O acontece no Rio? O Estado é um ente da federação marcado pela diversidade. A capital, sempre alijada do interior, cometendo o erro estratégico não admitido por outros co-irmãos, como São Paulo, construiu sua imagem e a nutriu por possuir uma cultura endógena e revelada, para outros estados e regiões do Brasil, em bases plurais. Pátria do samba, ditador de moda, hábitos e costumes, laicidade orgulhosa — e atacada — difundida por religiões de matriz africana. Estado de grande atividade cultural, “dono” de patrimônio material e imaterial de causar inveja a qualquer cidade francesa, criada e alimentada em mesas de bar espalhadas pela Lapa, pela beira-mar da zona sul e pela alegria da baixada fluminense.
Mas, algo de esquizofrênico existe na capital fluminense. E o resultado dessa patologia social escorre ao interior.
O indivíduo carioca, mitificado pela malandragem e o “jeitinho”, personificação de características do “homem cordial” do historiador Sérgio Buarque de Holanda, sofre politicamente de um conjunto de psicoses endógenas cujos sintomas fundamentais apontam a existência de uma dissociação da ação e do pensamento. Muito de seus prefeitos e governadores representaram pouco a cidade. Brizola, governador do estado na década de 1980, dono de um populismo caudilho, embora sofresse de um carisma crônico, como muitos cariocas, não tinha lá muito o “jeitão” da cidade, mais identificado no Rio Grande do Sul, estado que também foi governador, fato único na república brasileira. Brizola ainda personificava o mito populista-salvacionista de cunho nacionalista típico dos anos 30, assim como Garotinho, uma das criações do brizolismo, e um político que representa, esse sim, algumas das características cariocas, boas e ruins. O governador, que faleceu em 2004, chegou a pedir perdão por ter “criado” Garotinho.
Mas, Brizola também possibilitou homens públicos como Darcy Ribeiro (ressalvando que Darcy era a muleta intelectual que sustentava Brizola). Outro ponto da esquizofrenia política do Rio. Como é possível o mesmo personagem gerir Darcy e Garotinho?
Esta falta de identidade política se aprofundou. Hoje o Rio de Janeiro é representado por Marcelo Crivella (prefeitura) e Wilson Witzel (governo do Estado). O primeiro, bispo da Igreja Universal, representa a face da intervenção inconstitucional da igreja no estado. Em uma de suas ações, censurou um livro em plena Bienal. O segundo é autor de declarações como “acertar a cabecinha” de bandidos e de propostas como uso de sniper nas favelas cariocas. Ambos não poderiam ser menos representativos. Ambos não poderiam ser menos aderentes ao progressismo e efervescência cultural do Rio.
A patologia social fluminense reflete da falta de reconhecimento de sua população como um estado único. Desde a Guanabara, a crise de identidade do fluminense provoca atraso econômico e retrocessos políticos. O interior não reconhece a capital, a capital não reconhece seu interior. Como se pode constatar, mesmo sem anamneses mais profundas, ou sessões de psicanalise públicas, o Rio está doente.