Edmundo Siqueira
14/08/2023 20:54 - Atualizado em 15/08/2023 10:10
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Assim como outros grandes feitos da humanidade, a Uenf nasceu de um sonho. A Universidade do Terceiro Milênio — como foi batizada a princípio, pelo seu idealizador — foi concebida através de uma utopia encomendada ao escritor e antropólogo Darcy Ribeiro, nos idos de 1990.
Mas antes de chegar a Darcy, o sonho de uma universidade pública no interior do Estado do Rio já povoava os pensamentos em Campos dos Goytacazes. Um grande movimento envolvendo políticos e a sociedade civil conseguiu as assinaturas necessárias para que fosse incluída na constituição do Estado uma emenda popular que iria prever a criação da Universidade Estadual do Norte Fluminense.
Mas os sonhos precisam de ação e reação para que se concretizem. O que estava na Constituição não bastava, sendo preciso que a Assembléia Legislativa criasse uma lei específica para a criação da Uenf, e esta deveria ser sancionada pelo então governador Moreira Franco — foram três anos de luta e mobilização para que a Lei Estadual 1.740 fosse aprovada, conjuntamente com o Decreto 16.357, o que construiu as bases legais que, enfim, possibilitaram a criação da Uenf em Campos.
Em 1991, o Rio era governado pela segunda vez por um gaúcho chamado Leonel de Moura Brizola, que cumpriu a promessa feita em Campos durante a campanha e fez as leis virarem uma realidade de concreto armado. E fez a melhor escolha para conceber o modelo e coordenar a implantação da Uenf: Darcy Ribeiro.
As universalidades de Darcy
Darcy já era craque em transformar utopias em realidades; já tinha feito a UnB (Universidade de Brasília) e participado de importantes reformas universitárias no Chile, Peru, Venezuela, México e Uruguai.
“É a universidade que eu chamo de Terceiro Milênio (a Uenf), feita para dominar a ciência mais avançada, a tecnologia mais avançada, por que minha convicção é que, ou nós conhecemos e dominamos o saber moderno, ou seremos recolonizados”, disse Darcy em uma entrevista ao programa Roda Viva, da Tv Cultura.
O que Darcy Ribeiro chamava de “recolonização” é o que se percebe hoje em muitos lugares do mundo. Submissão econômica e falta de acesso às ciências e tecnologias que permitem que povos vivam como colônias de países que ainda são chamados de “primeiro mundo”. Darcy tinha uma fixação perceptível por inovações tecnológicas e entendia que a ciência deveria estar à serviço do desenvolvimento local, de concepção regional.
A Uenf nasce com essa intencionalidade. E se constitui com a visão de que não é possível que a região Norte Fluminense desperdice saberes, e que era preciso que uma instituição de ensino pública de excelência pudesse transformar as vivências e elementos da cidade, do campo, dos indígenas, dos quilombos e da periferia em ciência e conhecimento sistematizado. A Uenf foi criada para devolver em forma de desenvolvimento o que a região lhe dá de potencialidades, talentos e recursos naturais.
Com esse espírito, Darcy concebeu uma universidade voltada à pesquisa e à pós-graduação, até então sem paralelo na história do ensino brasileiro. Em uma decisão ousada, exigiu que a Uenf fosse a primeira universidade brasileira onde todos os professores tivessem doutorado, levando o objetivo acadêmico de formar cientistas de maneira muito séria e incisiva.
Não é possível dissociar a história de Darcy Ribeiro da Uenf, que além de levar seu nome — em 2001, através de lei complementar sancionada pelo então governador Anthony Garotinho, a Uenf conquista sua autonomia administrativa e adiciona o nome de seu criador —, nasce da união de mentes e corações que se engajaram em uma utopia realizável. Darcy era um intelectual insubordinado, que nunca se satisfazia com o conhecimento produzido, sempre querendo mais, sempre produzindo e sempre buscando encontrar na essência do brasileiro e do fluminense a potência científica necessária para levar o Brasil e a região ao terceiro milênio.
