O Mercado Municipal de Campos — uma edificação de 1920 com arquitetura inspirada no conceito do Mercado de Nice, na capital da Riviera Francesa — foi tombado pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos (Coppam). O mesmo órgão, porém, autorizou em 2014 que as obras propostas para seu entrono fossem iniciadas, que na prática o descaracteriza, uma vez que mantém sua fachada e lateral encobertas. Com a aprovação do Coppam as obras iniciaram, mas não foram concluídas. O que mudou com a decisão recente do desembargador Agostinho Teixeira, da 13º Câmara Cível, autorizando o reinício, condicionado apenas a laudo do Corpo de Bombeiros (veja aqui e aqui).
Com a retomada das obras, a polêmica (veja aqui matéria de capa do FolhaDois, da Folha da Manhã) reacendeu e o Coppam foi instado a rever seu posicionamento, o que aconteceu ontem (13), em reunião do órgão. No entanto, prevaleceu a decisão anterior, autorizando novamente a intervenção no prédio tombado (quando um prédio histórico é tombado, seu entorno também fica, em tese, protegido). Por 5 votos a 2, o Coppam decidiu, novamente, que pela aprovação obra no entorno do Mercado Municipal.
Nove conselheiros estavam presentes na reunião virtual do órgão, onde houveram duas abstenções. Votaram contra: a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) e o Instituto Histórico e Geográfico de Campos dos Goytacazes (IHGCG). E a Associação de Comerciantes e Amigos da Rua João Pessoa e Adjacências (Carjopa) votou a favor, como também votaram quatro representantes do Governo Municipal. Abstiveram-se, a Associação Norte Fluminense de Engenheiros e Arquitetos (Anfea) e o Instituto Superior de Ensino do Censa (Isecensa). Segundo fonte presente na reunião, ainda cabe recurso no âmbito do Conselho, internamente, e caso existam novas decisões judiciais.
Os tombamentos e a proteção do Patrimônio Histórico
O caso do Mercado Municipal de Campos dos Goytacazes é apenas mais um exemplo em uma cidade que despreza a sua riqueza histórica e cultural. Apesar de encoberto (que assim se manterá com o retorno das obras), a construção histórica — essencial para compreensão da formação de Campos —, resiste. E mantém, apesar dos ataques e obras indevidas (veja aqui tentativas de entidades de "salvar" o mercado), a sua relevância especial, imponência e centralidade. Desde que o Shopping Popular Michel Haddad foi removido do entorno do Mercado Municipal para que ocorressem “reformas”, a Prefeitura vem insistindo em executar uma obra que, na prática, encobrirá o prédio histórico, um dos Mercados mais belos e antigos do Brasil, inaugurado em 1921. O esforço de escondê-lo retira do campista o orgulho de pertencê-lo — ou pelo menos a sua possibilidade. Além do não aproveitamento para fins turísticos. A questão também envolvem os comerciantes do entorno, mas é preciso encontrar soluções, não amputações.
Conselheiro do Coppam, presente na reunião representando a CDL, Edvar Chagas Junior, falou em “descaso com o Patrimônio Histórico” e que não tinha “esperança” de reverter a situação no Conselho.
— Não arquitetei a esperança de parar a obra do camelódromo. Buscávamos uma revogação da deliberação anterior, de dezembro de 2014. Mas seria um ato simbólico, que tiraria essa nódoa histórica do Coppam e abriria caminhos para o Conselho e sociedade discutir com a Prefeitura, uma solução planejada para o espaço, que seria o mais desejável para essa situação — relata Edvar.
O arquiteto e urbanista Renato Siqueira se mostrou perplexo e disse que o Conselho deveria cumprir o ordenamento municipal, e que a reunião de ontem não teve "qualquer divulgação".
— Pelo visto a atual composição do Coppam repetiu o mesmo equívoco de 2014, quando apresentou uma votação que a legislação não prevê para o caso. Na ocasião, em 2014, eu estava presente na reunião previamente divulgada e mantinha a expectativa de cumprimento da Lei 8487/2013 (confira a lei aqui). Agora, sem qualquer divulgação de reunião para tratar do assunto, o Coppam apresenta uma proposta de votação, quando deveria cumprir ou não a legislação de proteção ao bem histórico, em especial o artigo 30 da Lei 8487/2013.
Ainda na visão de Renato, o Coppam descumpriu a Lei Municipal 8.487 de 2013, podendo levar, de acordo com o arquiteto, ao entendimento de crime de prevaricação, que é quando funcionário público age para "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei" (art. 319, Código Penal).
— Conforme se vê, também a Secretaria de Obras se omite e pode cometer, solidário ao Coppam, crime de prevaricação. Há vários outros artigos na Lei 8487/2013 quanto a responsabilidade do Conselho. A oferta de qualquer votação deveria ser negada pelo imperativo dos termos da lei, o resto é mera cortina de fumaça para tentar encobrir o atentado que se faz ao Mercado Municipal no ano de seu centenário, que acontecerá no mês de setembro de 2021. O Coppam, bem como qualquer outra secretaria municipal, não pode votar o que terminantemente figura no texto da lei 8487/2013 como proibido. A votação está prejudicada por vício de origem. o COPPAM tem se notabilizado por um órgão excessivamente burocrático e sem atender à expectativa institucional que se espera dele.
O artigo 30 da lei municipal citada, diz que "O COPPAM poderá determinar, com o apoio da Secretaria Municipal de Obras, Urbanismo e Infraestrutura, a imediata remoção de qualquer objeto, móvel ou imóvel, cuja instalação ou localização, ainda que em caráter provisório, venha prejudicar a visibilidade ou qualidade ambiental do um bem imóvel tutelado, protegido/preservado e/ou tombado".