A instituição escolhida para receber os recursos — que necessariamente precisaria ser estadual — foi a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), que aceitou o desafio. Além de ser uma instituição de ensino de grande relevância para Campos, a Uenf possui uma ligação embrionária com o Solar.
No início dos anos 1990, Campos também viu uma antiga promessa se transformar em uma possibilidade real. Essa, se concretizou com louvor. Uma Universidade Pública de excelência começava a tomar vida. O que era apenas um sonho coletivo da sociedade campista, foi ganhando contornos físicos, em concreto armado, pelas mãos geniais de Oscar Niemeyer, e pela inquietude criativa de Darcy Ribeiro.
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A Escola de Cinema
Inquietude que levou Darcy a tentar implantar uma Escola de Cinema em solo Goytacá. A construção escolhida foi o Solar do Colégio. À época, estava fechado e abandonado, desde a desapropriação pelo Estado. Vândalos haviam depredado a edificação e roubado o que havia em seu interior.
Para a Escola de Cinema era preciso restaurar o Solar do Colégio. E, via Uenf, o restauro foi feito. O Solar renascia, incrustado na Baixada Campista, e poderia finalmente ter um uso condizente com sua importância.
Mas o projeto foi descontinuado. Darcy amargaria não ver um de seus sonhos se concretizar — personalidades da área cultural, empresarial e representantes da cinematografia nacional criaram a “Escola de Cinema Darcy Ribeiro”, alguns anos depois, no Rio.
Sem a possibilidade do uso que havia sido conferido ao Solar, ele voltou a ficar fechado, e a se deteriorar. Até que no início dos anos 2000, a Uenf voltou a salvar o Solar do Colégio. Através da professora Lana Lage, e com apoio da Fundação Estadual do Norte Fluminense (Fenorte), a construção iria receber o Arquivo Público Municipal, uma necessidade que existia desde a década de 1940, em Campos.
Solar e Uenf — terceiro salvamento ainda não iniciado. O que pensa a Universidade?
Depois de salvar o Solar do Colégio duas vezes, a Uenf recebeu duas dezenas de milhões de reais para restaurar o prédio novamente. O Arquivo, abrigado no Solar há mais de 20 anos, também criado com ação da Uenf, estaria no bojo do processo de aplicação dos recursos.
Mas, no terceiro “salvamento”, a Uenf se omite há pelo menos 10 meses. Em seus cofres, os R$ 20 milhões continuam parados. Como fato incontestável, desde do acordo firmado, nada foi feito. Sequer um prego foi batido no Solar do Colégio, tampouco algum dos relevantes documentos que contam a história de toda região Norte Fluminense foi digitalizado.
A Uenf vem sendo cobrada pela diretoria do Arquivo, pela prefeitura, pelo setor cultural, pela prefeitura, por deputados e pela imprensa há algum tempo sobre a omissão em aplicar os recursos. Embora a maioria das críticas estejam direcionadas ao gestor da Universidade, Raul Palacio, a Universidade toda está envolvida no processo, e sua fica afetada, independente da vontade dos críticos.
Em reunião na Alerj, no último dia 29, ficou acordado que a reitoria da Uenf iria, enfim, dar início ao processo licitatório e a compra simplificada dos equipamentos de digitalização do acervo. Após a reafirmação do acordo anterior, firmado há mais de um ano, outra reunião estava marcada para esta segunda (5). Segundo fonte, a reunião foi apenas para ajustar documentos e informações para o início da licitação, que foi prometida para os próximos dias.
Para tentar entender como o corpo docente e os colegiados da Uenf vem percebendo essa questão, ouvi o professor Carlos Rezende, do Laboratório de Ciências Ambientais do CBB/UENF, que está na Universidade desde sua criação. Conhecido no Campus — e fora dele — como Carlão, o professor falou sobre o papel do reitor, sobre o risco de perda dos recursos, a criação da Fenorte e o papel da Uenf na situação atual do Arquivo.
