Invariavelmente, um patrimônio histórico só resiste ao tempo quando lhe é conferido uso. A exploração do espaço — via poder público ou iniciativa privada — oferece acessibilidade, preservação e cumprimento das obrigações exigidas pelos órgãos de controle, como o Iphan. Exemplos não faltam no Brasil e no mundo.
Mas Campos é um caso sui generis. Uma de suas primeiras edificações — um emblemático Solar incrustado na Baixada Campista — tem uso (lá funciona o Arquivo Municipal) e recurso para restauro (R$ 20 milhões em caixa da Uenf) há quase um ano, e mesmo assim corre sério risco de acontecer o mesmo com o Hotel Flávio.
No que assemelha-se às outras cidades que destroem seu patrimônio, Campos não consegue criar a sensação de pertencimento necessária em seus habitantes. Apesar de ser uma cidade histórica, com mais de 400 anos, e ter sido uma das mais importantes do Império, os campistas comemoram seu aniversário em 28 de março, que remete a apenas 187 anos de história, “apagando” os eventos anteriores.
Quem acompanha este espaço, ou teve acesso ao meu livro “Antes que seja tarde”, sabe que o Solar dos Airizes (casarão às margens da BR-356, a caminho de São João da Barra) é outro patrimônio que está em estado calamitoso, mesmo havendo decisão judicial que determina seu restauro.
No mesmo centro histórico do Hotel Flávio, o campista viu as chamas — do mesmo descaso — quase destruírem o belíssimo prédio da Lira de Apolo. Viu também a emblemática construção da Santa Casa de Misericórdia se transformar em um estacionamento e o antigo Teatro Trianon numa agência bancária.
Mas o descaso e a culpa pela destruição de mais um patrimônio histórico é de todos nós. É preciso criar identificação e respeito pelo passado. Personagens históricos são transformados em caricaturas e construções em problema. Os processos que trouxeram a sociedade ao tempo presente não são problematizados, não são apresentados às crianças nas escolas. Pelo menos não como deveria.
Sem esse trabalho, sem educação patrimonial e sentimento de pertencimento, não se resolve a questão dos patrimônios apenas com dinheiro. Os museus vão continuar vazios, os prédios vão continuar caindo e a história vai continuar desvalorizada.
O descaso — provoque ele incêndios ou não — impede que adultos e crianças entendam que é indo ao museu, visitando uma construção histórica, pesquisando em um Arquivo ou aproveitando uma exposição, que elas vão adquirir a cidadania, a memória, a história, o passado, e valorizar a sua cidade e o seu país.
O Hotel Flávio foi apenas mais um que sucumbiu pelo descaso em Campos. Outros tantos anunciam o mesmo fim. A tragédia é perdermos o pouco da identidade construída e não criarmos condições para aumentá-la.