O voto é mais forte que a bala
Ricardo Stuckert
Abraham Lincoln foi o 16º presidente dos EUA e entrou para a história como o homem que, em 1863, aboliu a escravidão naquele país. Por esse e outros feitos é considerado o maior presidente americano de todos os tempos — na democracia mais longeva do mundo, diga-se de passagem. Lincoln saiu vitorioso de um dos mais traumáticos conflitos bélicos das Américas: a Guerra Civil Americana, que forjou a imagem de Lincoln como grande estadista e defensor da liberdade e da democracia. O levando a dizer, de forma essencial ao pensamento democrático desde então: “O voto é mais forte que a bala”.
Não é preciso ser grande analista político para perceber que Bolsonaro tem como uma de suas principais bases eleitorais as empresas de armamento e os “homens de bem” que tem alta ligação fálica com a ideia de andar armado. Basta ver o gesto que caracteriza apoio ao presidente, com o polegar e o indicador das mãos simulando um revólver ou pistola. A democracia não se garante na arma. Ela se sustenta no respeito às instituições — inclusive — as Forças Armadas. Bolsonaro incentiva constantemente o antidemocrático, portanto age em favor do ditatorial. Estimula o uso de armas contra o governo, a indisciplina nas policias militares e lidera atos golpistas.
A esfera pública se entrelaça na esfera privada. As decisões eleitorais se definem na maioria das vezes em construções emocionais e não racionais, somente. Isso se agrava quando presenciamos o declínio do modo tradicional de fazer política e dos partidos políticos. A relação das pessoas com o universo político agora se faz essencialmente através dos meios de comunicação de massa, sobretudo da mídia eletrônica. Neste contexto e premissas, fotos como a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, aqui reproduzidas, marcam história e determinam futuros. Uma imagem não “vale mais que mil palavras”, ela conta histórias e fatos, assim como as palavras. O que inegavelmente acontece ali, goste-se ou não dos protagonistas dela. 
No Brasil há extremismo em um lado só. A extrema direita se concentra no bolsonarismo; a extrema esquerda não existe na prática. Essa polarização aventada é balela — que favorece mais Bolsonaro do que a qualquer outro candidato posto.
Lula e FHC são adversários históricos. Sim, eles são oriundos da mesma conjuntura política (a redemocratização do país, depois de décadas de uma ditadura militar sangrenta), com apoio mútuo no final dos anos 1970 e com diversas semelhanças ideológicas. Porém, adversários. Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-ministro da fazenda do governo Itamar Franco e criador do plano Real, plano econômico que salvou o país do desastre gerado por Collor vence as primeiras disputas. Lula, sindicalista, metalúrgico e militante carismático, vence anos depois, em 2002, quando se apresenta totalmente reconfigurado, desde a aparência visual, passando pelo discurso e chegando à postura política O que levou Lula à Presidência da República foi o seu distanciamento como representante de uma determinada classe, apenas. Mas como um candidato para todos.
As disputas simbólicas elevam ou destroem uma figura política que depende de fatores externos, de sua aceitação carismática e passional por parte do eleitorado. Mas adquire relevância incontestável quando apela à utilização dos sentimentos e emoções nos discursos e narrativas políticas. A terceira via, o centro ou a direita democrática perderiam nessa conjuntura de forma avassaladora. Mesmo causando a decepção de muitos, onde me incluo. Frente Ampla foi uma ilusão necessária, mas hoje infantil. O passado bate à nossa porta e não aprendemos muito com ele. 
O ódio conseguiu unir uma parcela de brasileiros que andava sem voz ativa. Essa parcela continua — e continuará — apoiando Bolsonaro, pois não há outra alternativa extremista viável. O preconceito, a truculência, a negação da ciência, a perversidade e o sentimento antidemocrático encontram viabilidade eleitoral apenas em Bolsonaro, hoje. Gente como o ex-parlamentar Roberto Jefferson, que divulgou um vídeo recente de estética terrorista. Ou, ironicamente, como um representante dos sulistas radicais na Guerra Civil americana. De onde veio o assassino de Lincoln.
Roberto Jefferson, ex-parlamentar, advogado e político brasileiro, em vídeo que deixa sua imagem ainda mais abjeta, depois de muitos escândalos. Atualmente é presidente nacional do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
Roberto Jefferson, ex-parlamentar, advogado e político brasileiro, em vídeo que deixa sua imagem ainda mais abjeta, depois de muitos escândalos. Atualmente é presidente nacional do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB).
 
As próximas eleições presidências tendem a ser violentas. De um dos lados — dificilmente será de mão dupla. Embora "o futuro seja algo que veremos amanhã", os movimentos dos apoiadores do presidente já são de contestação do sistema eleitoral, uso de milícias armadas, ameaças de golpe e de guerra civil. Para sermos uma democracia longeva como a americana, vai ser preciso que o voto seja mais forte que a bala.

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    Edmundo Siqueira

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