Do sonho à excelência
Desde o dia 16 de agosto de 1993, quando a primeira aula foi ministrada na Uenf, muitas pessoas fizeram da Universidade do Terceiro Milênio algo vivo, e dedicaram suas vidas ao ensino universitário gratuito de excelência. Em 2007, 2008, 2009 e 2010, a Uenf foi apontada pelo Ministério da Educação (MEC) como uma das 15 melhores universidades do Brasil, com base no Índice Geral de Cursos (IGC).
Em 2008, a Uenf recebeu o Prêmio Nacional de Educação em Direitos Humanos. Em 2009, o CNPq conferiu à Uenf, pela segunda vez, o Prêmio Destaque do Ano na Iniciação Científica. Em 2012, a Uenf foi considerada a melhor universidade do Rio de Janeiro e a 11ª melhor do país.
Concretizando outro sonho de uma campista ilustre, em 1993 foi inaugurada a Casa de Cultura Villa Maria, instalada em palacete de 1918 de estilo eclético, no centro de Campos. A Villa Maria atuou como “símbolo da união umbilical da Uenf com a sociedade de Campos”, como é dito na página oficial da universidade. O casarão foi deixado em testamento por Maria Tinoco Queiroz — conhecida como D. Finazinha —, para ser a sede da primeira universidade pública de Campos. A donatária faleceu no início dos anos 1970, tendo seu sonho testamentário realizado 23 anos depois.
A Uenf visivelmente possui internalizada em seu quadro de pessoas a vocação para a ciência, e valorização da pesquisa. “Eu entrei na Uenf em 2010. Para mim a vocação desta universidade, a partir dos alunos que encontrei, é exatamente possibilitar que cada um deles realize um sonho que não é meramente o sonho da mobilidade social, ou da ascensão de classes. É o sonho de fazer parte de um mundo global a partir da ciência, é o sonho de tornar-se cientista e parte da transformação em uma região difícil, onde nem sempre o poder público adere aos avanços científicos”, conta Luciane Soares, professora da Uenf, doutora em Sociologia e Antropologia.
O material humano
Darcy pensou a universidade exatamente como a única forma possível de formar conhecimento e saberes: investindo em pessoas.
“Na minha avaliação Darcy Ribeiro é, acima de tudo, alguém que olha o Brasil com olhos grandiosos, com olhos de esperança e de construção, e como ele mesmo diz, inventar o Brasil que queremos, então Darcy vai na contramão de uma tecnocracia, de um elitismo e porque não dizer de um racismo, particularmente quando tratamos da questão de negros e indígenas”, complementa Luciane.
Professor da UFF-Campos, George Coutinho, cientista político e sociólogo lembra da Uenf com carinho. Diz que foi “estagiário, professor de pré-vestibular social (iniciativa pioneira e tradicional do alunado da instituição), estudante de graduação e da pós” da universidade, e compara a Uenf com grandes universidades da Europa e América Latina.
“A Uenf está completando seus primeiros 30 anos. Digo primeiros 30 anos em virtude de uma das características das grandes instituições universitárias na Europa e América Latina: instituições que atravessam bravamente diferentes séculos em sua existência. Então, que sejam os primeiros 30 de muitos anos que esta instituição irá comemorar! Ela, a Uenf, é fruto de um conjunto de vontades. A população campista que se mobilizou para ter em Campos uma universidade pública instalada em sua integralidade”, disse George.
Sobre Darcy, o professor diz que entre essas vontades a dele era “singular”.
“Uma vontade singular, dentre esta constelação de vontades, certamente foi a do antropólogo, o prof. Darcy Ribeiro. Darcy foi um polímata, trafegava em uma ampla gama de temas e áreas…antropologia, teoria social, epistemologia, militância política trabalhista, fervoroso defensor do desenvolvimentismo, Darcy também era indiscutivelmente um educador, pai de instituições de ensino. Trabalhou de maneira decisiva na criação da UnB e em instituições na América Latina e África. A Uenf é fruto de um conhecimento acumulado por Darcy em uma vida inteira”.
Elis Miranda, geógrafa e doutora em Planejamento Urbano e Regional, disse que a Uenf fez uma “intervenção territorial para a promoção do desenvolvimento regional” e que “cumpre este papel com maestria”. Miranda comemora a reabertura da Villa Maria (a casa passou por reformas ficando mais de oito meses fechada) e a criação do Cine Darcy.