Carlão disse que o “reitor e seus assessores mais próximos devem um esclarecimento oficial para a comunidade acadêmica da Uenf e para sociedade campista” e que restaurar o Solar desta vez não seria a “missão da Uenf”, mas que uma vez aceita, “algumas das atividades já poderiam ter iniciadas”. Confira a entrevista:
Edmundo Siqueira - Carlão, embora a gestão de um reitor não defina a universidade, em essência, a atuação do mesmo interfere nos rumos e na imagem da instituição. Desde que os recursos para restauro do Solar do Colégio chegaram aos cofres da Uenf, o reitor Raul Palacio se negou a dar início a um processo licitatório, e sequer efetuou a compra de nenhum equipamento para digitalização do acervo do Arquivo Público, abrigado no Solar desde os anos 2000. A alegação do reitor é que encontrou a situação que lhe foi prometida pela prefeitura, onde uma empresa estaria escolhida para fazer a obra, situação que se resolveria com o início da licitação. Como o senhor, como professor da Uenf, está vendo esse processo? E como avalia que ela está sendo percebida pelos seus pares?
Carlos Rezende - Edmundo, muito obrigado pelas perguntas e inicio dizendo que a gestão de um reitor, é sim, muito importante para a universidade. Uma universidade tem as suas finalidades e a liderança institucional define os passos das nossas atividades fim que são ensino, pesquisa e extensão. Como professor e membro do grupo fundador da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf) vejo pessoalmente esta situação com enorme constrangimento profissional e entendo que não é nada bom para a imagem da nossa instituição. Não me parece justo, no entanto, que a instituição receba o ônus de uma decisão que não tramitou em nenhum colegiado ou conselho da universidade.
O assunto sobre a restauração do Solar do Colégio não foi discutido nos colegiados da instituição e, portanto, me parece que foi uma decisão pessoal do reitor junto com os deputados e prefeito. Quando afirma que o reitor alega não ter encontrado a situação prometida pela prefeitura, me pergunto, qual seria esta situação? Aliás, seria muito importante que este acordo tivesse sido materializado onde cada parte, Uenf e Prefeitura, tivessem suas tarefas explicitadas em um documento formal. Nestes 10 ou 11 meses, não foram comprados os equipamentos para digitalização do acervo do Arquivo Público entre outros itens. Esta ação poderia ter sido realizada ao longo deste período, não foi e agora, em reunião recente na Alerj, ficou firmado que será realizada a licitação do projeto e em seguida da obra; paralelamente a Uenf fará digitalização de documentos; e serão contratadas pessoas através de bolsas para desinsetização e identificação de arquivo. Tudo isso é muito ruim para a instituição e os planos apresentados nesta audiência me parecem inexequíveis, principalmente em um período de fechamento de execução orçamentária. Então, vamos aguardar a reunião de 5 de dezembro (a entrevista foi realizada anteriormente) que foi acordada com o reitor da Uenf, mas de cara vejo que contratar profissionais com bolsas, não me parece minimamente adequado para um trabalho especializado e tudo isso considerando que estamos muito próximos do recesso, me faz pensar que novamente não teremos execução das tarefas.
Edmundo - Como disse, o reitor alegava que de apresentação de um projeto pela prefeitura de Campos. Mas sabe-se que poderia ser feita uma licitação para um novo projeto, onde aquele seria descartado justamente por não atender aos preceitos legais necessários. Olhando hoje, qual a postura que a Uenf deveria ter tomado? A devolução do dinheiro seria uma opção?
