A cultura costuma ficar na “segunda divisão” nas propostas de governo durante a campanha e — de forma ainda mais grave — na execução desses programas, após o grupo político ser eleito. Pouca atenção se dá ao tema cultura, que costuma ficar atrelado, apensado às propostas de educação e turismo.
Em Campos, não está sendo diferente. Os planos de governo dos dois candidatos que estão no segundo turno, tratam de forma rasa a cultura. O de Caio se rende ao usual e coloca a cultura como um apêndice da educação. Wladimir dedica um item exclusivo à cultura, mas aprece em penúltimo, quase no rodapé do plano.
O descaso com a cultura não foi exclusividade das discussões para o executivo Goytacá. Apesar da aparente renovação aparente da Câmara de Vereadores, ela não aconteceu de fato. Os legisladores eleitos representam, em sua maioria, grupos políticos já tradicionais. E além de não ter nenhuma mulher entre os eleitos, igualmente não tem nenhum vinculado às pautas culturais.
A cultura é um aspecto central da identidade de um povo, seja em uma cidade ou no país. Cultura forma valores, ideias, fortalece e dialoga com tradições, crenças, preferências de uma sociedade. Se não bastasse sua importância — que já deveria ser prioridade para qualquer governante, a cultura também é uma enorme fonte de receita, emprego e renda.
De acordo com o relatório Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil (“economia criativa” é a área que engloba cultura, design, tecnologia e mídia), publicado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN), a área gerou riqueza anual de mais de R$ 155 bilhões. O setor criativo é responsável por mais de 2% do PIB nacional, empregando mais de 850 mil pessoas (dados de 2015). Para efeito comparativo, em 2017, as montadoras automobilísticas empregavam 126,3 mil trabalhadores. Ainda informa o relatório que 56% dos entrevistados haviam frequentado pelo menos uma atividade cultural.
Em rede social, a diretora do Arquivo Público, Rafaela Machado, trouxe aflições culturais após analisar os dois planos. Após matéria da Folha, de Matheus Berriel, que traz os pontos da cultura nos planos, Rafaela desabafa (confira em seu perfil no Facebook):
“Somos a primeira ponta de corte, e sempre a última e menor fatia do bolo. A impressão que tenho é que o grande guarda-chuva do setor cultural está sempre com o pires nas mãos, sempre à cata de recursos minguados que nunca chegam!”.
E também faz um apelo e esclarece:
“Mais do que uma crítica, eis aqui um pedido para que vejam a cultura de uma forma mais coerente com a sua própria importância. Mostrem que se preocupam! Mostrem que têm o mínimo conhecimento do que somos, de quem somos e de que sim, somos importantes! Digo “somos”, pois me enquadro entre os agentes culturais, fazedores de cultura (somos todos!), gestores culturais - gente que vive e se dedica a uma causa tão relegada e que vocês têm demonstrado tão pouco conhecimento! Os equipamentos culturais da prefeitura estão expostos, desassistidos! com seus funcionários dispensados sem receber seus salários desde maio (com os salários atrasados desde antes). Como qualquer candidato a prefeito pode querer arrumar o seu quintal, a sua grama ou o seu jardim, quando a sua própria casa está desmoronando?”
Para avaliar os planos de governos dos candidatos que estão no segundo turno, relacionado à cultura, foram convidados alguns campistas que entendem do assunto e não colocam a cultura na “segunda divisão”:
Marcelo Sampaio, presidente do Conselho Municipal de Cultura (Comcultura):
Como de costume, lamentavelmente, os programas de governo dos candidatos à Prefeitura de Campos não dão à área da Cultura o destaque que merece. Acredito que um dos motivos é a pouquíssima intimidade com o assunto dos pretendentes ao referido cargo. Outro fato em comum entre as propostas de Caio Vianna e Wladimir Garotinho que considero gravíssimo é a ausência do Conselho Municipal de Cultura, que parece inexistir para os dois. Será que eles sabem da existência do nosso Comcultura? Na verdade basta a quem for eleito começar a colocar em prática as propostas do Plano Municipal de Cultura, o primeiro da história de Campos elaborado em reuniões públicas e que contém políticas culturais a serem desenvolvidas até o ano 2031. O futuro prefeito vai encontrar o município com o seu CPF cultural; Conselho, Plano e Fundo Municipal de Cultura; rigorosamente em dia. Um Conselho atuante e democrático, um Plano pronto e amplo, e um Fundo ativo e transparente. É o grande legado da gestão da sociedade civil!