“A Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro é um projeto de intervenção territorial para a promoção do desenvolvimento regional. Cumpre este papel com maestria. Com destaque para os últimos quatro anos nos investimentos na política cultural universitária com a reabertura da Casa de Cultura Villa Maria totalmente reestruturada e a criação do Cine Darcy, uma sala de cinema universitário que oferece de forma gratuita a exibição de produções audiovisuais de todas as regiões brasileiras, tendo a Amazônia a principal para fins de preparar a comunidade uenfiana para a COP 30 que acontecerá em 2025 no Brasil”, disse Elis.
Darcy Ribeiro não conseguiu transformar todos seus sonhos em realidade. Entre as propostas do antropólogo estava a ideia que a Uenf pudesse abrigar uma Escola de Cinema. O local escolhido foi um Solar jesuíta do século XVII incrustado na Baixada Campista, conhecido como Solar do Colégio. A construção pertencia ao Estado do Rio e tinha tombamento federal, mas estava em estado de abandono. O prédio foi parcialmente restaurado, mas a ideia não avançou por questões administrativas. Hoje o local abriga o Arquivo Público Municipal.
Ana Bárbara Godinho, formada em medicina veterinária na primeira turma da Uenf, lembra com orgulho da sua trajetória na universidade; atualmente ela leciona no CCTA (Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias). “Parece que foi ontem, mas foi exatamente em agosto de 1993 que a nossa querida Uenf foi inaugurada. Tudo iniciou quando chegaram a Campos dos Goytacazes os primeiros grupos de Pesquisa os quais se dedicaram, arduamente, aos trabalhos de montagem dos laboratórios de pesquisa e à implantação dos cursos”, disse a professora.
“Sinto-me extremamente realizada em poder fazer parte desta história, antes como discente e hoje como parte do corpo docente. Tive a felicidade e o privilégio de usufruir de todo o conhecimento acadêmico e científico oferecido por esta universidade. Espelho-me nos meus mestres para continuar a minha missão de educadora. A Uenf é uma instituição pública de altíssima qualidade, merecedora do nosso respeito e valorização para que possa continuar exercendo o seu papel transformador e cumprindo a sua missão de atender ao imperativo de contribuir para o desenvolvimento científico e tecnológico regional e do Brasil; a você, Uenf, nossos parabéns!”, felicitou Ana Bárbara.
Uma das missões da Uenf foi exercer um papel transformador em uma região de enorme potencial em petróleo e gás. Aliado aos recursos naturais que a região dispõe, a universidade também foi vocacionada para “dar assistência científica à antiga e poderosa agroindústria”, nas palavras de Darcy, que foram lembradas pela professora Ana Bárbara.
“A Universidade Estadual do Norte Fluminense nasce comprometida especificamente com os problemas da região em que funciona, principalmente com o desafio de criar a alta tecnologia requerida pela área que produz a maior parte do petróleo e do gás do país, bem como de dar assistência científica à antiga e poderosa agroindústria açucareira que lá sobrevive; e ainda enfrentar a degradação ecológica da região revitalizando o rio Paraíba, planejando o reflorestamento e a produção de biomassa”, disse Darcy Ribeiro.
Eleições no campus
Enquanto vive as comemorações dos 30 anos de existência, a Uenf prepara mais um processo eleitoral para o cargo de reitor. Na última sexta-feira (11), o Conselho Universitário homologou a inscrição de duas chapas para as eleições que ocorrerão em primeiro turno no mês de setembro.
(Dois professores ligados às chapas homologadas falaram sobre o aniversário da Uenf, sendo concedidos os mesmos termos e o mesmo espaço para as considerações. Embora não tenham se pronunciado em relação as eleições ou a propostas, falando exclusivamente sobre as comemorações dos 30 anos da universidade, foram mantidas as premissas desse espaço, que preza pelo senso ético, o equilíbrio democrático e a escuta ativa do contraditório. A cobertura completa das eleições da Uenf será feita por este espaço).
Carlos Rezende, conhecido no campus como Carlão, é professor da Uenf e participante do grupo que estruturou a universidade em seu início. O professor lembra do papel da Fundenor e a importância da Villa Maria que antes era ocupada pela prefeitura.