Carlão - No meu entendimento, esta não é a missão da Uenf, mas soube que o recurso deveria ficar em uma instituição estadual. O reitor aceitou esta tarefa por algum motivo que desconheço, mas a instituição passa por um momento muito delicado o que torna tudo mais difícil. Por exemplo, a Uenf está há muitos anos sem reposição do quadro de servidores técnicos e sem expansão do quadro de docentes que está próximo a 50% do total. Esta é uma questão institucional que poderia ter sido considerada pelo reitor para justificar, por exemplo, uma colaboração dos deputados para resolver demandas administrativas que estão reprimidas por muito tempo. No entanto, também entendo que ao aceitar esta tarefa, algumas das atividades já poderiam ter iniciadas, como por exemplo, a compra e digitalização dos documentos. A execução da obra necessita do projeto, mas também já tivemos um tempo suficiente para realizar uma licitação para realização deste projeto. Este ao que me parece é um item em desacordo entre as partes envolvidas. Agora, o estado de emergência possibilita ao gestor algumas ações administrativas que visem à preservação urgente de um bem público.
Finalizando a resposta, em recente artigo do Professor Marcos Pedlowski, a questão da devolução dos 20 milhões foi posta com muita propriedade e ao abordar o tema, entendo que o professor aponta para a dificuldade da administração interna da Uenf e em relação ao fim do exercício orçamentário de 2022.
Edmundo - O Solar do Colégio, e o Arquivo Público que lá já se instalava, passaram por intervenções feitas pela Fenorte, órgão vinculado à Uenf por um período. Isso permitiu que muito da inteligência e engenharia sobre o Solar ficar de posse da Uenf. Como está esse ponto dentro da Universidade? O senhor acredita que ainda exista esse material dentro da Universidade, bem como pessoal capacitado para auxiliar o processo atual?
Carlão - Trazer a memória da FENORTE para o que está acontecendo neste exato momento necessita de alguns esclarecimentos, e, não trará nenhuma solução para o caso do Solar e do Arquivo Municipal. Contudo, vou tentar, em poucas palavras, explicar o que aconteceu ao longo do tempo que envolve a criação da Uenf e da Fenorte.
A Fenorte foi criada para apoiar administrativamente a Uenf. Dizia Darcy Ribeiro que os professores e cientistas da Uenf tinham como missão ensinar e formar recursos humanos qualificados para gerar as bases necessárias para transformação da região. A criação da FENORTE tinha como desígnio o seguinte: os docentes não precisariam se preocupar com questões administrativas tais como compra de material, prestação de contas entre outros serviços de burocracia administrativa. Esta era uma das Utopias da Universidade do Terceiro Milênio como Darcy Ribeiro intitulou a Uenf. Este é o sonho de todo profissional docente, pois hoje gastamos um tempo excessivo com questões que são puramente administrativas. Esta era uma grande proposta, entre as inúmeras utopias pensadas por Darcy Ribeiro, mas funcionou durante um tempo curto e foi fonte de inúmeros conflitos institucionais entre a Uenf e a Fenorte.
Em síntese, acredito que a Uenf assim como as demais instituições de ensino superior da cidade de Campos dos Goytacazes, possuem profissionais qualificados em diferentes áreas do conhecimento e poderiam contribuir para a execução deste projeto. Agora, não sei dizer por que a decisão do reitor não foi compartilhada com a comunidade acadêmica e mais ainda, porque nunca trouxe para os colegiados e conselhos da universidade. Assim, vejo que a articulação com as outras instituições de ensino superior, poderia ter sido uma saída para colaboração com a solução das dificuldades encontradas pelo reitor da Uenf. Quanto a sua afirmação que muitas informações devem estar de posse da Uenf, realmente não saberia responder, porém muitos dos servidores da extinta FENORTE estão na Uenf e este material pode estar realmente em algum arquivo da instituição.
Edmundo - Professor, para finalizar, queria lhe propor um exercício de análise futura, uma vez que sua prática como pesquisador, nas etapas de desenvolvimento e avaliação, se torne possível, através de um método dedutivo e utilizando de conhecimentos e fatos existentes, prever certos “fenômenos”. Então, pergunto: a reitoria atual cumprirá, dessa vez, o acordo? E caso cumpra, e a licitação ocorra em trâmites normais, às obras se iniciem, assim como a compra de equipamentos, qual o prazo razoável para que a Uenf entregue o que foi prometido?