Graziela Escocard, Diretora do Museu Histórico de Campos:
Senti falta nos planos apresentados pelos candidatos a valorização e investimentos acerca dos agentes culturais (produtores, músicos, atores, cantores, artistas plásticos) do município. É preciso reconhecer e fomentar a ação destes promovem e difusão cultural no âmbito regional, através de projetos permanentes, além é claro de ceder os aparelhos culturais para o desenvolvimento de ações. Em relação aos equipamentos culturais os dois planos não abrangem todos e nem suas especificidades. O candidato que vier assumir nossa prefeitura necessita delegar uma equipe técnica comprometida, para adequar e elaborar um melhor plano de governo que esteja em acordo com as necessidades de cada equipamento. Lamento que o Museu Histórico de Campos que é considerado pelo Inepac a maior instituição museal do Norte Fluminense, que já teve cerca de 250 mil visitantes, desde 2012 até março de 2020, não foi citado em nenhum dos dois planos. Aparelho este que possui uma especificidade técnica que compromete totalmente seu funcionamento. Também não encontrei em nenhum dois dois planos citação acerca de concurso público para a área cultural. Questão essa que verificamos neste ano como é imprescindível para a continuidade e manutenção dos aparelhos culturais da prefeitura. No entanto, devo reconhecer que o plano do candidato Wladimir Garotinho, traz uma importante proposta de diálogo constante entre o poder público e a sociedade civil ao citar o patrimônio histórico de Campos. Esse é o caminho para a construção de uma gestão democrática!
Kátia Macabu, presidente do Fórum Regional de Cultura do Norte Fluminense:
Como professora, diretora de teatro, atriz, agente e gestora cultural de Campos dos Goytacazes preciso me manifestar nesse momento tão importante para a vida de todos e todas que em nosso município vivem: a realização do segundo turno de 2020. Em nome dessa população, tão distante dos bens educacionais e culturais, assim como de saúde, transporte, emprego e apoio social, só poderia dizer que não encontro esperança imediata para o setor cultural. Os dois candidatos, que se apresentam para assumir o executivo municipal, pouco ou nada entendem dessa área. Mas, pelo menos, no plano de Wladimir há um setor exclusivo dedicado à cultura, o que, convenhamos já pode ser considerado um avanço para um município que tem relegado esta área de há muito tempo. E por que digo isso? Ora, enquanto os governantes acharem que precisam fazer ações pontuais, os chamados eventos culturais para entretenimento e lazer, não se preocupando com o cerne da questão que toda gestão séria tem que ter, ou seja, política pública traçada para cada setor de desenvolvimento humano, social, econômico e cultural, não poderemos dizer que haja , de fato, um programa benéfico para os munícipes. No entanto, trago aqui uma grande esperança: o Conselho Municipal de Cultura, numa atuação histórica, especialmente nesse ano de 2020 com a presidência ocupada pela sociedade civil, deixa talvez o maior dos legados rumo à estruturação de política cultural de Campos dos Goytacazes: nosso Plano Municipal de Cultura, do qual tive a honra de ser relatora. Ele apresenta, para o período de 2021 a 2031, 4 (quatro) diretrizes - descentralização; democratização; desenvolvimento sociocultural e o econômico - 2 (dois) objetivos gerais que exprimem onde queremos chegar com as ações do Plano: [1] Identificar os segmentos, fazedores e fazedoras da cultura, por meio de registro e mapeamento, para possibilitar-lhes reconhecimento, profissionalização e preservação e [2] incentivar os fazedores de cultura a produzir, promover e sensibilizar por meio da cultura. Esses fundamentam 5 (cinco) objetivos específicos: [1] Produzir; [2] Mapear; [3] Capacitar; [4] Gerir e [5] Descentralizar. A partir desses objetivos, há um conjunto de 25 (vinte e cinco) estratégias e 37 (trinta e sete) metas, das quais derivam 83 (oitenta e três) ações com vistas à efetivação de todos os objetivos, diretrizes e metas. Logo, só posso afirmar que o vencedor do pleito eleitoral desse domingo não precisará de muito para pôr Campos em seu lugar de destaque na cultura, basta seguir essa jornada utilizando o mapa de navegação: o Plano Municipal de Cultura de Campos dos Goytacazes.
