Centro histórico de Campos em disputa - há muito tempo
Edmundo Siqueira 08/04/2023 23:01 - Atualizado em 08/04/2023 23:05
Campos sempre teve dificuldade em reconhecer-se. Os processos de urbanização e “modernização” não levaram em conta sua história, e sempre foram ligados à vontade de ser capital, copiando modelos europeus e americanos. A descaracterização do centro histórico não foi aleatória; obedeceu aos interesses de quem detinha o poder político e econômico, numa visão protecionista, mas sem qualquer interesse preservacionista. Sempre foi essa a visão de “moderno”, em Campos.

O início do século passado foi marcado por mudanças nos centros urbanos — não só em Campos, como em todo país. Era preciso adaptar e preparar as cidades brasileiras para um modelo de vida pós-revolução industrial, focada em consumo e nas comodidades que a vida urbana proporcionava.

O centro nervoso de Campos se desenvolve ao redor da praça São Salvador, tendo o rio Paraíba e o canal Campos-Macaé como linhas mestres do reordenamento urbano. Com a falência das usinas, e praticamente de toda cadeia da cana-de-açúcar em Campos, o comércio se sobressai e começa a se organizar para modernizar a cidade, preparando condições salubres para seus negócios e um mercado consumidor que precisaria ser essencialmente urbano.

Centros comerciais populares, principalmente em volta do Mercado Municipal, precisavam passar por um processo higienista. Em conjunto, os alagamentos e enchentes precisavam ser resolvidos (Campos sempre foi uma planície alagadiça) e o êxodo rural incentivado. Começa nesse período o alargamento das ruas estreitas do centro, mas também um autofágico processo de demolições de casas e comércios considerados velhos.

O engenheiro sanitarista Saturnino de Brito foi um dos grandes responsáveis desse processo em Campos. Além de tratar da insalubridade dos espaços públicos e das epidemias sazonais, o novo projeto urbano trazido por Saturnino precisava ter símbolos de progresso e modernidade. Principalmente no centro.

Elegantes comércios eram erguidos, agências bancárias e fábricas se instalaram, livrarias e cafés tratavam de reunir os “homens de negócios” — muitos conversavam de pé no boulevard formado entre as casas comerciais — , e agitadas redações noticiavam os acontecimentos e divulgavam a opinião dos personagens mais relevantes socialmente. Nasciam as avenidas mais largas e movimentadas: 21 de abril, 7 de setembro, Formosa, Rua da Constituição (hoje Alberto Torres) e Rua Direita (hoje 13 de maio).

Como consequência da efervescência urbana do centro e dos bairros industriais que se formavam (como na Lapa, com a fábrica de tecidos), a elite agrária abandona a vida essencialmente rural, deixando suas propriedades como fontes de renda, mas não como moradia. Alguns decidiram-se pela capital, Rio de Janeiro, e enviaram seus filhos para estudar, outros vieram para o centro — e o entorno — de Campos. Bairros foram determinados por esse movimento de pessoas. O rio Paraíba continuando a ser uma fronteira social. 
Em paralelo, casarões mais distantes do centro foram abandonados à própria sorte, não sendo vistos como ativos, que sempre foram, mas como problemas. Apenas os solares urbanos foram aproveitados, o que reduziu drasticamente a possibilidade de Campos formar atrativos turísticos e da possibilidade de abrigar centros culturais, acadêmicos e de pesquisa, como ocorreu em outras cidades.
Mesmo alguns solares urbanos foram desprestigiados, fruto do próprio auto-desconhecimento dos campistas. Como poucos exceções, o Solar do Barão da Lagoa Dourada manteve-se por ter se tornado o Liceu de Humanidades e o Solar do Visconde de Araruama que abrigou a Câmara, hoje o Museu Histórico.

A disputa atual do Centro Histórico e o comércio


O comércio de Campos, hoje chamado comumente de “setor produtivo”, reivindica novas melhorias no centro, essas prometidas mas nunca cumpridas. Há mais de 10 anos se fala em revitalização do centro histórico, com o projeto “Centro de Cara Nova”, de 2012, por exemplo. As ideias sequer tiveram início, e as reclamações da época persistem.

Não sem razão, comerciantes pedem que o centro seja “embelezado” novamente, assim como no início do século passado. Porém, os problemas e gargalos atuais são outros: fiações expostas, acessibilidade, segurança, poluição visual e sonora, transporte público, ordenamento no trânsito e nos estacionamentos de rua e padronização de calçadas (veja reportagem da Folha da Manhã aqui).

O governo atual prometeu ouvir o “setor produtivo”, e aceitou uma “revitalização 4.0”, com a possibilidade de equipes para reparos, uma “prefeitura do centro” e um necessário programa de retrofit — processo que promove a restauração de prédios antigos e históricos de forma a preservar a arquitetura original e também adequá-lo às necessidades comerciais (veja reportagem da Folha da Manhã aqui).

Nas reformulações urbanas de antes, o comércio foi fundamental. A Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) foi criada em 1963, mas já existia de fato, como um movimento comercial organizado, desde 1890. Hoje, ela e outras entidades reivindicam que o centro histórico atenda às necessidades atuais (a CDL de hoje é presidida por alguém dos "dois mundos" — patrimônio histórico e comércio — o que traz um alento). 

Tudo muito justo e necessário. O centro histórico da cidade está realmente abandonado. Porém, ele pertence a todos os campistas, e como um elemento essencial de sua história não pode permitir que os mesmos erros sejam cometidos. Os campistas de hoje precisam ser apresentados à Campos, e uma revitalização bem feita do centro pode ser um belo cartão de visitas. Campos precisa se reconhecer. Pelo bem do próprio comércio.
O que já foi dito por aqui sobre o assunto: 

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