Edmundo Siqueira
29/06/2022 15:57 - Atualizado em 29/06/2022 18:44
O ano era 1888. Um ilustre campista andava pelas ruas da cidade, para comprar uma caneta tipo “bico de pena”. Mas não seria para um uso corriqueiro; seria usada na assinatura de um documento vital à luta que o próprio vinha travando há anos: a Lei Áurea.
O campista era José do Patrocínio — uma das figuras mais importantes dos movimentos abolicionistas do Brasil — que, segundo consta, teria entrado na loja de número 22, na Rua da Quitanda, para comprar a tal caneta. A loja escolhida foi a livraria ‘Ao Livro Verde’, que já naquela época tinha 44 anos de existência.
Hoje, a mesma livraria, no mesmo endereço, se orgulha em oferecer a Campos o título da cidade que possui a livraria mais antiga do Brasil, fundada em 13 de junho de 1844.
Lenda?
A história da caneta de Patrocínio é uma das lendas que permeiam a livraria — ainda no mesmo lugar, mas a rua mudou de nome algumas vezes, já sendo Barão de Cotegipe, Rua Bananal, e hoje Governador Teotônio Ferreira Araújo.
A uma quadra do Rio Paraíba do Sul, Ao Livro Verde foi fundada para atender a intelectualidade do além-mar que descia no antigo Cais do Imperador, pelo empreendedor português José Vaz Corrêa Coimbra. Depois, permanece, há quase um século, sob o comando da Família Sobral, que hoje tem como proprietário o comerciante Ronaldo Sobral.
A campista ‘Ao Livro Verde’ comemora 178 anos em atividade. Com longevidade reconhecida pelo Guinness Book, em 1995, e visitada por escritores como Carlos Heitor Cony e o cartunista Ziraldo, que por lá deixou um desenho e um autógrafo. E foi (continua sendo) palco de tantos lançamentos de obras dos escritores campistas.
A livraria passou por duas guerras mundiais, a gripe espanhola, golpes de estado no Brasil e ainda atravessa a atual pandemia atual da Covid-19, sem nunca ter encerrado as atividades, vendendo livros e material de papelaria, mantendo tradições e mostrando, em suas histórias e lendas, a importância histórica da terra Goytacá, banhada pelo Paraíba.
Se alguém quiser contestar as lendas que a Ao Livro Verde guarda, certamente terá dificuldades.
Nome, importância e amor aos livros
“José Vaz Correia Coimbra, anunciam ao respeitável público que acabaram de abrir sua casa de negocio (...) para vender o seguinte: um variado sortimento de obras e mais pertences para escolas de instrução primária, secundaria, bem como novelas, historias e romances (...)”.
Assim (com adaptação para o português atual) foi anunciada sua criação no jornal Monitor Campista — outro marco na história de Campos, sendo o terceiro jornal mais antigo do Brasil se ainda estivesse em circulação —, na sua edição de número 419, de 02 de julho de 1844. O monitor dava conta que o comércio seria chamado de “Loja do Livro Verde”.
O nome Livro Verde possui diversas referências históricas, como a obra homônima do ditador líbio Muammar al-Gaddafi. Na Irlanda e nos Estados Unidos, um livro verde é uma espécie de um relatório governamental. A origem exata do nome da livraria campista ainda é um mistério.
Quando fez 150 anos, Ao Livro Verde foi destaque também na imprensa nacional. O Jornal O Globo, em editorial no ano de 1994, dizia que "não se perdeu pelo nome a livraria de Campos, com o registro de mais antiga do país”, e ressaltou “a longevidade significado e importância de Ao Livro Verde”.
Escritores do peso de José Cândido de Carvalho utilizaram a livraria como cenário de sua obra prima, “O Coronel e o Lobisomem”. No último romance do escritor, “O Rei Baltazar”, havia um personagem inspirado no pai do atual proprietário de Ao Livro Verde, de quem o escritor era amigo.
Um livro, a Bíblia, mudou o mundo, vale ressaltar. Porém, muitas livrarias sucumbiram pela era digital, e não raro comenta-se sobre a possível morte definitiva dos livros. Mas eles resistem. Os cheiros, as letras impressas que criam imagens mentais e o barulho do esfregar do polegar nas viradas de páginas, parecem ainda encantar consumidores.
A livraria mais antiga do Brasil era de propriedade de um alemão, Max Zuchner, que a administrou durante a Segunda Guerra. Sua terra natal e o Brasil eram inimigos mortais. Sequer as grandes guerras foram suficientes para que as portas da Ao Livro Verde fechassem. Pelo que conta toda essa história, os livros e as penas resistirão, bravamente.