A Campos dos anos 1940 na tela da Globo
Edmundo Siqueira 21/05/2022 09:05 - Atualizado em 21/05/2022 09:21
Autora de “Além da Ilusão”, Alessandra Poggi fala sobre pesquisa e criação da novela
Alessandra Poggi, diretora da novela global "Além da Ilusão", que utiliza a Campos dos anos 1940 como cenário.
Alessandra Poggi, diretora da novela global "Além da Ilusão", que utiliza a Campos dos anos 1940 como cenário. / Reprodução/Divulgação
Os anos 40 do século passado foram marcantes. O mundo estrou em guerra, transformações sociais aconteciam rapidamente e crises se sucediam — mas soluções também: o eixo fascista foi derrotado, o plano Marshall reconstruía a Europa e ONU foi criada. No Brasil, abertura econômica, modernização de cidades e nova Constituição.

Além de todas transformações econômicas, a arte também se reinventava. Hollywood ditava moda, cinemas e teatros lotados, e no brasil, era um tempo de cassinos, shows e vedetes. Campos dos Goytacazes era uma de suas cidades mais pulsantes do período.
E esse capítulo da novela campista acabou sendo cenário para uma produção da Rede Globo. “Além da Ilusão”, em cartaz na programação global, retrata diversos aspectos e instituições da Campos dessa época — uma cidade que se modernizava e queria ser capital, o que acabou não acontecendo.

A modernização urbana de Campos desse período foi pensada e direcionada pelas elites locais, já com intenções — ou ilusões — muito específicas: preparar a cidade para ser a capital do Estado, ou mesmo de um novo ente federativo. De fato, Campos se firmava cada vez mais como uma metrópole regional, um centro político e social de muita relevância no país inteiro. Não raro, encontramos referencias que dão conta de que foi um passado de riqueza e esplendor, colocando a cidade como protagonista dos acontecimentos econômicos, políticos e sócio-culturais do Brasil.
Alessandra Poggi, autora da novela “Além da Ilusão”, conversou com a Folha e contou sobre o processo de pesquisa e os elementos que a levaram a retratar essa Campos dos Goytacazes. “A decisão de mostrar Campos dessa forma foi importante não só para fazer jus à importância dela no cenário nacional, mas também porque isso me ajudou a criar histórias e situações interessantes”, relata a autora. Conta ainda que não quis dar um “tom documental” a novela, e responde a críticas sobre o fato de não ter citado os nomes dos locais históricos em Campos.
Em entrevista à Folha (versão publicada no impresso neste sábado, 21), a autora da novela das seis da Globo, Alessandra Poggi, contou sobre o processo de pesquisa e os elementos que a levaram a apresentar todo este enredo ao grande público.

Folha - O que te motivou a retratar a Campos dos anos 1940 em “Além da Ilusão”? No processo de pesquisa, foram demandados historiadores da cidade? Houve gravações físicas aqui no município?
Alessandra Poggi — Quando comecei a elaborar a novela, minha intenção era ambientá-la num engenho de cana-de-açúcar que se transformaria numa fábrica de tecidos justamente nos anos 1930/1940, período em que o país atravessava uma fase muito rica de industrialização, graças a fortes incentivos do governo. Com a ajuda da minha pesquisadora, Rosana Lobo, descobri então que, nessa época, Campos era uma região repleta de engenhos, que estavam sendo, aos poucos, substituídos pelas grandes usinas de açúcar. Decidi, portanto, que o engenho Camargo estaria situado nos arredores de Campos e que meus personagens transitariam entre a fazenda e a cidade cenográfica que foi construída inteiramente nos Estúdios Globo. Não foram feitas gravações físicas no município.
CENÁRIO Embora Campos tenha inspirado, as gravações aconteceram nos Estúdios Globos (reprodução da "Tecelagem Tropical").
CENÁRIO Embora Campos tenha inspirado, as gravações aconteceram nos Estúdios Globos (reprodução da "Tecelagem Tropical"). / Reprodução


Folha — Campos é uma cidade importante ainda hoje, mas que teve extrema relevância econômica e social desde os tempos do Império, inclusive com um campista na presidência da República: Nilo Peçanha, em 1909 e 1910. Na década de 1940, durante a Era Vargas, a cidade foi palco de muita efervescência política, inclusive com núcleos integralistas e comunistas. Na sua obra, foi retratada uma cidade moderna, com muita atividade comercial e artística. Essa decisão de mostrá-la assim possuiu mais relação com a história real ou com escolhas de enredo da novela?
Alessandra Poggi — Com ambas as coisas. Campos na década de 40 já era uma grande cidade, moderna e movimentada para os padrões da época. A decisão de mostrar Campos dessa forma foi importante não só para fazer jus à importância dela no cenário nacional, mas também porque isso me ajudou a criar histórias e situações interessantes e diversificadas para meus personagens.

Folha — A participação feminina em Campos sempre foi muito marcante, tanto em movimentos políticos como sociais. Algumas das personagens retratadas na trama atuam na Legião Brasileira de Assistência (LBA), fundada por Darcy Vargas. Como foi a preparação do elenco?
Alessandra Poggi — A trama da LBA não estava prevista em sinopse. Mas, assim que comecei a estudar melhor sobre a sua criação e sua proposta de ajudar os soldados que foram para a guerra na Itália e suas famílias, me encantei com as diversas possibilidades de situações que poderiam ser exploradas para a novela. Sobre o elenco, quem responderia melhor é a nossa preparadora Maria Beta Perez.

Folha — Temos informação de que uma das cenas que ainda vão ao ar retratará o Moto Club de Campos, um dos mais antigos do Brasil. Autor do livro “Paixão sobre Rodas”, o campista Fábio Gomes, retrata esse período, com as questões que envolvem o clube. Segundo o autor, uma pessoa da sua equipe entrou em contato com ele para informações. Quando a cena irá ao ar?
Alessandra Poggi — Sou fã de carteirinha dos filmes “Grease” e “Grease 2”. Como estamos numa década anterior ao primeiro filme, pedi que minha pesquisadora estudasse como eram os motoqueiros dos anos 40 em Campos, e ela entrou em contato com o Fábio Gomes. Foi com a ajuda dele, por exemplo, que elaboramos a gincana beneficente de motos que vai acontecer na novela em breve, acredito que na semana que vem (a entrevista foi realizada há duas semanas, a cena já foi ao ar).

Folha — Algumas das críticas que a sua obra recebe por aqui é sobre a fidelidade nos registros históricos e, principalmente, a falta da citação dos nomes que tinham os locais e as pessoas reais envolvidas. Como exemplo, o Teatro Trianon, elemento central desse período campista e um dos mais importantes do país. Sabemos que uma obra artística é livre, sem obrigação de ser documental. Foi uma escolha sua não nomear os locais como eram à época? O caminho escolhido foi o de distanciamento de um tom mais documental?
Alessandra Poggi — Fugimos do documental sempre nessa novela. Ela toda tem o tom de fábula, e não há um compromisso fiel com a realidade. Mesmo assim, o Teatro Trianon tinha sido minha escolha inicial para o concurso Senhoritas Galantes. Acontece que o teatro original não existe mais como era nos anos 1940. E, ainda que existisse, não haveria como deslocar elenco e figuração para enchê-lo, considerando seus 1.800 lugares e a pandemia também. Então, a solução encontrada foi a personagem Isadora dizer em cena que o Trianon estava com a agenda lotada e que, portanto, o concurso se daria no teatro do Hotel Central, nosso hotel fictício da novela.
(A versão impressa desta matéria foi publicada sábado (21) na Folha da Manhã - nas bancas e na casa dos assinantes).
 

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