Mulheres elevam mulheres a partir de documentário que uni jazz, colonialismo, perseguição e Guerra Fria
Dora Paula Paes - Atualizado em 19/03/2025 07:37
 
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Duas mulheres, intelectuais, 60+ e recém saídas de uma sala de cinema. O cenário, um chopp, num bistrot do Reserva (prédio que integra o caminho Niemeyer, em Niterói, onde o cinema está localizado). Ainda impactadas pela produção, a campista Sandra Rebel Gomes (professora e pesquisadora da UFF) e Elina Pessanha (professora e pesquisadora da UFRJ) escreveram, juntas, o ensaio com abordagem no documentário “Trilha Sonora para um golpe de Estado”, de 2024. No trabalho, elas focaram no papel do jazz nos embates envolvidos na luta pela libertação do Congo Belga e sobre duas mulheres destacadas pelo diretor, o belga Johan Grimonprez, na produção indicada ao Oscar 2025. O trabalho de Sandra e Elina ganhou espaço na edição da Ocupação Mulheres BVPS (Biblioteca Virtual do Pensamento Social) e chamou atenção pela coesão e relevância em todos os cenários com mulheres à frente do seu tempo. No caso, elas jogaram luz sobre os papéis desempenhados por Melba Liston, trombonista, e Andrée Blouin, ativista e negociadora política.
Um dos documentários, considerado pela crítica como de extrema relevância nas últimas décadas, foi indicado ao Oscar na categoria Melhor Documentário. O longa mergulha no protesto da cantora Abbey Lincoln e do baterista Max Roach. Os os invadiram o Conselho de Segurança da ONU, em 1961, e denunciaram o assassinato de Patrice Lumumba, então primeiro-ministro morto meses depois de sua posse e da independência do Congo Belga. “Trilha Sonora para um Golpe de Estado”, uni jazz, colonialismo, perseguição e Guerra Fria, numa mesma película. Na tela, depoimentos de artistas como Nina Simone, John Coltrane e Louis Armstrong dão um tom desse grito de libertação.

— Partiu de Elina a ideia de voltarmos a escrever juntas, desta vez sobre o filme, o papel do jazz nos embates envolvidos na luta pela libertação do Congo belga e sobre duas mulheres destacadas pelo diretor do documentário, o belga Gripompez. Tivemos um prazo muito curto para escrever o ensaio, forma de comunicação que quase instintivamente escolhemos para o texto. Nas palavras de um amigo querido, professor Marco Antonio Melo, colega da UFF, que nos escreveu elogiando e apreciando o nosso trabalho, "o ensaio é um gênero de expressão e modo instigante, delicado e conciso de apresentar argumentos complexos" — conta Sandra.

Segundo Sandra, ela e sua parceria neste ensaio, priorizaram os principais personagens destacados pelo diretor — além das mencionadas Melba Liston, trombonista e Andrée Blouin, ativista e negociadora política, mostramos como também Lumumba, Fidel Castro, Malcolm X, Kruschev, Eisenhower, Louis Armstrong e outros líderes políticos, musicistas, militantes estiveram envolvidos, a favor ou contra a luta pela libertação do Congo Belga. — Procuramos mostrar no ensaio como uns e outros se envolveram intensamente e se articularam organicamente em torno do golpe de estado que se deu especificamente no Congo (lembrando que na mesma época, outros países africanos estavam igualmente envolvidos em suas lutas contra o colonialismo e pela sua libertação) — ainda sintetiza.
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Andrée Blouin, nascida em 1021, na hoje República Centro-Africana, era filha única de um comerciante francês e de uma jovem chefe tribal. A união, conta o ensaio, fruto de pesquisa biográfica, conta que ela era punida por freiras do orfanato em que viveu por “para expiar a ‘maldade’ de seu pai e ‘a natureza primitiva’ de sua mãe”, casada por duas vezes (homens brancos e racistas) só foi com a morte do filho que veio odespertar político...Findou o combate da vida em 1986, aos 64 anos.
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Já Melba Liston, do Kansas City (Missouri - EUA), de 1926, ganhou da sua mãe um trombone aos 7 anos. Mas foi na Jamaica, após trajetória de sucesso na música, que ela se envolveu e ensinou crianças a ler música e despertar para o jazz. Combatente da desigualdade no meio musical, ela morreu aos 73 anos, em 1999.

O trabalho faz parte da edição da Ocupação Mulheres BVPS. “Marcar as homenagens devidas às mulheres na semana do dia 8 de março, foi objetivo da BVPS e nosso”, disse. “Trilha Sonora para um golpe de Estado” não levou a estatueta (o escolhido “Sem Chão”, que levanta a questão do genocídio palestino), porém, ficou guardado no coração dessas duas mulheres, brasileiras, com voz e espaço para divulgar suas ideias. Para o crítico Eduardo Vessoni (do Terra): “o filme escreve a História com música e faz da sua trilha sonora, história”.
 
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SANDRA REBEL
Nascida em em Campos e aí morei até os 16 anos. Primário no Externato Regina, ginásio (ensino médio) no “glorioso” Liceu de Humanidades de Campos e 1º normal no Instituto de Educação, no ano de 1967, quando mudou para Nitéroi. Ela é filha de Rizza Paula Rebel Gomes, professora, e de Francisco de Assis Gomes, comerciante (dono da sapataria Casa Nova, situada na rua 7 de Setembro).

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ELINA PESSANHA
Antropóloga, nascida em Niterói e onde ficaram amigas. Elina é viúva do sociólogo de origem campista Charles Pessanha, que além de professor e pesquisador, foi editor da Revista Dados, do IUPERJ, figura proeminente da área de comunicação científica. A ele, falecido em julho de 2024, as pesquisadoras dedicaram o ensaio.

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