Toda pessoa relevante conta com alguém brilhante ao seu lado. No caso de Brizola, era Darcy Ribeiro. Os dois fariam 100 anos em 2022. O primeiro comemoraria seu centenário neste 22 de janeiro. O segundo em outubro, 26.
Darcy foi a utopia realizada. O sonho construído. A lucidez delirante.
Não fosse, a Universidade do Terceiro Milênio nunca teria saído do papel. Aquilo era uma loucura do Darcy; como poderia, alguém, sonhar com uma universidade que desse ao Brasil um completo domínio das ciências e das tecnologias que iriam estruturar o mundo futuro?
Mas, do sonho e da loucura sadia, nascia a UENF. Darcy conseguiu os recursos e, “em ritmo de Brasília”, com projeto de Oscar Niemeyer, edificaram-se os edifícios do campus, constituindo uma das mais belas e bem-estruturadas universidades do país. Depois, como senador, direcionou toda verba que podia para que a UENF fosse ainda mais, pudesse ocupar espaços descentralizados, e sonhar projetos ainda mais ambiciosos.
Com 1,3 milhão para isso (em valores dos anos 1990), a ‘Escola de Cinema e Televisão’ restaurava o velho Colégio dos Jesuítas, o Solar do Colégio, em Tocos, na Baixada. E o Solar da Baronesa, à margem esquerda do rio Muriaé, na BR-356, foi cedido pela Academia Brasileira de Letras para que a UENF pudesse implantar ali seu ‘Instituto de Ciências Políticas’. Darcy também previu a presença da UENF em Macaé, onde viriam a ser implantados os Laboratórios de Engenharia e Exploração do Petróleo (Lenep) e de Meteorologia (Lamet).
Brizola autorizou, a sociedade campista se mobilizou, Garotinho deu autonomia, Niemeyer desenhou, mas quem deu vida à UENF, a universidade do terceiro milênio, foi Darcy Ribeiro. Como escritor, professor, antropólogo, historiador e político, Darcy fez muito mais que “apenas” universidades (também foi o mentor da Universidade de Brasília – Unb); mas sempre em educação em cultura. O Memorial da América Latina, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) e o fortalecimento da cultura indígena estão até hoje comprovando o legado que Darcy deixou para além dos muros acadêmicos.
"Presente, passado e futuro? Tolice. Não existem. A vida é uma ponte interminável. Vai-se construindo e destruindo. O que vai ficando para trás com o passado é a morte. O que está vivo vai adiante.<br><br>" (Darcy Ribeiro)
Em uma entrevista concedida ao ‘Roda Viva’, da TV Cultura, já no final da vida, debilitado por um tratamento cruel contra um câncer, Darcy disse que tinha saudades dele mesmo. Explicando, ele pergunta, retoricamente, por que não ficou fazendo uma coisa apenas. Disse que se fosse apenas antropólogo, seria um dos melhores do mundo. Mas havia “enjoado”. Caso se dedicasse apenas a ser educador, também seria um dos maiores. Mas, em autoanálise, percebeu que sua vida seria uma inconstância constante. Lamentava-se por isso.
Darcy, se tiver lendo artigos por aí, acredite: sua inconstância e utopia deixaram frutos incríveis. Se estiver passeando, entre uma nuvem e outra, quando sentir um vento nordeste vindo aqui da planície goytacá, olhe para baixo e dê uma olhada na sua filha, UENF; sem ela, sequer utopia teríamos.