A maior frente de combate à corrupção no Brasil não pertence a passado distante, mas aos dias atuais e ainda está em andamento.
A Operação Lava Jato merece registro não apenas por ter sido a principal, a mais abrangente e a que mais resultados apresentou nas últimas quatro décadas, como ao longo de toda a história do País.
Iniciada em março de 2014, a operação da Polícia Federal foi se desdobrando e se agigantou na mesma proporção que ia desbaratando o maior esquema de corrupção do Brasil e um dos mais extensos do mundo.
Não demorou para se transformar numa força-tarefa que passaria a abrigar, além da PF, a Procuradoria-Geral da República, a Receita Federal e o Ministério Público. Dando respaldo à mega investigação estava o juiz Sérgio Moro, então titular da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, hoje ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro.
Na esteira da Lava Jato veio à tona uma série interminável de crimes cometidos contra a Petrobras, o BNDES e contra os cofres públicos da União, de estados e municípios. Seguindo o dinheiro da propina foi possível identificar recorrentes práticas de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, organização criminosa, corrupção ativa e passiva, recebimento de vantagem indevida, gestão fraudulenta, obstrução de justiça e outras.
Delação Premiada – Antes já prevista na legislação, foi através da Lava Jato que o instituto da delação premiada, ou ‘colaboração premiada’, ganhou espaço e se tornou conhecido.
Não obstante criticada e que põe sobre o delator a marca de traidor, de ‘dedo-duro’, foi por meio da oferta do benefício que a investigação conseguiu desmantelar e identificar o que se encontrava submerso nos porões da criminalidade e dificilmente viria à superfície.
Simples: ao criminoso pego e geralmente preso, a justiça concede benefícios para que, revelando esquemas de corrupção não conhecidos da investigação e o nome dos envolvidos – desde que a informação leve, de fato, à comprovação da prática criminosa –, possa obter redução da pena de prisão, substituição da pena e outras vantagens advindas de sua colaboração.
Dessa forma, os investigadores conseguem provas que normalmente não teriam, e o colaborador as ‘benesses’ de seu acordo. A delação premiada revelou-se instrumento determinante para que a força-tarefa obtivesse resultados significativos na identificação de organizações criminosas incrustadas no setor público.
Nome – A operação foi batizada com a denominação ‘Lava Jato’ por ter começado num posto de gasolina, situado em área nobre de Brasília, região hoteleira, na época investigado por movimentar dinheiro de origem ilícita. Curiosamente o posto em questão – com 16 bombas, loja de conveniência, bar e pastelaria – nunca ofereceu serviços de lava jato.
Na primeira fase da operação foi preso o doleiro Alberto Youssef e revelada sua ligação com diretores da Petrobrás. Dava-se ali os primeiros passos que chegariam ao esquema de dinheiro de propina desviado da Petrobras. Estava descortinado o ‘Petrolão’ – o maior escândalo de corrupção de que se tem notícia em toda história política brasileira, da República Velha (1989) à Nova República, que abriga o tempo presente.
‘Intocáveis’ na cadeia
O significativo destaque que se dá à Lava Jato nessa tarefa de reunir alguns dos principais acontecimentos que foram importantes nos últimos 41 anos não traz qualquer exagero.
Ao contrário, num olhar mais atento sobre nossos cinco séculos e alguns anos de existência, não vamos encontrar outro período em que tantos notáveis – a ‘nata’ dos segmentos mais respeitados e prestigiados do País – foram investigados, processados e colocados atrás das grades. Com efeito, por motivos óbvios, não há que se procurar nos séculos ‘de privilégios’ que marcaram o Brasil Colônia e o Brasil Império, reduzindo-se à busca ao período republicano, já às portas do século 20.
Logo, a partir da Lava Jato, constata-se algo inédito no Brasil: alguns dos mais influentes políticos do País, mega empreiteiros e renomados executivos, sendo acusados e presos. E tudo indo parar na televisão e nas manchetes dos jornais.
Em 2005, o Mensalão parecia ser um escândalo sem precedentes no Brasil. E, até então, foi. Mas só a partir do Petrolão e seu entorno, juntamente com outras revelações em diferentes esferas, é que se viu, como num horizonte sem fim, o tamanho da roubalheira.
De fato, a sociedade brasileira não tinha noção de quão gigantesco era o esquema de desvio de dinheiro; do quanto se havia saqueado dos cofres públicos; e que tanta gente importante pudesse estar envolvida.
Depois da surpresa das revelações, a perplexidade de ver que o Brasil estava investigando e pondo na cadeia ‘senhores feudais’ do mundo político e econômico do País.
Para não entrar em nomes (por não ser o caso, visto que não se faz aqui documentário sobre a Lava Jato ou qualquer outro tema isolado, mas breves traços de alguns dos assuntos que foram destaque) – porém, citando apenas uns poucos que servem de referência – ninguém no Brasil imaginava que o dono da Construtora Odebrechet, com sobrenome Odebrechet, pudesse ser preso; da mesma forma que os donos ou sócios da Queiroz Galvão, OAS, Camargo Corrêa, UTC, Andrade Gutierrez e outras.
Nesse ponto, a Lava Jato deixava claro que as investigações iriam onde tivessem que ir.
Hoje, decorridos quase cinco anos de iniciada a operação, as prisões são vistas como rotina. Mas até então era impensável que deputados, senadores, governadores, ex-governadores, ministros, ex-ministros e até ex-presidentes da república pudessem ser investigados, denunciados e virassem réus. Ninguém imaginava, por exemplo, que o ex-presidente Lula da Silva, a maior liderança política do Brasil, viesse a ser condenado e preso.
Legado – É natural que, como tudo, isoladamente tenham sido cometidos enganos e excessos. Entretanto, também no terreno institucional, a Lava Jato fez nascer um País diferente, indo ao encontro de antigo anseio da sociedade brasileira, qual seja de garantir que ninguém esteja acima da lei.