
Apesar de provocar dor, todos se favorecem do mesmo pó branco que sai das terras da planície, das áreas que o rio não toma conta. A riqueza fez as casas começarem a ficar mais vistosas, as ruas ganharam árvores bonitas e calçamento de pedra, e algumas placas são erguidas onde se vende roupa, livro, panela e lampião. As coisas melhoram lá no centro, parece que mais gente anda e as pessoas começam a ficar mais educadas umas com as outras. Mas em volta ainda é cana e desespero.
Ele foi colocado dentro de uma estrutura oca de madeira que cobria um cilindro de latão que girava em seu próprio eixo. A mãe, seja lá quem ela for, o colocou ainda bebê na boca de lata que ficava para a rua, e girou a manivela até que ele ficasse exposto para o outro lado. Depois de um tempo ele soube que a freira que o buscou no cilindro ficou surpresa, pois ele, ainda bebê e abandonado, não chorava. Talvez já tivesse tomado consciência da vida difícil que teria. Depois de ser recebido pelas freiras da Santa Casa, uma família do outro lado do rio decidiu ficar o bebê, que estava espertinho. Ele cresceu sabendo que não havia nascido daquelas pessoas, mas nunca soube quem o colocou nesse mundo violento, onde já foi obrigado a trabalhar nos canaviais das terras da usina, assim como seu pai de criação.
Quando iam ao centro, comprar sal e querosene, o que ele via não condizia com o outro cenário, do outro lado do rio. Era perto, separado apenas pela água turva e amarela do Paraíba, mas a distância de sua vida para a vida deles, do centro, era brutal. Quando a rua era mais lisa, com as pedras mais homogêneas, a carroça que o pai conduzia até o armazém ficava um pouco mais estável e ele podia ver as lojas e o casario do centro. Com as canelas nuas balançando para fora, pés calçados com borracha e um dos braços abraçados à grade de madeira, ele ficava maravilhado com aquela gente bem arrumada, de chapéu e terno, ou vestidos compridos escuros com colares de pérola, que atravessava a rua de um comércio ao outro, ou esperavam pelo bonde que ele só conhecia à distância e o percebia quando a carroça passava pelo trilho. Do assoalho, segurando no último fueiro, olhou para o homem que o criava guiando a carroça, e pensou em pedir para que parasse um pouco para que pudesse observar a rua. Desistiu. Não conseguiu vê-lo com nitidez; a imagem do homem curvado, de chapéu de palha e camisa de manga comprida, de botão, ficou caleidoscópica com o sol que brilhou por entre os beirais.
Indo para casa, agora ao lado do homem que o criou, sabia que voltaria para a cana e o desespero. Mas já não era permitido o trabalho forçado e violento, e mesmo sem ele ter a menor noção, ares republicanos tentavam convencer os que ainda lutavam pela manutenção daquele sistema perverso. O desespero iria diminuir, e até a cana iria ser substituída. Mas ele não percebia.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS
Sobre o autor
Edmundo Siqueira
edmundosiqueira@hotmail.comBLOGS - MAIS LIDAS
De acordo com as primeiras informações, José Francisco Barbosa Abud foi encontrado enforcado
A decisão, decorrente de ação proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro no ano de 2007, já está transitada em julgado e não cabe recurso
Velório e sepultamento aconteceram neste domingo (27) na Capela São Benedito, em Goitacazes; familiares e amigos relembram a trajetória de vida de Alberto
A necropsia aconteceu na manhã desta terça-feira; de acordo com o laudo prévio do IML, a morte foi por enforcamento
Lei traz reformulação na estrutura administrativa da gestão municipal, com criação de novas secretarias, extinção de outras e criação de novos cargos em comissão e funções gratificadas