“O resgate da verdadeira história da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) é necessário e a importância de algumas instituições locais e de alguns Campistas precisa ser reconhecida. Embora a Uenf celebre seus 30 anos, em 16 de agosto, sempre destaco que o início de funcionamento da Uenf foi em 1992 e ressalto o importante apoio institucional desempenhado pela Fundação Norte Fluminense de Desenvolvimento Regional (FUNDENOR) para instalação da Uenf. Outra passagem que chama atenção foi a doação do Palacete doado pela Sra. Maria Queiroz, ou seja, a Casa de Cultura Villa Maria”, disse Carlão.
“Quando chegamos em Campos dos Goytacazes, a casa era ocupada pela Prefeitura e o prefeito Anthony William Matheus de Oliveira passou a posse do imóvel para o primeiro reitor da Uenf, Prof. Wanderley de Souza em uma cerimônia muito disputada, pois ali estavam Leonel Brizola, Darcy Ribeiro e vários professores que ainda estão na Uenf”, complementou.
O professor citou o papel “cultural e transformador” da Universidade na sociedade campista, e a necessidade de dialogar com “redes locais, regionais, nacionais e internacionais”. Carlão é representante de chapa que se candidatou nas eleições da Uenf neste ano.
“A educação superior é um projeto cultural e transformador de uma sociedade e a valorização do conhecimento e cultura são a razão de ser da vida universitária. A Uenf deve se comprometer com a formação profissional, que além dos saberes nucleados nas diferentes áreas, contribua para a cultura. Neste sentido, devemos priorizar a inclusão e o diálogo intercultural na universidade, favorecendo um cenário de pluralidade, respeito e convivência harmônica. É importante fomentar o diálogo de saberes como estratégia para o encontro entre os conhecimentos acadêmicos e aqueles produzidos socialmente, ao mesmo tempo incentivando a participação da Uenf em redes locais, regionais, nacionais e internacionais”, comentou Carlão.
Raul Palacio, atual reitor da Uenf e ligado à uma das chapa que concorrerá em setembro, de titularidade de Rosana Rodrigues, disse estar com a sensação de “dever cumprido”, e que comemora os 30 anos da Uenf com “muita alegria”. Disse ainda que a universidade tem realizado tudo que Darcy pensou, e “até um pouco mais”.
“Ao longo desses 30 anos a Uenf tem realizado tudo aqui que o Darcy pensou que a gente poderia fazer e até um pouco mais. O Darcy colocou a Uenf nessa região, no Norte e Noroeste do Estado, em uma região carente de educação, carente mesmo em termos de recursos, com um povo muito necessitado de se educar para desenvolver a região. E a Uenf tem feito isso ao longo de 30 anos. São mais de 11 mil estudantes formados na graduação, e muitos deles são os primeiros a serem formados no ensino superior em suas famílias, através do ensino de qualidade que a Uenf oferece”, disse Raul.
Palacio lembra o papel da Uenf durante a pandemia do Covid-19, citando a abertura do campus para o atendimento em vacinação. “A interação com a comunidade tem sido muito forte, há pouco tempo, gostaria de lembrar, mais de 100 mil pessoas foram vacinadas em um atendimento que a universidade abriu todas as suas portas para poder atender uma necessidade da comunidade. Quando a pandemia começou, a Uenf deu um primeiro passo com seus pesquisadores para o credenciamento de um laboratório no HGG (Hospital Geral de Guarus) para poder realizar testes de Covid, que naquele tempo era essencial para fundamentar as políticas públicas em relação à pandemia”.
Em polêmica recente, a Uenf recebeu R$ 20 milhões da Alerj (Assembleia Estadual do Rio de Janeiro) para restaurar o Solar do Colégio, que hoje abriga o Arquivo Público. Os recursos começaram a ser aplicados há alguns dias, depois de quase dois anos que os recursos estavam de posse da universidade. Raul comentou dizendo que a Uenf “nunca se omitiu” na defesa do patrimônio, e que o processo é “às vezes mais demorado, outras vezes menos demorado” dentro da universidade.
