Talvez não seja tarde: Solar dos Airizes perto do salvamento - saiba como
Edmundo Siqueira 24/01/2024 21:50 - Atualizado em 24/01/2024 22:02
Dos patrimônios que estão em risco em Campos, o Solar dos Airizes é um dos mais resistentes. Abandonado há décadas, o casarão construído no início do século XIX, de arquitetura típica do período colonial, resiste — não sem danos e não se sabe como — às intempéries do tempo e do descaso.

Sem passar despercebido por qualquer pessoa que passe pela BR 356 (Rodovia Campos – São João da Barra), o Solar desperta curiosidade; muitas lendas permeiam a construção, sendo a mais conhecida a da Escrava Isaura. Mas gera também desespero em quem se preocupa com a história de Campos.

Paredes caíram, parte da fachada e do interior já não existe, várias portas e janelas em estado precário e o forro de madeira desabou em vários cômodos do Solar, levando a um estado de ruína. A icônica capela que o Airizes abriga também está em estado de deterioração. Parte de uma das extremidades do prédio (em formato de “U” imperfeito) já foi ao chão.
Nas apostas sobre qual patrimônio de Campos será o próximo a deixar de existir, o Solar dos Airizes lidera. Muitos previam que não passaria de 2023. Porém, o resiliente Solar persiste de pé, e se encontra próximo de salvação — como nunca esteve.

28 milhões - Com aval do Governo Federal, via Lei Rouanet, e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), um projeto que tem como objeto a manutenção e a conservação emergencial do Solar dos Airizes está apto a captar 100% do valor que foi proposto: R$ 28.410.937,55.
 
A Lei Rouanet permite captar recursos com empresas e pessoas físicas que estejam dispostas a patrocinar projetos culturais, incluindo o restauro de patrimônios históricos. Em contrapartida, o valor direcionado à cultura é abatido totalmente ou parcialmente do imposto de renda do patrocinador. Ou seja, os recursos que seriam pagos ao Estado por meio de impostos são direcionados para estimular a atividade cultural.
VERSALIC - Gov. Federal
No caso do Airizes, foi assinado, em julho do ano passado, um protocolo de intenções entre o município de Campos e a empresa Ferroport, que opera o terminal de exportação de minério de ferro no Porto do Açu. A Ferroport se comprometeu a aportar os recursos que pagaria de imposto no Solar, uma vez o projeto aprovado.


Os mais de 28 milhões de reais aprovados não precisam ser depositados de uma vez, e além da Ferroport, outras empresas podem participar. O projeto tem como proponente a Sociedade Artística Brasileira (Sabra) que também tem termo de cooperação técnica com a prefeitura.
Assinatura da parceria entre a prefeitura de Campos e a empresa Ferroport.
Assinatura da parceria entre a prefeitura de Campos e a empresa Ferroport. / PMCG
Escoramento e cobertura -
Em paralelo ao projeto via Lei de Incentivo, a prefeitura de Campos protocolou junto ao Iphan um pedido de autorização para realizar o escoramento das partes mais críticas do prédio, e a construção de uma cobertura temporária em toda construção, como forma de tentar conter a ação do tempo e das chuvas, enquanto as obras de restauro não se iniciam. 
Segundo fonte do Iphan, o projeto apresenta algumas pendências, mas com chances de aprovação.

A prefeitura é a responsável pelo Solar dos Airizes, após decisão do Tribunal Regional Federal (TRF-2), que transitou em julgado em 2020, e condenou o município de Campos a restaurar o Solar de forma emergencial. A ação foi proposta pelo Ministério Público Federal (MPF), e não cabem mais recursos.
Projeto da prefeitura
Projeto da prefeitura / Iphan
“A prefeitura vai fazer, emergencialmente, o escoramento total e a cobertura, para nos resguardar que não vai acontecer nada com o prédio. Mas para a obra de restauro, o dinheiro da Ferroport está garantido na parceria, já assinaram o termo de cooperação e já aprovaram no conselho”, disse o prefeito Wladimir Garotinho a este blog.


