Arthur Soffiati - Água furtada
* Arthur Soffiati 05/04/2025 08:39 - Atualizado em 05/04/2025 08:39
Arthur Soffiati
Arthur Soffiati / Divulgação
Quem não sabe precisa saber. As duas planícies do norte-fluminense (de Paraíba do Sul e de Jurubatiba) foram imensas e diversificadas áreas úmidas em que pontificavam o rio Paraíba do Sul a lagoa Feia. Ambos têm conexão superficial e subterrânea. Os povos indígenas que as habitavam viviam bem nesse ambiente aquático, pois ele lhes fornecia muito alimento e proteção.
Pescadores proveniente de Cabo Frio e que se instalaram primeiramente no local que se ergueria Atafona e depois se transferiram para o ponto em que se erigiu São João da Barra também se adaptaram bem nesse mundo líquido. Durante todo o século XVI, ele não foi colonizado pela cana e pelo gado. Motivo: eram poucas as terras secas. A maior parte delas ficava permanente ou periodicamente embaixo d´água. Esse território ficou no âmbito da capitania de São Tomé, entre o rio Itapemirim e a capitania de São Vicente. Pero de Gois navegou a parte baixa do rio Paraíba do Sul e decidiu instalar-se na foz do rio Itabapoana. Por que razão? Talvez por não contar com tecnologia para drenar tanta água e com segurança contra ataques dos povos nativos. Escolheu um ponto mais alto e mais seco na enseada do Retiro.
Os sete fidalgos que requereram sesmarias entre a foz do rio Iguaçu (hoje lagoa do Açu) e Macaé, na terceira década do século XVII, também enfrentaram a água como problema, mas se ajeitaram como foi possível e começaram a criar gado e a plantar cana. Em 1788, o grande proprietário rural José de Barcelos Machado abriu uma vala ao sul da lagoa Feia para escoar água doce para o mar. Anualmente, ela era aberta pelos escravos dos jesuítas até sua expulsão do império colonial português em 1759.
As limitações impostas pelas águas continuaram até 1940, quando foi criado pelo governo federal o Departamento Nacional de Obras e Saneamento. No tempo da sua criação, todos apoiavam a drenagem de áreas úmidas nas cinco baixadas do Rio de Janeiro e em outras do Brasil. Além de drenar, o DNOS anunciava suas obras publicamente. Colhia aplausos e elogios de governadores, prefeitos, vereadores, proprietários rurais e moradores de áreas urbanas. Apenas a natureza e os pescadores sofriam os efeitos negativos dessa drenagem, que se tornou excessiva.
A partir da década de 1970, pescadores, comunidade científica e ambientalistas começaram a protestar contra essas obras. O DNOS foi extinto em 1990 por ato do governo. A drenagem continuou a ser praticada pelo estado, pelas prefeituras e por particulares. Agora, sem anúncio, sem alarde. Os tempos mudaram, mas as práticas não. Não cabia mais anunciar iniciativas de drenagem e de invasão de leitos de lagoas. Pela frente, os drenadores e invasores adoram o discurso da sustentabilidade como biombo para esconder práticas antigas e perversas para os próprios ruralistas.
Por mais que se esforcem para ocultar seus interesses e ações, há sempre o vazamento de informações para pessoas como eu, que têm um histórico de luta em defesa do ambiente há quase cinquenta anos. Quanto à margem esquerda do rio Paraíba do Sul, chegou a mim a informação de que proprietários rurais desejavam abrir uma vala auxiliar ao canal Engenheiro Antonio Resende para escoar água de chuva consideradas excedentes. O Inea, que hoje é um órgão desmantelado e dirigido por pessoas sem compromisso (é o mínimo que poso falar para fugir de processo), quis dar uma aparência de legalidade à ação, mas não conseguiu. E ela acabou não acontecendo.
Por fora, o atual prefeito de Campos, no tempo em que foi deputado federal com sua irmã, apresentou um projeto de lei propondo a inclusão do norte e noroeste fluminenses no polígono do semiárido para ajudar proprietários rurais em caso de desastres ambientais que eles mesmos criaram com a drenagem excessiva e com o desmatamento. Em vez de propor um programa de reflorestamento para o Noroeste Fluminense e para a recriação de algumas áreas úmidas, propôs-se dar dinheiro para agravar mais ainda a crise.
Agora, chega-me a notícia de que ruralistas voltam a tramar contra o durinho da Valeta, vertedouro natural das águas da lagoa Feia para o canal da Flecha. O controle do volume hídrico ficaria por conta da bateria de comportas no final do canal. Em outras palavras, esse controle seria exercido pelos ruralistas e a seu favor. Talvez o mesmo esteja sendo tramado para a lagoa de Cima. Convém lembrar que, no caso da lagoa do Campelo, o próprio DNOS construiu um vertedouro de concreto.
Chegou-me também a notícia de que o importante aquífero Emboré está sendo superexplorado por duas grandes empresas que atuam na região. Essa exploração ultrapassa a sua capacidade de recarga. Seria inviável retornar aos ecossistemas da região no século XVI. Devemos lidar com a realidade de um novo ambiente depois de tanto tempo e exploração. Mas o uso sustentável se impõe como necessidade, não como mera propaganda, assim como se impõe a restauração de amostras significativas dos ecossistemas destruídos.

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