Obra ficcional da campista Vilma Arêas é reunida em coletânea
Campista radicada em São Paulo, homenageada pela Folha da Manhã em 2016 com o Troféu Folha Seca, a renomada escritora Vilma Arêas acaba de reunir a sua produção ficcional na coletânea “Todos juntos”. Recém-publicada pela editora Fósforo, a obra conta com sete livros da autora, entre eles três que lhe renderam o Prêmio Jabuti, o mais tradicional da literatura no país, concedido pela Câmara Brasileira do Livro. Perto de completar 87 anos, Vilma não vê este trabalho como uma despedida, mas como um marco em seu processo de criação.
— Acho que é muito difícil termos certeza do que faremos em seguida. Mas, talvez já fosse tempo de reunirmos os trabalhos, o que não significa colocar um ponto final nas pesquisas — define a autora. — A coletânea, organizada por Samuel Titan Jr., reúne a ficção que produzi de 1976 e 2023, o que coloca dificuldades de avaliação pela própria autora — complementa.
Se Vilma Areâs privou-se de traçar um perfil sobre a produção agora reunida, esse papel foi cumprido pela grande imprensa brasileira, uma vez que o lançamento de “Todos juntos” foi tema de matérias em grandes veículos, entre eles os jornais “O Globo” e “Folha de S. Paulo”. Em entrevista a “O Globo”, por exemplo, Vilma contou que, na infância em Campos, seu castigo era ser proibida de ler por uma semana, o que demonstra o quanto era apaixonada pelos livros. São lembranças que não lhe saem da memória.
— Nasci em Campos dos Goytacazes (em 1936) e morei por muitos anos. Agora, já estou muito afastada, a família se dispersou. Acabei vindo para São Paulo, o que foi muito bom para mim, pelo clima intelectual da cidade e os grandes amigos que encontrei, a começar pela orientação do (professor e crítico teatral) Décio de Almeida Prado (in memoriam), grande intelectual e grande amigo — destaca Vilma, que é professora titular aposentada do departamento de teoria literária da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com passagens pelas universidades de Salamanca, na Espanha, e Berkeley, nos Estados Unidos.
Em “Todos juntos”, os livros de Vilma Arêas remetem a uma cronologia invertida, passeando por quase 50 anos no gênero ficção. A novidade é o inédito “Tigrão”(2023), dando destaque à narrativa homônima, que conta a inesperada e circunstancial amizade de um militante de esquerda com um membro do Esquadrão da Morte numa prisão militar. Porém, assim como em outros livros da autora, a situação política e a desigualdade social dividem espaço com momentos em que o humor se faz presente, de modo que a leveza e a gravidade são equilibradas no conjunto de contos.
Além de “Tigrão”, também constam na coletânea os títulos “Aos trancos e relâmpagos” (1988), “A terceira perna” (1992) e “Um beijo por mês” (2018), vencedores do Jabuti, bem como “Partidas” (1976), “Trouxa Frouxa” (2000) e “Vento sul” (2011).
Em texto de divulgação no site da editora Fósforo, a prosa de Vilma Arêas é descrita como “tão saborosa quanto inclassificável: vai do teatro à crônica, da descrição de aparente objetividade à narrativa de amor”. Autores como Clarice Lispector e Martins Pena podem ser vistos como inspirações, afinal, a eles Vilma dedicou anos de pesquisa. Sobre a amiga Clarice, por exemplo, escreveu “Clarice Lispector com a ponta dos dedos” (2005), reconhecido com o Prêmio APCA na categoria Literatura. O grande mérito de Vilma, porém, foi beber dessas fontes e ter conseguido criar um estilo próprio, bem característico de alguém que enxerga o mundo evitando naturalizá-lo.
— Vilma preferiu escrever “aos trancos e relâmpagos”, como já avisava no título de seu segundo livro, preferindo formas breves e velozes, mais aptas a acompanhar os requebros, os cômicos e os trágicos, disso que, para o gasto da conversa, vamos chamar de vida — destaca Samuel Titan Jr.
— Aprendi com a escrita de Vilma Arêas que se deve estar sempre a dez centímetros do chão: não para se desligar da vida, mas para se ligar ainda mais a ela, como uma forma de poder experimentar, ao mesmo tempo, graça e melancolia, doce e amargo, público e privado, tragédia e comédia. Um modo de estar pronta para olhar nos olhos o que vier — reforça a escritora Marília Garcia, em texto de introdução para “Todos juntos”.