A ocupação do território que hoje compreendemos como Norte Fluminense se deu pelo gado. Uma choupana de palha, três novilhas, uma vaca e um touro compunham o que seria o início da “colonização” ou da exploração econômica das terras da região. Um grupo conhecido como os “Sete Capitães” efetivou esse processo depois de algumas tentativas fracassadas.
Um dos integrantes do grupo dos sete capitães — vieram em uma comitiva com cerca de 20 pessoas — era um índio vaqueiro chamado Valério Corsunga, que ficou responsável por aquela primeira choupana e curral, construído no mês de dezembro de 1633, em Campo Limpo, na Baixada Campista.
O grupo seguiu pela Baixada e fixou mais dois currais, um na Ponta de São Tomé, que ficou a cargo de um escravizado chamado Antônio Dias, e um terceiro curral na localidade de São Miguel, ficando aos cuidados de outro indígena vaqueiro chamado Miguel.
As extensas planícies, água em abundância e bom pasto nativo possibilitaram que esses currais se transformassem em várias pequenas propriedades, produzindo muito gado. A proteína qua saía de Campos abastecia o Rio de Janeiro e despertava interesse de “estrangeiros”. Além dos pioneiros, descendentes e sucessores dos Sete Capitães, havia os Assecas — título de nobreza que o governador do Rio, Salvador Correia de Sá e Benevides recebeu e criou uma espécie de dinastia —, e as ordens religiosas disputando o território.
A cana e o que ela trouxe
Os vencedores fundam grandes fazendas e engenhos no local. E então o governado Salvador Correia , representante máximo dos Asseca, começa o que seria o “ciclo do açúcar”, fundando, na década de 1650, pequenas lavouras, um engenho e uma capela dedicada a São Salvador.
Ainda existiam milhares de cabeças de gado, e a cultura das grandes propriedades ainda estavam relacionadas quase que exclusivamente à pecuária. A cana ainda era secundária, mas a produção e o poder já começavam a se concentrar nos grandes produtores.
A região foi dividida por freguesias. A Vila de São Salvador, depois a freguesia de São Gonçalo e a de São Sebastião que englobava uma parte extensa da planície, até a Lagoa Feia e ainda abraçando a costa litorânea até a praia do Açu.
Campos começa a ser um centro urbano em 1653, quando já possuía a igreja matriz e uma Câmara. O poder legislativo, que ainda devia ser ligado à Portugal, foi criado nesse período por um movimento político orgânico, de campistas “rebeldes”. E apenas em 29 de maio de 1677 a Vila de São Salvador é oficialmente reconhecida como tal.
A cana-de-açúcar se firma como um motor econômico, e quase dois séculos depois, nos anos 1880, cerca de 130 fábricas de açúcar e aguardente estão em funcionamento. Dessas, 27 são movidas a vapor. Existiam mais de 2.000 casas e mais de 20.000 pessoas na região.
Com o avanço civilizatório, o que era considerada a “tirania dos Asseca” terminou, assim como o pagamento de taxas injustas aos donatários. Propriedades menores poderiam existir com mais facilidade, e a produção era descentralizada. Restaram apenas quatro grandes fazendas: a do Colégio, a de São Bento, a do Visconde e a de Quissamã.
Em 1917, em plena Primeira Grande Guerra, Campos se torna o maior exportador de açúcar do Brasil, e o 17º do mundo. O século foi marcado por transformações em uma velocidade nunca antes vista. Indústria, tecnologia, armamento, medicina, comunicação, globalização, tudo vinha em uma assombrosa avalanche. E não foi diferente em Campos.
Apesar de crises pontuais, como em 1929, e as idas e vindas na democracia brasileira, as usinas de Campos — chegando a 26 unidades — conseguiram uma safra recorde em 1973: 611 mil toneladas de açúcar. Toda essa transformação e incremento de produção acontece por financiamento estatal. Desde o início. E também por criação de programas estatais como o Instituto do Açúcar de Álcool (IAA) e o PróÁlcool.
Declínio e outros potenciais
Campos era a cidade do açúcar, uma potência econômica capaz de competir com os grandes centros, com posição geográfica e tamanho territorial para tal. Mas, ao contrário das grandes cidades, social e politicamente Campos tinha estacionado. Uma cidade que já tinha alçado um dos seus à presidência da República, e outros tantos nomes essenciais em pautas nacionais, principalmente antiescravagistas, decidiu ficar no atraso em muitas questões.
Em um cenário com evoluções constantes nos processos econômicos, acabam por marcar as relações das pessoas com o espaço, e essas marcas ficam impressas tanto na paisagem quanto na consciência dos habitantes.
Campos tinha estagnado também em matéria prima: cana. A área plantada na safra de 1980 é praticamente igual à do início da década de 1960. Alguns parques industriais não eram geridos com o profissionalismo que o período exigia e havia alto endividamento com bancos públicos.
