Edmundo Siqueira
20/06/2023 23:12 - Atualizado em 20/06/2023 23:34
Em tempos de guerra, destruir patrimônio histórico — seja ele um monumento ou uma construção — se configura como uma estratégia de domínio. Ocupar ou reconstruir um símbolo histórico-cultural significa dizer que o inimigo venceu, não apenas a batalha, mas dominou um povo; uma nação. Assim como resistir e proteger esses elementos significa dizer que uma sociedade manteve-se viva, consciente de sua história.
Em 14 de junho de 1940, Paris caía diante do nazismo. A blitzkrieg (ataques relâmpagos) alemã vence o posicionamento francês na Linha Maginot (um conjunto de fortificações interligadas por trilhos subterrâneos construído na fronteira com a Alemanha) e Hitler passou a dominar a França. Uma das fotografias mais utilizadas para ilustrar esse fato histórico é uma onde o líder nazista posa com a Torre Eiffel ao fundo. Exercia ali o domínio através de um monumento, um elemento cultural da nação invadida.
Os franceses fizeram o inverso, 150 anos antes da invasão da Alemanha Nazista. Dessa vez, para lutar contra a dominação, tomaram outra construção histórica: a Bastilha. O prédio, que servia como prisão política no século XVIII, foi invadido pela população parisiense que estava insatisfeita com a crise socioeconômica que a França monarquista atravessava. A invasão se tornou o evento central da Revolução Francesa, evento que alterou o curso da história da humanidade.
Já no terceiro ano do século 21, tropas dos Estados Unidos derrubaram uma estátua de 12 metros de Saddam Hussein, durante a invasão do Iraque. As imagens correram o mundo e se tornaram o maior símbolo da queda de Saddam. O ditador acabou enforcado três anos depois.
Em dezembro de 2008, a Espanha derrubava a última estátua do ditador Francisco Franco montado a cavalo. O país havia aprovado um ordenamento jurídico chamado “Lei de Memória Histórica”, que obrigava a retirada dos símbolos franquistas dos espaços públicos.
Tempos de paz?
Defender o patrimônio histórico é mais que uma questão acadêmica. A forma que lidamos com sua preservação ou com sua ressignificação — como houve na Espanha depois da ditadura franquista — está intimamente ligada com o entendimento dos símbolos e elementos constitutivos da sociedade em que esses patrimônios existem. Sem educação patrimonial não é possível compreender os processos que fizeram a história, e quais deles devem ser combatidos.
A comunidade internacional tem esse entendimento, a princípio tentando proteger os patrimônios culturais em tempos de guerra, tratando-os como territórios neutros e que deveriam ser poupados até pelos invasores, sob pena de serem condenados por crimes de guerra. A Resolução 2347 do Conselho de Segurança da ONU, reconhece formalmente que a defesa do patrimônio cultural é imperativa para a segurança.
Em tempos de paz, a defesa do patrimônio histórico-cultural deveria ser entendida como natural pela sociedade — seja ela qual for, de um país ou de uma cidade. Afinal, algo visto e tratado como um elemento de importância vital, mesmo na guerra, deveria ser entendido como valoroso aos povos em qualquer tempo. Isso de fato acontece em várias partes do mundo — cidades são reconhecidas como patrimônios mundiais, monumentos são abraçados por resoluções intercontinentais e sítios arqueológicos são territórios intocáveis.
Quando preservamos um bem, preservamos a história acumulada. O que se constitui, além de ser uma obrigação e uma forma de sobrevivência, como um pacto intergeracional. Ou seja, ao garantirmos que patrimônios históricos sobrevivam e tenham uso cultural, educacional, ou mesmo turístico, estamos tratando de manter a história para as próximas gerações.
Destruir um patrimônio histórico em uma guerra é visto como um crime grave pela ONU. Omitir-se diante da destruição de patrimônios em tempos de paz também configura um ato criminoso quando relacionado ao governante. Mas a omissão da sociedade civil nesse assunto demonstra que a guerra, seja ela qual for, já está perdida.