A elite atrasada, o "homem cordial" e o caudilhismo - Do país de Lula ao país que elegeu Bolsonaro
Mercado da Rua do Valongo, de Debret. A pintura mostra negros esqueléticos e cordiais no
Mercado da Rua do Valongo, de Debret. A pintura mostra negros esqueléticos e cordiais no "bazar onde se vendem homens", nas palavras do pintor (Foto: Jean-Baptiste Debret/Acervo da Fundação Biblioteca Nacional/Divisão de Iconografia)
 
Em qualquer grupo de esquerda festivo e cirandeiro, que se preze como tal, Sérgio Buarque de Holanda é um dos principais animadores. O historiador, que faleceu no início dos anos 80, ocupa esse lugar por questões subjetivas – é fundador do PT e pai do músico e ativista Chico Buarque – e objetivamente é autor de um conceito caro ao pensamento progressista ligado ao lulopetismo: “o homem cordial”.
Esse conceito criado em seu livro “Raízes do Brasil”, publicado em 1936, expõe uma característica ambígua do brasileiro médio. A polidez dissimulada, uma espécie de afetuosidade natural permissiva. Em uma passagem do livro, Sérgio Buarque diz que essa polidez na verdade “detém-se na parte exterior, epidérmica, do indivíduo, podendo mesmo servir, quando necessário, de peça de resistência. Equivale a um disfarce que permitirá a cada qual preservar inatas suas sensibilidades e suas emoções”. Ora, o autor coloca como resistência uma tendência ao patrimonialismo e clientelismo. Reduz o povo brasileiro a um ser emotivo, pouco ligado à razão.
Jeitinho Brasileiro.
Jeitinho Brasileiro.
Outra passagem evidencia isso: "cada indivíduo afirma-se ante os seus semelhantes indiferentes à lei geral, onde esta lei contrarie suas afinidades emotivas, e atento apenas ao que o distingue dos demais, do resto do mundo". Aqui, de forma mais explicita, o “jeitinho brasileiro” é exaltado. Em resumo, “farinha pouco, meu pirão primeiro”. É como se o brasileiro fizesse eternamente um exercício de adaptação da realidade, onde os interesses privados tivessem sempre primazia nos interesses coletivos.
Essa posição conceitual acabou favorecendo e justificando o distanciamento de parte da esquerda do homem comum. Restringindo seus debates aos meios acadêmicos e encontros festivos onde só se fala para si mesmo e para convertidos. Além de servir de base ideológica para um processo profundo de imbecilização da classe média para favorecer o grande capital e a elite política. E isso tudo aliado à visão desse campo da esquerda que se agarra como uma rêmora ao lulopetismo histórico para ainda sair como o único caminho de bondade, verdade e luz.
A “carta ao povo brasileiro” (texto assinado em junho de 2002 pelo então candidato à presidência da república do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, onde subjuga-se definitivamente ao setor econômico e financeiro) é emblemática. O Partido dos Trabalhadores – apesar de promover alguma mobilidade social, diminuindo desigualdades – se aparelha de patrimonialismo, usa o “homem cordial” como justificativa moral e promove toda sorte de conciliação espúria com o grande capital. Tudo isso apoiado também pelo caudilhismo.
Lula e Bolsonaro - cada um com o uso do caudilhismo e populismo do seu jeito. O primeiro alicerçado como
Lula e Bolsonaro - cada um com o uso do caudilhismo e populismo do seu jeito. O primeiro alicerçado como "pai dos pobres" o segundo como defensor da moral e bons costumes apoiado por igrejas neopentecostais
Não se pretende aqui trazer revisionismos históricos e retóricos para o uso do termo “caudilhismo”, mas é necessário trazer o conceito de caudilho como liderança carismática, ligada ao poder econômico ou militar, muito presente em países latino-americanos de origem hispânica, personificado na figura de Simón Bolívar que se auto proclamava “libertador da américa”. Necessário para explicar figuras intocáveis como Lula para boa parte da esquerda. E também a ascensão de outras personas como o presidente Bolsonaro.
A realidade brasileira já produziu caudilhos mais significativos como Getúlio Vargas e Brizola. Mas o ex-presidente Lula e Bolsonaro representam exemplos mais claros — e atuais — de um caudilho extremamente ligado ao populismo nacionalista típico do continente americano, que é alicerçado em ideias como a existência de um inimigo externo ou interno a ser combatido, de refundar a nação, de ataque à imprensa e a visão que seus oponentes são seus inimigos. E ainda, essencialmente, em alimentar uma visão maniqueísta de mundo.
A eleição de Bolsonaro — e a consequente criação do bolsonarismo lavajatista e olavista — pode ser explicada, como fenômeno social, através da observação ativa, como participante do processo, uma vez que se origina de processos históricos ligados ao conceito do “homem cordial” e as consequências da fracassada experiência petista no poder. Não é um movimento orgânico popular. É uma consequência histórica.
A utopia de uma evolução natural desse processo histórico morreu, como a maioria das utopias, com a eleição de uma extrema direita que tem como modus operandi o conflito. Porém novas utopias podem surgir. Utopias agem como impulsionadoras se conduzidas ativamente. Basta deixarmos o “homem cordial” no passado e caudilhos nacionalistas nesse mesmo lugar na história.

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