Faltou a consciência
para o poeta saber
que, na verdade,
era mais uma mercadoria
na estante da livraria,
mas uma mercadoria
que pensa que critica que fala que desassossega
Afinal o texto
é um conjunto
de repetições
do que o mundo
já viu
sendo vendidas
como se novas
Nada é inédito no conjunto de atualidades
E assim vivemos a ilusão
da novidade,
enquanto nos
estupefazemos
com aquilo que
já existe há quase
um século
Talvez sejamos
nós mesmos as
mercadorias que
queremos consumir
que queremos inventar
para então deglutir
O sol nasce
mal se dissipa
a caligem que
torna o céu fumê
e já consumimos
desde o tocar do
des(es)pertador
E assim seguimos
E assim comemos
E assim dormimos
esperando
o consumo final
Estilhaço
Destrilado
Descompasso
Destinado
Esperamos
compulsivamente
do cadafalso
ouvir o anúncio
do que iremos (ser)
consumir
Somos uma tendência
uma efemeridade
uma decadência
na descartabilidade
da existência
Somos moeda
sem lastro
Somos o lixo
que só se degrada
- ou tem consciência disso -
passados milhares de anos
em constante deterioração
*Ronaldo Junior tem 28 anos, é carioca, bacharel em Direito, licenciado em Letras e escritor membro da Academia Campista de Letras, instituição da qual é o atual presidente. www.ronaldojuniorescritor.com
**Este texto compõe a obra “poesia simulada: blefes, ironias e fake news", que está em pré-venda pelo site www.benfeitoria.com/poesiasimulada.
Meu pai me acompanhava nessa desagradável empreitada, e nós conversávamos para ocupar o tempo falando sobre qualquer assunto que não tivesse relação com exames ou consultas médicas.
Sem que eu me desse conta, sentou ao nosso lado um senhor distinto – camisa verde, maço de cigarro apoiado sobre a pasta de exames cardiológicos -, mas um tanto inconveniente.
Eu comentava com meu pai sobre as eleições municipais na capital paulista, especificamente sobre a notícia que atribuía o segundo lugar do candidato Guilherme Boulos a uma confusão de seus eleitores quanto ao número de seu partido, fazendo com que ele perdesse cerca de cinquenta mil votos.
Foi nesse momento que me dei conta da presença do paciente que poderia, dentre diversos assentos ociosos, não ter escolhido justo aquele ao nosso lado.
Ele resolveu interagir, primeiro questionando o que eu achava sobre o Boulos. Depois, querendo saber o que eu achava sobre o presidente Lula. Terminada a sabatina, ele já tinha uma conclusão. Olhou fixamente para mim e disse algo que, em todos esses anos, eu curiosamente não tinha ouvido – apesar de estar ciente da recorrência do termo:
-Então você é comunista!
Envaidecido diante da ignorância gritante dessa alcunha inédita para mim, resolvi usar meu direito de fazer ao menos uma pergunta:
-E o que é comunismo pra você?
Diante do que ouvi, de pronto, qual resposta decorada:
-É tudo isso que está aí.
Tentei, me esforcei, para considerar essa conceituação tosca, mas não suportei continuar a conversa com a pessoa que, em seguida, disse que a fonte do comunismo era a universidade pública.
Olhando para a memória desse momento, penso que o velhinho de aparência simpática, prestes a levar um esporro do médico pelo uso excessivo de cigarros, poderia ter me poupado de identificá-lo no extremo de sua ideologia cristalizada em meio àquela pequena multidão.
*Ronaldo Junior tem 28 anos, é carioca, bacharel em Direito, licenciado em Letras e escritor. Atualmente, é presidente da Academia Campista de Letras. www.ronaldojuniorescritor.com
ali,
na treze de maio,
a caminho
do calçadão,
dia após dia,
ao sair da Faculdade
de Direito
de Campos,
um retrato vivo
se formava
em meus olhos
sob os toldos dos comércios
bastava olhar ao longe
para sentir
a mescla de
presente e passado
a Igreja Nossa Senhora
do Carmo,
ainda na treze de maio,
nem sempre notada pelos transeuntes
o prédio
da antiga
Joalheria Renne
de esquina, ao fundo,
logo depois do pelourinho,
no centro do boulevard
as fachadas históricas
ladeadas
competindo
com letreiros
faixas
cores
fios
carros
e, sobretudo,
as tantas gentes
que por ali transitam
diariamente
- com ou sem rumo -
quase sempre
sem erguer os olhos
para vislumbrar
a poesia histórica
se rareando
sob(re) as marquises
Sobre o autor
Ronaldo Junior
[email protected]Professor e membro da Academia Campista de Letras. Neste blog: Entre as ideias que se extraviam pelos dias, as palavras são um retrato do cotidiano.