Conforme já exaustivamente mencionado, quando se precisa optar entre vários temas de um mesmo gênero, a escolha é sempre difícil, obrigatoriamente subjetiva, em particular quando se equivalem em importância.
Assim, em se tratando de terreno fértil como o da política, de 1978 para cá, são incontáveis as passagens relevantes, o que dificulta sobremaneira seguir o formato editorial proposto.
Por outro lado, a nível nacional, acredita-se não haver dúvida de que a eleição de 1989 para presidente da República – que restaurou o voto direto no Brasil e consequentemente deu o passo mais decisivo para consolidar o processo de redemocratização – constitui o acontecimento político mais importante das últimas décadas.
(*Como desdobramento do tema – mas que nada tem a ver com a eleição de 89 –, considera-se oportuno o registro do pleito de 2018, face às peculiaridades que envolveram o processo que levou Jair Bolsonaro ao Planalto).
Retomando... frise-se ter sido a primeira eleição pelo sufrágio popular depois de 29 anos (a anterior fora em 1960, com a vitória de Jânio Quadros), bem como a primeira após o golpe militar de 64.
Logo, a eleição de 1989 consolidou-se como marco da vontade popular; a vitória após um longo período de lutas para que a voz do povo se manifestasse nas urnas; o reencontro do Brasil com a democracia e da Nação com a liberdade.
Colégio Eleitoral – Antes, entretanto, é pertinente que se faça ressalva à eleição de Tancredo Neves, em 15 de janeiro de 1985, que pôs fim à ditadura no Brasil.
A vitória do peemedebista Tancredo teria sido (e uma corrente de cientistas políticos considera que de fato foi) a efetiva janela da redemocratização, salvo pela circunstância de ter ocorrido pela via indireta do Colégio Eleitoral. Além disso, o fato do velho líder da oposição não ter tomado posse, mas sim o vice José Sarney, antigo aliado dos militares, trouxe, de início, certa desconfiança.
Aconteceu que na véspera da posse, Tancredo Neves, com fortes dores abdominais (diverticulite), foi submetido a cirurgia de emergência no Hospital de Base de Brasília. Sarney tomou posse interinamente em 15 de março e, com a morte de Tancredo em 21 de abril, assumiu em definitivo.
Acredita-se que se o mandato tivesse sido cumprido por Tancredo, opositor histórico da ditadura, o ano de 1985 teria sido mais que uma janela, mas a porta de entrada da democracia. Entretanto, o já então oligarca José Sarney, oriundo da Arena, amigo desde sempre do regime dos generais, causou respingos.
Portanto, foi a eleição direta de 1989, vencida por Fernando Collor de Melo, que cravou o retorno do Brasil ao regime democrático e fincou-se como o acontecimento político mais significativo dos últimos 40 anos. Quanto ao desastroso governo Collor... é outra história.
A guinada de Bolsonaro
Sem que possa ser comparada, face à importância histórica, com 1989, é plausível que se inclua aqui a eleição de 2018, em especial pelas características incomuns do pleito.
Não por ser tão recente — que poderia influenciar na decisão pela inclusão —, mas por ter sido um pleito norteado pelos extremos, de enorme peso plebiscitário, e que se mostrou diferente de todos os demais. Senão, vejamos:
Com o impeachment de Collor e o bom governo realizado por seu vice, Itamar Franco, a indicação do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique, para a sucessão, seguiu num processo natural, bem como sua vitória em 1994.
Em 1998, a reeleição de FHC se desenhou ao longo de todo primeiro mandato e, como previsível, novamente venceu a disputa no 1º turno.
Líder da oposição, o petista Luiz Inácio Lula da Silva buscava a Presidência desde 1989. Na campanha que somou a quarta tentativa (2002), finalmente chegou ao Palácio do Planalto. Portanto, a vitória, de longe, era aguarda, sendo a reeleição de 2006 praticamente consequência do que àquela época se poderia chamar de recondução anunciada.
No pleito de 2010, sabia-se que o apadrinhamento de Lula asseguraria ao PT o terceiro mandato. A indicada foi sua Chefe do Gabinete Civil, Dilma Rousseff, eleita sem surpresas em 2010 e, seguindo a escrita de seus antecessores, reeleita em 2014.
Portanto, de 1994 a 2014 — seis eleições em 20 anos —, as circunstâncias dos pleitos, os partidos e os vencedores foram relativamente os esperados. Mas em 2018, virou-se a chave.
Inusitado — Há pouco mais de dois anos Jair Bolsonaro era o ‘candidato improvável’ — aquele que quase ninguém apostaria pudesse chegar à Presidência.
Capitão reformado, deputado do “baixo clero” e que tecia rasgados elogios ao regime militar, não bastasse as declarações polêmicas e que repercutiam negativamente, também não escondia sua ‘convicção’ de que o Brasil não viveu uma ditadura militar.
Declaradamente, lançava-se como candidato de direita, de um partido nanico e desprezava apoios e coalizões com o Congresso. Acusado de intolerante, reacionário e preconceituoso, superou o entorno negativo e ao longo de 2018, mesmo antes do período eleitoral, liderou todas as pesquisas que excluíam o nome do ex-presidente Lula da Silva. E mesmo com Lula, que se sabia não seria candidato, fincava-se no 2º lugar.
Desfecho — Resumindo, o deputado do PSL que escolheu um general para vice, conseguiu trazer para sua campanha a soma de todos os ressentimentos e atraiu para si o eleitor que votou contra a corrupção —praga da qual o Brasil tenta se livrar.
Identificado com o inimigo número 1 do PT, transformou a eleição em plebiscitária, captou a grande fatia de descontentes com os governos petistas e invariavelmente seguiu à frente das pesquisas. Venceu não apenas Fernando Haddad, mas nomes de tradição da política nacional, como Ciro Gomes, Geraldo Alckmin e Marina Silva.
Enfim, Bolsonaro “fez” a eleição mais diferenciada das últimas décadas, em que um candidato confessadamente de direita e que manifestou apoio ao período militar, venceu a disputa e há uma semana assumiu o cargo de presidente da República.
Como se costuma dizer, quando o pêndulo tende muito para um lado, na volta acontece a mesma coisa. Neste final de década, parte do mundo tem mostrado simpatia à direita e o Brasil seguiu a tendência.
Conforme demonstrado, a eleição de Bolsonaro se consolidou sobre alicerces e circunstâncias diferentes de todas as anteriores. Por isso, é pertinente o destaque.