Bolsonarismo desceu do coturno
Edmundo Siqueira 22/08/2023 23:14 - Atualizado em 22/08/2023 23:31
Imagem: iStock
A última pesquisa Genial/Quaest que mediu a confiança da população nas Forças Armadas apresentou uma queda importante: em dezembro de 2022, 43% diziam “confiar muito” nos militares, ante 33% que dizem o mesmo neste mês, em agosto. Os que disseram “confiar pouco” ou “não confiar” passaram de 54% para 64% no mesmo período. 

Desde a proclamação da República o Brasil acostumou-se com a participação dos militares em golpes de Estado. Foi um militar, o marechal Deodoro da Fonseca, que na manhã de 15 de novembro de 1889 anunciou a destituição do governo e a demissão do primeiro-ministro, o visconde de Ouro Preto. A República atendia a interesses econômicos de Minas e São Paulo, mas só foi possível pelo uso da sede de poder do braço armado brasileiro.

Em 1937, outro golpe militar. O então capitão Olímpio Mourão Filho produz um documento falso que tratava de uma (falsa) revolução comunista que estaria em curso no país, e um golpe de Estado é aplicado. Tinha início o que a historiografia chama de "Estado Novo".

Em 1945, foi a vez do general Góis Monteiro derrubar o governo. Em 1964 a ditadura foi imposta pelas mãos do mesmo Olímpio Mourão Filho, que naquela ocasião já era general. Mourão Filho colocou os tanques nas ruas e um sistema violento de repressão foi vivido pelo país por mais de 20 anos. Se mostrou como um período traumático, também para os militares. Com a redemocratização, decidiram voltar para a caserna e a participação política deles foi limitada por lei.
Tropas de Olympio Mourão Filho nas ruas, 1964.
Tropas de Olympio Mourão Filho nas ruas, 1964. / Arquivo Nacional

A imagem das Forças Armadas vinha sendo reconstruída, até o início do governo Jair Bolsonaro. Durante os quatro anos que o país foi governado pelo ex-presidente, mais de 6 mil militares atuavam na estrutura do Estado Brasileiro, inclusive como titulares de ministérios. Como caso mais emblemático, a condução desastrosa do general Eduardo Pazuello na pandemia, como ministro da Saúde.
Os militares foram vistos como base de sustentação de um governante com intenções golpistas claras, contestando o sistema eleitoral e incentivando a animosidade contra os outros poderes da República.

Mas a queda que a pesquisa da Genial/Quaest mostrou nos últimos oito meses não foi motivada pelo papel das Forças Armadas no governo passado, ou pelos golpes que participou historicamente. Pelo contrário. Entre os que votaram em Bolsonaro no segundo turno das últimas eleições, houve uma queda bem mais acentuada dos que declararam confiar muito nos militares: 61% em dezembro contra 40% em agosto. O diretor da Quaest, Felipe Nunes, disse a Rede Globo que a mudança na avaliação dos bolsonaristas sugere “algum tipo de frustração, de alguma expectativa que havia entre essas pessoas”.

Após a vitória eleitoral do PT, acampamentos bolsonaristas se espalharam na frente de quartéis de todo país. Não raro, algum ocupante desses acampamentos era contido por militares ao tentar entrar no quartel ou exigir aos berros que alguma providência fosse tomada pela instituição.
As “providências” exigidas se resumiam em golpe de Estado. Faixas pediam “intervenção militar”, palavras de ordem eram proferidas e o “poder moderador” do exército era lembrado nos WhatsApps e redes bolsonaristas a todo momento. Frustrados, uma parte das pessoas acampadas decidiu agir sozinha, sem os militares. Tentaram um golpe em 8 de janeiro de 2023. Não deu certo.

Os militares não compraram, no fim das contas, a aventura golpista de Bolsonaro e de seus apoiadores. Quando o ex-presidente resolveu fazer uma reunião com embaixadores do mundo inteiro onde acusava a eleição brasileira de fraude, sem provas, o exército não esteve presente.
Uma linha foi cruzada no chão, e as Forças Armadas, institucionalmente, não ultrapassaram. Não aderiram ao golpe, como em 37, 45 e 64. E por isso, perderam popularidade no bolsonarismo, que aceita que um general quatro estrelas se sujeite a negociante de joias contrabandeadas, mas não confia em militar que não dê golpe.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Edmundo Siqueira

    [email protected]