Os venenos americanos e a campanha de Trump
Para um país que se considera a maior democracia do planeta e o “líder do mundo livre”, os EUA possuem um histórico assustador de violência política. Polarizado em dois partidos — Democratas e Republicanos —, o fazer político-eleitoral americano já provocou quatro presidentes mortos e três feridos em atentados.
O primeiro atentado registrado contra um presidente americano aconteceu em 1835. O democrata Andrew Jackson saiu ileso da fúria de um atirador, que errou o disparo. O republicano Abraham Lincoln não teve a mesma sorte, 30 anos depois. O presidente foi assassinado ao fim da Guerra Civil americana. O atirador, John Wilkes Booth, era um conhecido ator e simpatizante dos Confederados, grupo sulista branco que tentava impedir a abolição da escravatura.
James A. Garfield, em 1881, William McKinley, em 1901, e John F. Kennedy, em 1963, completam a lista macabra.
O atentado contra Donald Trump no último sábado, durante um comício na Pensilvânia, não pode ser considerado apenas mais um ato de violência política de um mundo polarizado. Ele deriva de venenos introjetados na sociedade americana por séculos, que cobram seu preço quando os antídotos falham. A política de liberação de armas e a segregação racial são duas dessas toxidades.
O histórico de segregação racial dos EUA não é algo que pode ser desconsiderado na conta desse envenenamento, que provocou também o assassinato de Martin Luther King Jr., líder do movimento dos direitos civis, em 1968. E o acesso livre às armas, garantido pela Constituição americana, permite que alguém como o autor do atentado contra Trump porte um fuzil AR-15, de alto poder de destruição, livremente.
Não se trata em dizer que o país “provou do próprio veneno”, em uma ideia expiatória ou de vingança, como se algo superior tivesse impondo aos americanos um castigo pelos seus pecados — moralismos assim, principalmente de cunho religioso, costumam simplificar questões de grande complexidade, e dar incentivo e justificativa para ações extremas.
A questão aqui diz respeito ao perfil que a política americana assume, e sua influência no mundo. O candidato Trump esgarça o conceito de verdade e lidera um movimento global de extrema-direita que utiliza as redes sociais para disseminar ódio, em um sistema de algoritmos que já o incentiva.
O atentado de sábado foi emblemático: uma quantidade abissal de teorias da conspiração tentavam impor aos democratas a autoria, de um lado do extremo político, e do outro buscavam de todas as formas mostrar que foi tudo armado. Ambas teorias vencidas pelos fatos, pela realidade.
Nietzsche, filósofo alemão nascido no século 19, teve a verdade (ou sua busca) como objeto de seus estudos. Ao observar a origem da verdade e da moral, percebeu que as ciências sociais e a filosofia supunham até então que existia algo “miraculoso” para as “coisas de mais alto valor”, como se grandes eventos ou fenômenos dependessem de uma vontade suprema ou divina para acontecer.
Refutando essa ideia, Nietzsche avaliou que a humanidade se apoiava em muletas metafísicas para justificar suas incoerências, atos violentos ou de moral duvidosa. E entendia que o “mal” também faz parte da realidade, que muitas vezes supera as ficções e as criações metafísicas.
O irônico de uma era de pós-verdade é que as conspirações caem com a realidade imposta, que deriva de verdades. E um candidato que usa mentiras como arma política precisa da verdade para mostrar que não armou um atentado contra si mesmo.
Venenos domésticos não são exclusividade dos EUA, mas a importância que a nação possui no mundo ainda é determinante para o futuro da humanidade, apesar de ser menor que as ilusões de grandeza cultivadas pelos americanos. Alguns centímetros para o lado e a trajetória da bala do AR-15 provocaria a morte de mais um presidente americano. Mas a realidade não quis assim.
Se tivesse acertado? A história não se constrói com “se”.
Para um país que se considera a maior democracia do planeta e o “líder do mundo livre”, os EUA possuem um histórico assustador de violência política. Polarizado em dois partidos — Democratas e Republicanos —, o fazer político-eleitoral americano já provocou quatro presidentes mortos e três feridos em atentados.
O primeiro atentado registrado contra um presidente americano aconteceu em 1835. O democrata Andrew Jackson saiu ileso da fúria de um atirador, que errou o disparo. O republicano Abraham Lincoln não teve a mesma sorte, 30 anos depois. O presidente foi assassinado ao fim da Guerra Civil americana. O atirador, John Wilkes Booth, era um conhecido ator e simpatizante dos Confederados, grupo sulista branco que tentava impedir a abolição da escravatura.
James A. Garfield, em 1881, William McKinley, em 1901, e John F. Kennedy, em 1963, completam a lista macabra.
O atentado contra Donald Trump no último sábado, durante um comício na Pensilvânia, não pode ser considerado apenas mais um ato de violência política de um mundo polarizado. Ele deriva de venenos introjetados na sociedade americana por séculos, que cobram seu preço quando os antídotos falham. A política de liberação de armas e a segregação racial são duas dessas toxidades.
O histórico de segregação racial dos EUA não é algo que pode ser desconsiderado na conta desse envenenamento, que provocou também o assassinato de Martin Luther King Jr., líder do movimento dos direitos civis, em 1968. E o acesso livre às armas, garantido pela Constituição americana, permite que alguém como o autor do atentado contra Trump porte um fuzil AR-15, de alto poder de destruição, livremente.
Não se trata em dizer que o país “provou do próprio veneno”, em uma ideia expiatória ou de vingança, como se algo superior tivesse impondo aos americanos um castigo pelos seus pecados — moralismos assim, principalmente de cunho religioso, costumam simplificar questões de grande complexidade, e dar incentivo e justificativa para ações extremas.
A questão aqui diz respeito ao perfil que a política americana assume, e sua influência no mundo. O candidato Trump esgarça o conceito de verdade e lidera um movimento global de extrema-direita que utiliza as redes sociais para disseminar ódio, em um sistema de algoritmos que já o incentiva.
O atentado de sábado foi emblemático: uma quantidade abissal de teorias da conspiração tentavam impor aos democratas a autoria, de um lado do extremo político, e do outro buscavam de todas as formas mostrar que foi tudo armado. Ambas teorias vencidas pelos fatos, pela realidade.
Nietzsche, filósofo alemão nascido no século 19, teve a verdade (ou sua busca) como objeto de seus estudos. Ao observar a origem da verdade e da moral, percebeu que as ciências sociais e a filosofia supunham até então que existia algo “miraculoso” para as “coisas de mais alto valor”, como se grandes eventos ou fenômenos dependessem de uma vontade suprema ou divina para acontecer.
Refutando essa ideia, Nietzsche avaliou que a humanidade se apoiava em muletas metafísicas para justificar suas incoerências, atos violentos ou de moral duvidosa. E entendia que o “mal” também faz parte da realidade, que muitas vezes supera as ficções e as criações metafísicas.
O irônico de uma era de pós-verdade é que as conspirações caem com a realidade imposta, que deriva de verdades. E um candidato que usa mentiras como arma política precisa da verdade para mostrar que não armou um atentado contra si mesmo.
Venenos domésticos não são exclusividade dos EUA, mas a importância que a nação possui no mundo ainda é determinante para o futuro da humanidade, apesar de ser menor que as ilusões de grandeza cultivadas pelos americanos. Alguns centímetros para o lado e a trajetória da bala do AR-15 provocaria a morte de mais um presidente americano. Mas a realidade não quis assim.
Se tivesse acertado? A história não se constrói com “se”.