Ciro Gomes tem uma constância: o fracasso antecipado
Cristiano Mariz/VEJA
 
A última pesquisa Datafolha demonstra a inequívoca liderança do ex-presidente Lula. Somando-se todos seus adversários — repito, todos eles — a diferença é de 6%. Lula tem hoje 41% das intenções de voto e o restante, somado, 47%. Alguns fatores influenciam. O PT conseguiu não apenas reverter a condenação de seu líder máximo no STF, como também conseguiu provar que seu algoz foi parcial. E de quebra fortaleceu a narrativa de Lula como mártir. Muito pode mudar. Estamos a mais de um ano das eleições e a pesquisa reflete, também, essas recentes vitórias petistas. Mas e o Ciro Gomes? Seria enfim a vez dele? Tudo mostra que não.
Por motivos justos e coerentes Ciro rompe definitivamente com o PT. E aposta no confronto com o que se convencionou chamar de “lulopetismo”. Pretende cooptar eleitores da direita e do centro fazendo esse movimento, que ele jura ser promissor pela crescente rejeição de Bolsonaro e mais ainda quando os casos de corrupção dos governos do PT, e o desastre econômico provocado pelo quarto mandato, forem rememorados. Nos setores progressistas pretende atrair os trabalhistas, pelo seu partido, o PDT, e quem tem aversão ao bolsonarismo mas não quer repetir a dose com o PT.
O problema é que o projeto já nasce fracassado. Somando-se os percentuais de Sérgio Moro, João Doria e João Amoedo temos 12%. Ciro tem 6%. Caso suas candidaturas não se concretizem, votariam em Ciro os eleitores desses candidatos? Mais provável que os eleitores de Mandetta e Huck façam essa escolha. Dariam, noves fora, os mesmos 12%.
A melhor hipótese para Ciro — olhando para os números do Datafolha — é que o percentual do PT desidrate e flua para sua candidatura. Para isso precisaria atrair esse público. Bolsonaro parece manter apenas o pessoal do terraplanismo, saudosos da ditadura e crédulos da cloroquina, que os apoiam por idolatria, em resumo. Mas ainda é suficiente para levá-lo ao segundo turno. É um público fiel, que se manteve a despeito do desastroso combate à pandemia e dos ataques à democracia — talvez se mantenha exatamente por isso. Portanto, Ciro precisaria de muitos desses que hoje declaram intenção no PT. Mesmo com rejeição consideravelmente menor que Lula.
E o que ele faz? Ataca o PT ao ponto de falar em “bolsopetismo”, recentemente, em suas redes sociais. Sim, de novo: por motivos justos e coerentes. Daria certo se Ciro tivesse uma mensagem, uma narrativa. Não tem. O marqueteiro João Santana, recém-incluído na estratégia do PDT, bem que tentou. Humanizou, deixou mais direto o discurso de Ciro e trouxe uma cafonice emotiva que costuma dar certo. Ciro é um excelente candidato. Experiente, culto, inteligente, com serviços prestados e sem manchas na biografia. Mas é uma pedra bruta que não sabe ser popular — nem populista.
Para ser a “vez do Ciro” ele precisaria contar com o imprevisto, e com ventos fortes que empurrem ao consenso do centro. Caso contrário, cairemos novamente no pensamento binário, na polarização imposta. E aí vamos precisar escolher entre a democracia e o golpismo. E não sobre quem tem o melhor projeto. Fracasso antecipado.

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    Edmundo Siqueira

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