Meu pai me acompanhava nessa desagradável empreitada, e nós conversávamos para ocupar o tempo falando sobre qualquer assunto que não tivesse relação com exames ou consultas médicas.
Sem que eu me desse conta, sentou ao nosso lado um senhor distinto – camisa verde, maço de cigarro apoiado sobre a pasta de exames cardiológicos -, mas um tanto inconveniente.
Eu comentava com meu pai sobre as eleições municipais na capital paulista, especificamente sobre a notícia que atribuía o segundo lugar do candidato Guilherme Boulos a uma confusão de seus eleitores quanto ao número de seu partido, fazendo com que ele perdesse cerca de cinquenta mil votos.
Foi nesse momento que me dei conta da presença do paciente que poderia, dentre diversos assentos ociosos, não ter escolhido justo aquele ao nosso lado.
Ele resolveu interagir, primeiro questionando o que eu achava sobre o Boulos. Depois, querendo saber o que eu achava sobre o presidente Lula. Terminada a sabatina, ele já tinha uma conclusão. Olhou fixamente para mim e disse algo que, em todos esses anos, eu curiosamente não tinha ouvido – apesar de estar ciente da recorrência do termo:
-Então você é comunista!
Envaidecido diante da ignorância gritante dessa alcunha inédita para mim, resolvi usar meu direito de fazer ao menos uma pergunta:
-E o que é comunismo pra você?
Diante do que ouvi, de pronto, qual resposta decorada:
-É tudo isso que está aí.
Tentei, me esforcei, para considerar essa conceituação tosca, mas não suportei continuar a conversa com a pessoa que, em seguida, disse que a fonte do comunismo era a universidade pública.
Olhando para a memória desse momento, penso que o velhinho de aparência simpática, prestes a levar um esporro do médico pelo uso excessivo de cigarros, poderia ter me poupado de identificá-lo no extremo de sua ideologia cristalizada em meio àquela pequena multidão.
*Ronaldo Junior tem 28 anos, é carioca, bacharel em Direito, licenciado em Letras e escritor. Atualmente, é presidente da Academia Campista de Letras. www.ronaldojuniorescritor.com
ali,
na treze de maio,
a caminho
do calçadão,
dia após dia,
ao sair da Faculdade
de Direito
de Campos,
um retrato vivo
se formava
em meus olhos
sob os toldos dos comércios
bastava olhar ao longe
para sentir
a mescla de
presente e passado
a Igreja Nossa Senhora
do Carmo,
ainda na treze de maio,
nem sempre notada pelos transeuntes
o prédio
da antiga
Joalheria Renne
de esquina, ao fundo,
logo depois do pelourinho,
no centro do boulevard
as fachadas históricas
ladeadas
competindo
com letreiros
faixas
cores
fios
carros
e, sobretudo,
as tantas gentes
que por ali transitam
diariamente
- com ou sem rumo -
quase sempre
sem erguer os olhos
para vislumbrar
a poesia histórica
se rareando
sob(re) as marquises
Sobre o autor
Ronaldo Junior
[email protected]Professor e membro da Academia Campista de Letras. Neste blog: Entre as ideias que se extraviam pelos dias, as palavras são um retrato do cotidiano.