A cana havia dado o que podia à cidade naquela altura. Não havia mais como competir com outros estados produtores e muitas usinas fecharam. Um município que viveu do que a terra produzia até ali, não sabia para onde convergir suas forças. Apesar de três séculos de sucesso econômico e crescimento vertiginoso para os padrões históricos, Campos havia chegado em um momento de transição.
O porto e a reserva
O produto principal da economia campista, o açúcar, dava lugar ao petróleo. Embora eles pudessem coexistir e se retroalimentar, o “ouro branco” já havia deixado de ser abundante quando o “ouro negro” brotava aos montes das reservas da Bacia de Campos.
Campos, assim como na produção de açúcar, se torna um dos principais produtores de petróleo do país. Mais de 80% da produção nacional vinha do município, e polpudos royalties e participação especial (historicamente a maior parcela financeira repassada à cidade) eram depositados nos cofres de Campos.
Mas diferente da cana, o petróleo trouxe pouco de desenvolvimento real ao município. Macaé acabou por concentrar as indústrias que o petróleo trazia e Campos investia mal a fartura orçamentária.
Mas outros negócios inevitavelmente acompanhavam o “cheiro” dos recursos abundantes. Com uma localização geográfica excelente, Campos e os municípios vizinhos — desmembrados administrativamente do enorme território iniciado na Vila de São Salvador — atraiam também investimentos portuários.
Interligados, como são os acontecimentos históricos, o declínio do ciclo do açúcar e a falência da Usina Santo Amaro, em 1999, fizeram com que as terras fossem vendidas, já com grande desvalorização. Duas grandes fazendas foram adquiridas para instalação de um complexo portuário em Barra do Açu. Caruara e Saco D'Antas se tornaram essenciais para que o Porto fosse viável.
O processo de criação de um porto de grandes proporções no Norte Fluminense foi longo e cheio de reviravoltas. As empresas interessadas em investir na ideia pareciam não acreditar completamente no sucesso do empreendimento. Wagner Victer, então secretário de Estado do governo Anthony Garotinho, acompanhou a criação deum Decreto que declarou como de "utilidade pública, para fins de desapropriação", parte da Fazenda Saco D'Antas. O Estado do Rio de Janeiro ficaria com a obrigação de investir de 33% do valor do projeto, como forma de alavancar a construção do porto.
Victer fez o projeto do Porto, a modelagem de engenharia, e apresentou aos interessados. “Ia ser com outras empresas. Na hora H elas furaram, e apresentei ao Eike em 2003”. Eike Batista era um investidor agressivo. Foi considerado a 6º pessoa mais rica do mundo, e comprou a ideia apresentada por Victer. Outras tantas reviravoltas e instabilidades democráticas no Brasil retardaram o nascimento do Porto do Açu, mas a ideia persistiu.
Hoje, o Porto do Açu é uma realidade. Ainda utilizando pouco de seu potencial, cumprindo uma estratégia e programação de crescimento de médio e longo prazos. Mas já possui um forte ativo ambiental perto de abrir suas portas ao público.
A Reserva Caruara foi criada de forma voluntária como uma RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural), em 2012, pelo Porto do Açu Operações. A região é conhecida como o maior fragmento remanescente de restinga em área privada do Brasil. Depois de 10 anos da criação da Reserva, um espaço moderno e atraente para receber público técnico e turístico no local está pronto e deve inaugurar em breve.
Os ciclos interdependentes
O gado, ativo primeiro da região Norte Fluminense, foi essencial para preparar a extensa planície para os desafios que se apresentavam. A cana, como segundo produto de exploração, determinou o crescimento populacional, urbano, econômico e político de Campos. O petróleo, como tesouro descoberto no mar, financiou parte do que ficou e os setores que cresceram depois. A zona portuária, advinda de especificidades regionais, tem potencial para ser uma das molas do futuro.
A Reserva Caruara talvez cumpra um papel simbólico maior do que apresenta. A necessidade e a vontade de preservar biomas e os utilizar como ativo turístico e institucional é a prova — literalmente viva — que os ciclos se comunicam e são interdependentes. E que o passado e a natureza impõem, sempre, suas importâncias.
Porém é um exemplo isolado, que ainda carece de coexistência como a comunidade que está inserida, e adaptações que respeitem as tradições e o sustento de pessoas ligas às atividades não-predatórias daquele local. O sucesso da Caruara e o equilíbrio desses fatores, pode impulsionar outras inciativas semelhantes.
Campos não apenas “já teve”. Campos está em uma região onde enormes potencialidades se apresentam. quase que espontaneamente. Os ciclos econômicos e sociais não foram isolados, eles se comunicam e criaram uma relação de interdependência. Gado, cana, petróleo e portos ainda estão presentes, alternando em importância.
"Transformações territoriais e socioambientais do norte fluminense: das usinas de açúcar ao complexo logístico industrial do Porto do Açu", de Leonardo Pessanha/IFF Campos, 2014.