Texto completo da historiadora e diretora do Arquivo Público, Rafaela Machado:
A matéria do Matheus Andrade Berriel é do dia 17/11, mas eu só tomei conhecimento da mesma no dia de hoje. Não dei minha opinião política antes, como não darei agora. Respeito o meu cargo como técnico e não farei dele objeto de barganha política, embora me entenda como uma pessoa política por natureza. É como pessoa política e cidadã apaixonada pela cultura que aqui estou. É por acreditar que é de extrema importância e de grande necessidade no momento atual experimentado por todos nós, principalmente, dos que vivem as expectativas da área cultural, que analisemos mais a fundo algumas questões que considero centrais nos planos de governo de Wladimir Garotinho e Caio Santos Vianna. Não é segredo para ninguém o lugar que a cultura tem ocupado nos projetos de governo, quer seja na esfera nacional, quer seja aqui! Somos a primeira ponta de corte, e sempre a última e menor fatia do bolo. A impressão que tenho é que o grande guarda-chuva do setor cultural está sempre com o pires nas mãos, sempre à cata de recursos minguados que nunca chegam! E vejam só, a matéria de Matheus expõe a face mais cruel disso tudo: os planos de governo de Caio Santos Vianna e Wladimir Garotinho! E junto a eles, as falas muitas vezes tão nítidas de quem desconhece de fato a cultura do seu próprio município! Quando perguntados sobre qualquer questão que envolva a cultura - um mais, outro menos -, as respostas são quase sempre efusivas e tacanhas para quem quer ouvir sobre o lugar da cultura nas políticas de governo de cada um. Candidatos: mais do que uma crítica, eis aqui um pedido para que vejam a cultura de uma forma mais coerente com a sua própria importância. Mostrem que se preocupam! Mostrem que têm o mínimo conhecimento do que somos, de quem somos e de que sim, somos importantes! Digo “somos”, pois me enquadro entre os agentes culturais, fazedores de cultura (somos todos!), gestores culturais - gente que vive e se dedica a uma causa tão relegada e que vocês têm demonstrado tão pouco conhecimento! Minha questão central é: será que ambos entenderam que a Prefeitura antes de criar políticas culturais para a cidade precisa arrumar a sua própria casa? Alguém precisa informa-los que OS EQUIPAMENTOS CULTURAIS DA PREFEITURA ESTÃO EXPOSTOS, DESASSISTIDOS! Não é só a Biblioteca que está fechada, meus caros! TODOS os equipamentos culturais da Prefeitura estão fechados desde março, com seus funcionários dispensados sem receber seus salários desde maio (com os salários atrasados desde antes). Como qualquer candidato a prefeito pode querer arrumar o seu quintal, a sua grama ou o seu jardim, quando a sua própria casa está desmoronando? Todas as instituições culturais do município já poderiam ter retomado o atendimento desde que feito com agendamento e organização. No entanto, não há sequer previsão disso! E qual dos candidatos fala sobre isso? Qual deles estabeleceu um plano de retomada de atendimento ao público? Comparando o plano de governo dos dois, o plano de Caio parece ter sido elaborado por alguém ou por uma equipe que ainda carece de conhecer melhor nossa realidade. A cultura precisa ser concebida em seus aspectos muitos mais amplos do que um simples campo dentro da educação! É, no mínimo, desconcertante que ainda hoje a cultura não seja percebida em seus reais aspectos e como nicho de políticas próprias que abarcam outras (e não apenas dentro de outras, como a educação). Nesse sentido, o plano de Wladimir é muito mais completo e criterioso, embora ainda peque por omissões do “como fazer”. Boas propostas carecem de bons encaminhamentos! Caio demonstra uma peculiar preocupação com o carnaval - que merece sim especial atenção , mas se esqueceu que a própria Prefeitura vai precisar cuidar das suas Casas de Cultura, Teatros, Museus (um caindo), Biblioteca, Palácio da Cultura e Arquivo... E aqui advogo com conhecimento de causa. O Arquivo e o Solar clamam por cuidados, clamam por manutenção. Nenhuma equipe, por melhor que seja, nenhuma secretaria por mais bem intencionada que esteja, conseguirá desenvolver políticas definitivas para o Arquivo e o Solar sem que a própria Prefeitura como um todo se comprometa com isso. Wladimir e Caio mencionam o turismo e seu espetacular potencial na região, mas pouco mencionam que a efetividade do sucesso do setor requer investimentos em infraestrutura e mão de obra. Turismo - histórico, ecológico, não se faz sozinho! O setor cultural dá trabalho e acredito que todos os políticos de carreira bem podem atestar isso. Não somos meia dúzia e estamos atentos! Sabemos da necessidade de reinvenção, de dinamização, mas o poder público tem que saber também das suas responsabilidades para com o setor. Os equipamentos culturais da Prefeitura – e aqui falo particularmente pelo Arquivo – precisam desse olhar atento. Além disso, é o próprio poder público, é a própria prefeitura, é o próprio futuro prefeito, quem devem entender as potencialidades do setor! Caio e Wladimir uma vez eleitos, precisam estar atentos às especificidades dos seus braços culturais, o potencial de cada um e, de uma vez por todas entender que nem todo cargo nessa Prefeitura deve ser preenchido por figuras políticas. Há locais que exigem profissionais com qualificação técnica! Quando o próximo prefeito começar o seu governo, pode (e deve) começar por retomar os contratos de todos os funcionários da cultura demitidos em maio último. Deve começar por valorizar esses profissionais que além de extremamente técnicos, guardam em suas funções anos de dedicação e empenho que não se encontra em qualquer indicação para ocupação de cargo. Isso fala mais do que qualquer politicagem. Isso fala sobre a boa política e sobre a boa gestão.