“A extensão é um pilar forte da instituição, e recebemos nos piores momentos o apoio da sociedade para sair dos nossos problemas que foram determinados principalmente por falta de autonomia e recursos. Todas as ações que nós fazemos hoje o Darcy está presente. Algumas não com o sucesso que a gente gostaria, mas todas elas a gente pensa o tempo todo em Darcy, inclusive tomando a responsabilidade em restauração de patrimônio público, que se não fosse a Uenf estaria caindo pelo descaso do órgão público de anos e anos, sem colocar a quantidade de recursos necessária e todo trabalho necessário para poder manter esse patrimônio. Então, às vezes mais demorado, outras vezes menos demorado, mas a Uenf nunca se omitiu e sempre deu um passo à frente para poder atender as necessidades da sociedade. Tenho certeza que Darcy, onde quer que ele esteja, independe da crença religiosa de cada um, está muito contente com que a Uenf vem realizando ao longo desses 30 anos”, disse Raul.
Os problemas
Já o economista Alcimar Ribeiro, professor da Uenf, coordenador do Núcleo de Pesquisa Econômica do Estado do Rio de Janeiro (Nuperj/Uenf), disse a Uenf "cumpre seu pepel com excelência", mas que "não houve um entendimento muito amplo da sociedade sobre o potencial da Uenf". O professor disse ter aproveitado "pessoalmente" o que a universidade trouxe para Campos e região, mas que coletivamente muito ficou a ser feito, principalmente em interação da comunidade com a universidade.
“A Uenf teve um papel fundamental para a região, e foi pensado na visão do Darcy Ribeiro, claro. Uma universidade que tivesse o condão de centralizar o conhecimento no interior, vindo dos grandes centros também, foi fundamental, importantíssimo. Mas precisamos considerar que na visão completa do Darcy ele estaria frustrado hoje, naturalmente. Pois apesar dessa importância na região, não houve um entendimento muito amplo da sociedade sobre o potencial todo da instalação da universidade aqui, e por isso o Darcy estaria decepcionado. Não houve o aproveitamento de todo potencial da Uenf em pesquisa e extensão, justamente por falta desse entendimento de atores locais. A gente vê que 30 anos se passaram e a Uenf continua formando bons cérebros, mas eles vão para outros lugares, e a região padece, com aprofundamento da desigualdade, da miséria e da falta de oportunidade dos jovens. A universidade continua cumprindo seu papel com excelência, mas a população não entendeu, temos instituições frágeis”, disse Alcimar.
O professor disse ainda que “a própria sociedade não aproveitou esse potencial”, e que fala sobre “todos os envolvidos”: "a gente sabe que modernamente somente um aparato físico não resolve os problemas, seria preciso uma interação real e efetiva, e comprometida da sociedade com as questões sociais, econômicas, ambientais e etc. é fundamental, mas apesar desses 30 anos não conseguimos atingir esse nível de interação. A gente tem a universidade funcionando, formando pessoas, mas esses profissionais acabam saindo daqui, e acabamos exportando cérebros, o que é um grande problema”, complementou.
Apesar ser um dos primeiros papéis da Uenf exercer um papel transformador na região, na visão do economista a Uenf não conseguiu fixar seus produtos humanos e em pesquisa localmente.
“Continuamos em uma condição de atraso, contraditoriamente. A gente teve uma universidade que veio efetivamente para potencializar o desenvolvimento, mas 30 anos depois a região vive um atraso. A sociedade não conseguiu compreender como aproveitar essa estrutura da universidade. Nós não conseguimos fixar esses potenciais. Estamos frustrados, em uma sociedade que continua ainda muito individualizada, e fugindo dessa interação que seria fundamental”.
George Coutinho, também citou as dificuldades da Uenf, apesar de suas memórias afetivas com a universidade. Ele lembra a greve de 2001 e os conflitos que o meio político de Campos protagonizou com a universidade.
