos, onde seria abrigado, além de novos boxes para feirantes, pontos para restaurantes, produtos artesanais, e outros itens. Está previsto também um — necessário — Banco de Alimentos.

A ideia de Almy Júnior, secretário de Agricultura e proponente do projeto, é construir o complexo antes de convidar os feirantes para se mudarem do local atual. E seria removida, por consequência, a estrutura metálica da frente do prédio do mercado, formando um boulevard, deixando o prédio visível.
Fachada apresentada no projeto da prefeitura para a Nova Feira do Mercado
Fachada apresentada no projeto da prefeitura para a Nova Feira do Mercado / PMCG/Almy Júnior
O local escolhido para abrigar a nova construção foi a Praça da República, anteriormente chamada de Praça do Imperador, localizada nos fundos da rodoviária do centro, que está sem uso, e a pouco mais de 200 metros da feira atual. Pretende-se ainda fechar uma das ruas entre as estruturas para formar mais uma opção de comércio popular.

Árvores, Coppam e a omelete

A ideia levantou questionamentos. O primeiro deles em relação às árvores que a praça da República abriga atualmente. Campos é uma cidade carente de áreas verdes, e o corte das árvores para abrigar a nova feira aumentaria essa defasagem (embora a praça não seja um parque urbano, apenas uma praça).

Além disso, levantou-se a possibilidade da praça ser progrida por lei contra modificações — tombada — pelo Coppam, órgão consultivo responsável pelos processos de tombamento em âmbito municipal. Porém, segundo fonte, o que existe é a previsão legal que determina que toda aquela região seja protegida, não sendo permitido livres modificações.

Ou seja, não há tombamento, mas é preciso que a ideia de construir a Nova Feira na Praça da República seja discutida e autorizada por órgãos competentes, como o Coppam e a Secretaria de Obras.

É democrático e necessário que qualquer iniciativa do poder público seja questionada, principalmente as estruturais como a que envolve a mudança de um Mercado Municipal centenário. Assim como é possível propor novas ideias, ou sugerir alterações no projeto, tanto estéticas quanto de formatação.

Porém, é preciso lembrar que não se faz omelete sem que os ovos sejam quebrados.  E compensações podem ser feitas, com o plantio de tantas outras árvores. E é preciso pesar, mesmo em balanças antigas, daquelas com dois pratos de ferro equilibrados, típicas do Mercado, os prós e contras.

Caso a iniciativa se retraia e com ela o próprio poder executivo, a consequência será tudo ficar como está. A torre de inspiração francesa — assim como a omelete — do Mercado continuará escondida até sua inevitável ruína, e depois suas cinzas farão um peso invencível em um dos pratos da balança.
 

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