Wladimir disse ainda que o escoramento e a cobertura estão “prontos para serem feitos”, e que com a votação da LOA [hoje (24), veja aqui], “abre o orçamento e licita rápido”.
Procurada pelo blog, a empresa Ferroport não retornou os contatos. 

Família Lamego e condomínio na Fazenda dos Airizes - O Solar do Colégio e sua capela, e ainda todo seu entorno, são tombados pelo Iphan desde 1940, o que impede qualquer tipo de descaracterização. Porém, houve algumas tentativas de venda do Solar pelos herdeiros de Alberto Lamego e de sua esposa (filha do comendador Cláudio de Couto e Souza, construtor do prédio), e também de doação para a prefeitura de Campos.

Mas o espólio de Lamego não se limita ao Solar. A construção faz parte de uma grande fazenda, às margens da BR-356. Essas terras sempre foram alvo de especulações imobiliárias, e recentemente foi aventado que uma empresa de São Paulo seria a nova potencial compradora da propriedade.

Também a este blog, um dos herdeiros da família Lamego explica que a empresa paulista é a ABMais Incorporadora, que havia “fechado uma área para início de urbanização”, mas que não teria relação com o Solar dos Airizes, sendo “em uma área distante” do patrimônio.

O blog Ponto de Vista, de Christiano Abreu Barbosa, deu mais detalhes da transação:

“O trecho da BR-356 entre o final da Avenida Alberto Lamego e Martins Lage está se
transformando rapidamente num dos principais vetores de crescimento imobiliário de Campos. Com a expansão contínua do Porto do Açu, as terras às margens da rodovia - que acompanha o traçado do Rio Paraíba do Sul em direção à foz - se tornaram uma excelente opção para quem busca tranquilidade e, ao mesmo tempo, estar perto das comodidades e infra-estrutura da área urbana.

Em breve, os condomínios - Vale do Paraíba, Remanso do Paraíba e Palm Springs - já instalados naquele trecho terão um novo vizinho. A ABMais, incorporadora de São Paulo que e uma das maiores urbanizadoras do país, escolheu a região para o seu segundo empreendimento na cidade”.

O Solar e a Esperança - O Solar dos Airizes não traz apenas significado arquitetônico. O local foi residência de um dos maiores intelectuais e escritores campistas, Alberto Lamego, onde ele abrigou sua vasta pinacoteca, além de uma biblioteca repleta de obras raras trazidas da Europa e um extenso acervo documental.

O Airizes foi considerado a “meca da intelectualidade” do Brasil, que atraía diversos artistas, escritores e pensadores importantes do país, pelo acervo recolhido por Lamego. Uma dessas personalidades foi Mário de Andrade, um dos fundadores do modernismo. O local recebeu também o Imperador Dom Pedro II, em 1883.

Aos poucos, e percebendo (já naqueles tempos) o descaso de Campos com o patrimônio material e imaterial, Lamego vendeu a coleção de pinturas para o Museu Antônio Parreiras, em Niterói, onde se encontra até hoje, e o acervo para a USP, em São Paulo.

Foto; Edmundo Siqueira
Se salvo, o Solar deverá passar por um segundo restauro, onde será definido seu uso cultural, turístico e de educação patrimonial. Os recursos e as ações atuais servirão para impedir sua ruína e mantê-lo de pé, mas ainda há muito para ser feito, inclusive com a repatriação dos acervos. 


Prefeitura e Governo Federal, através da Lei de Incentivo, possuem o dever de preservar a história e incentivar a cultura, por obrigação constitucional e para fomentar um setor que empregava em 2020 quase 5 milhões de pessoas, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE.

Dos tempos de glória aos dias atuais, o Solar dos Airizes passou por várias intervenções, e um longo período de abandono. Representante de importante parte da história de Campos, a ruína total parecia uma realidade imutável. Mas, novos ares de esperança surgem, e caso se concretizem, a resistente construção pode ser um raro caso de salvamento patrimonial numa cidade que não compreende a importância de sua própria história.

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