“Tenho muitas memórias afetivas, profissionais e estudantis com a Uenf. Penso que uma delas envolve a luta pela autonomia da instituição. Em 2001 houve longa greve e enfrentamento tenso com o governo do estado na época, cujo governador era ninguém menos que Garotinho. Ele veio a Campos, no campus da UFRRJ, para cumprir agenda e nos encontrou lá, um punhado de estudantes e professores, que tentávamos entregar uma carta com as reivindicações de nossa comunidade. Me lembro como se fosse hoje: a carta seria entregue, a pedido nosso, pelo então reitor, o professor Salassier Bernardo, um professor já com idade avançada e um homem de ciência especialmente importante nas ciências agrárias. Garotinho posicionou dedo em riste: “NÃO NEGOCIO COM GREVISTA, NÃO NEGOCIO COM GREVISTA!” e saiu correndo”
“Garotinho era acompanhado por uma claque nesta ocasião. A claque, formada por homens jovens, considerou a performance de Garotinho uma senha para atacar um dos estudantes. O estudante da Uenf em questão foi agredido fisicamente. O problema é que parte da imprensa carioca estava lá também, documentou tudo e aquilo virou um escândalo nacional. Afinal, “Garotinho bate em estudantes”. Diante do político, e da derrota política de Garotinho perante a opinião pública, ele teve que ceder. Quem diria que a instituição pensada para promover e produzir conhecimento no limite, na fronteira, no que há de mais avançado nas ciências, teve que conquistar sua autonomia na…porrada! Mas, foi assim”, finalizou George.
Em relação à obrigatoriedade da formação de doutor dos professores, onde todos os docentes devem ter doutorado e dedicação exclusiva, o professor Carlos Rezende vê como "problemática no início", mas que “ao longo do tempo foi superada e mantemos este requisito como cláusula pétrea para nossa instituição”.
Porém, Carlão avalia que a instituição deve ampliar suas ações na região: “Para atingirmos esta meta (ampliação da atuação) alguns requisitos são necessários, como fazer com que o quadro permanente de docentes da Uenf chegue ao que está previsto na sua criação, a reposição e ampliação do quadro permanente de servidores técnicos, a maior interação com as diferentes esferas públicas e com a sociedade, e abordar adequadamente a tão desejada autonomia financeira”.
Os próximos 30 anos
A Uenf cumpriu um papel essencial no desenvolvimento de Campos e região, e apesar de não ter exercido todas as suas potencialidades, foi fundamental para que uma extensa rede de conhecimento e pesquisa se formasse, alimentando não apenas o meio acadêmico, mas auxiliando em processos econômicos.
Em uma região vocacionada às culturas agropecuárias, a Uenf se mostrou uma parceira importante, mas que ainda carece de maior diálogo com o setor e aproximação com os setores produtivos. Mas tem em suas mãos uma instituição que pode exercer esse papel de forma mais efetiva: a Escola Técnica Agrícola Antônio Sarlo.
Além das ciências do campo, a Uenf deve agir em consonância com os sonhos de seu criador e expandir suas atuação para outras áreas do conhecimento, como diz a professora Luciane, reforçando a necessidade da Uenf “dobrar de tamanho”:
“Se a gente considerar as áreas ligadas à veterinária, ao melhoramento de alimentos, enfim a grandiosidade das possibilidades, e ainda sentimos muita falta da Escola de Cinema que acabou não saindo, e ainda sentimos muita falta de dobrar o tamanho da universidade, que para mim é profundamente necessário. A gente tinha a possibilidade de ter um curso de História, um curso de Geografia, um curso de Psicologia, um curso de Filosofia…e hoje nós temos que repensar a universidade”.
Para que a Uenf continue sendo um essencial polo de ciência, pesquisa, conhecimento, de formação de profissionais e de energia intelectual para toda região Norte Fluminense e para o país, e ainda para que a universidade consiga ultrapassar seus próprios muros e dialogar mais efetivamente com a sociedade que está inserida, vai ser preciso que os próximos 30 anos sejam de maior consciência da realidade local, dos problemas enfrentados nas realidades extra-muros.
Como professora ligada ao movimento sindical da universidade, fazendo parte da Associação de Docentes da Uenf (ADUENF), Luciane reconhece a necessidade de inserção e dos desafios que uma instituição de ensino da importância da Uenf enfrenta:
“Campos não é uma cidade pobre, é uma cidade rica, que tem história, mas uma cidade que talvez ainda esteja de costas para o seu povo, assim como está de costas para o seu rio Paraíba, o grandioso rio Paraíba. Então, esse encontro com Brizola e com o povo campista sedento por uma universidade, possibilitou esse sonho, essa utopia e por que não, esse Brasil, que ainda precisa ser inventado em 2023”.