E se Churchill fizesse como Delfim?
Edmundo Siqueira 13/08/2024 20:53 - Atualizado em 13/08/2024 20:54

São dois personagens distintos. Cada um viveu tempos históricos diferentes, em nações diferentes — e vale lembrar que ninguém vive fora das circunstâncias, ou de sua realidade material. Mas, apesar das diferenças, os dois desempenharam funções cruciais na história recente dos seus países, um na Inglaterra, outro no Brasil.

E também assemelhavam-se no carisma bonachão. Ambos sempre estiveram acima do peso. Os dois grandes frasistas, também. Winston Churchill e Delfim Netto, eram seus nomes.

Churchill foi primeiro-ministro britânico em duas ocasiões, uma delas durante a Segunda Guerra Mundial. Delfim, um superministro da fazenda durante a ditadura militar e do “milagre econômico” brasileiro. E nesses cargos exerceram suas maiores controvérsias morais e políticas. São personagens amados e odiados, praticamente na mesma intensidade.

Não se trata aqui de fazer um julgamento moral. O moralismo costuma esconder péssimas análises dos tempos históricos, e desvios éticos sérios de quem o tem como prática. Além de ser impossível observar personagens complexos sem complexidade. Todos, invariavelmente, cultivaram incoerências e contradições. Porém, façamos um exercício de observação histórica dos momentos cruciais das trajetórias dos dois personagens, olhando como se comportaram quando o que estava em jogo era determinante.

Sob certa ótica, Churchill e Delfim viveram tempos de guerra. A ditadura militar brasileira foi um período sangrento, com milhares de mortos e desaparecidos, e com o cerceamento de vários direitos. Especialmente após 1968, depois do AI-5, o ato institucional que deixou a ditadura “escancarada”, como definiu o jornalista Elio Gaspari. Delfim era alguém relevante naquele contexto, iria definir a política econômica do regime, tinha nas mãos um poder enorme.

O AI-5 teve alguns signatários, gente poderosa que não apenas concordava com o que estava escrito ali como dava sustentação ao que na prática deixava na mão de alguns militares a decisão sobre a liberdade e a vida de todos os brasileiros. Delfim Netto foi um desses signatários, e defendeu o documento até o fim de sua vida, relativizando-o como “necessário” pelas ameaças internas do período.
Mas a história provou que o regime não estava ameaçado, não havia muito além da vontade de poder dos militares e do sadismo de quem estava ávido para exercer os poderes ilimitados de uma ditadura.

Churchill não foi menos permissivo com morte e supressão de direitos. Sob seu comando, tropas foram dizimadas depois de erros estratégicos, e territórios britânicos sofreram pela fome, como em Bengala, na Índia, matando mais de 1,5 milhão de pessoas. Apesar disso, o primeiro-ministro da Inglaterra manteve-se firma contra o avanço nazista, e mesmo sob enorme pressão e sofrimento de seus conterrâneos, impôs para Hitler a última trincheira da Europa, o que possibilitou que os Aliados (França, a Inglaterra, os EUA e, posteriormente, a URSS) vencessem a guerra. Em resumo, devemos muito a Winston Churchill o fato de não falarmos alemão hoje e não vestirmos suásticas nos braços.

Churchill decidiu pela coragem e foi contramajoritário em um momento crucial. Mesmo sendo difícil, percebeu o momento histórico durante seu curso, e soube exercer seu poder para mudá-lo. Delfim escolheu o conforto, o poder, e talvez também tenha percebido o seu momento histórico, mas decidiu usá-lo a seu favor.

Nenhum dos dois são heróis, e provavelmente nunca tenham agido para transmitir essa imagem. Ambos tomaram decisões determinantes e complexas em suas vidas, e muitas vezes erraram e acertaram. Mesmo distintos, guardam semelhanças importantes. Mas apenas um desses personagens escolheu entrar para história como se deve: pela coragem.

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