Manda quem pode, obedece quem não tem o mínimo de juízo
Fellipe Sampaio/SCO/STF
Neste sábado (3), o ministro do STF que Bolsonaro escolheu (o presidente da República tem o poder de indicar ministros do Supremo Tribunal Federal, segundo a Constituição) já mostrou o que foi fazer lá. Em uma canetada individual, Kassio Nunes Marques concede uma liminar que permite a realização de cultos e missas presenciais em todo o país, durante a pandemia. A decisão atende pedido da Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure).
O ditador romano Júlio César divorciou-se de sua segunda esposa, Pompéia, no ano de 63 a.C., fato que deu origem a um famoso provérbio: "A mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta". Se a decisão de Nunes Marques não foi unicamente para agradar uma das principais bases políticas de Bolsonaro — os evangélicos —, ela pareceu assim. Bastante. E esse não foi seu único problema.
Colocando a toga a serviço dos absurdos negacionistas, o novato do Supremo reconhece, na própria decisão, que a Anajure não tem legitimidade para propor a ação. “(...) Em 17/02/2021, este Tribunal considerou que a ora autora não seria parte legítima”. Depois de justificar isso com teses insustentáveis, reconhece ainda que o pleno do STF já decidiu sobre a mesma questão, de forma contrária a que ele agora, monocraticamente, concorda. Como se não bastasse, Nunes Marques se supera mais adiante. Cita julgado americano colocando ainda mais em dúvida sua capacidade jurídica — e de discernimento. Diz a liminar: “a Suprema Corte dos Estados Unidos considerou legítima a restrição de público em cultos religiosos”. Pouco se viu de mais subserviente e estapafúrdio no Supremo.
Ultrapassamos hoje no Brasil a nefasta marca de 4.000 mortes em um dia pelo Covid-19. Decisões de flexibilizar aglomerações, neste momento, devem ser encaradas com realmente são: genocidas. Como controlar todos os templos religiosos no Brasil, para que cumpram medidas sanitárias e respeitem os limites máximos de lotação? O real motivo para impor que fiéis exerçam sua fé participando de cultos e missas, presencialmente, tem motivos nobres e religiosos ou tem relação com lucros de venda de produtos religiosos e com o recebimento de doações?
Nunes Marques começou pecando em seu ofício. Embora a religião, qualquer que ela seja, se mostre essencial e cumpra um papel fundamental para que possamos superar a pior crise sanitária de nossa época, ela não é exclusivamente vivida em templos. Todas as religiões pregam a defesa da vida. Não o contrário. Estaria o ministro a serviço de falsos messias e mercadores da fé, ou estaria atendendo a interesses políticos de quem o escolheu para estar onde está? Se estiver cumprindo ordens, não tem juízo algum.

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    Edmundo Siqueira

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