Há sonhos marcantes e recorrentes na minha vida, embora meu sono, atualmente, seja curto, superficial e tumultuado. Na década de 1990, sonhei que existia um terceiro rio entre o Guaxindiba e o Itabapoana. Eu conhecia mal, na época, o antigo sertão de São João da Barra, hoje município de São Francisco de Itabapoana.
Conversei sobre o sonho com um amigo espírita. Ele me explicou que eu devia ter conhecido um rio, hoje não mais existente, numa encarnação anterior. No sonho, o rio era tão vivo que a interpretação do meu amigo não me convenceu. Contei o mesmo sonho a um professor psicanalista. Sua interpretação foi quase literária. O rio, para ele, representava a terceira margem da minha vida, pois ficava entre dois que eu já conhecia. Era Guimarães Rosa com seu conto antológico “A terceira margem do rio”. Essa interpretação também não me convenceu.
Pedi a uma pessoa o favor de dirigir um fusquinha que eu possuía na época pelo território de São Francisco em busca do rio. Passamos pelo rio Guaxindiba. Daí em diante, no verão, existe um mundo de água acumulada. Com olhos bem abertos e atentos, encontrei um riacho antes de chegar a Barra do Itabapoana. Lá estava o rio do meu sonho. Minha explicação: eu passara por ele e o registrara no meu subconsciente. O sonho o trouxe à tona. Ele existia. A pesquisa sistemática me revelou outros córregos no mesmo território posteriormente.
Existem quatro dimensões na realidade do mundo. Normalmente, reconhecemos três: largura, altura e profundidade. Um cubo as representa bem. Mas, o tempo cria a quarta dimensão. Pensem num objeto exposto ao tempo cronológico. Uma casa, por exemplo. Ela tem três dimensões, mas, expostas ao tempo cronológico, as três dimensões da casa sofrem desgaste. Sem os devidos cuidados, a casa pode ruir e desaparecer. As três dimensões ganham uma quarta com o passar do tempo.
O sonho é como que uma quinta dimensão. Outro mundo pode aparecer nele. Desejos irrealizáveis nas quatro dimensões da realidade podem ser satisfeitos na dimensão do sonho. Mulher e homem podem ser polígamos num mundo monogâmico. O sonho é o território da liberdade. E o melhor do sonho é que ele não gera sentimento de culpa. Mas, pode trazer incômodos.
Um dos dois sonhos recorrentes meus que ainda hoje me atormenta me mostra entrando em sala de aula descalço e sem camisa, usando apenas uma calça. Morro de vergonha no sonho. Dentro dele, pergunto por que estou quase nu. O que dirão os alunos de mim. Como reagirão meus colegas ao saberem que vou para a faculdade assim. Não consigo evitar essa recorrência. Sinto-me culpado dentro do sonho, mas acho graça quando acordo. É o mesmo e velho sonho que me acompanha por 40 anos, mesmo dormindo mal atualmente.
Outro sonho recorrente me agrada e me angustia ao mesmo tempo. Faz tempo, sonho com uma dimensão inexistente no Norte Fluminense. Sonho com uma estrada que, ao ser atravessada, conduz a um conjunto de lagoas. Inicialmente, pensei que esse sonho era uma espécie de registro da realidade. Como no caso do rio de São Francisco de Itabapoana. Não era. Vasculhei mapas novos e antigos. Não havia lugar para essas lagoas tão belas e selvagens. Lagoas que escaparam do implacável processo de drenagem por particulares e pelos governos.
No mundo de quatro dimensões, eu queria proteger lagoas inexistentes. Diante de tanta destruição, parece que eu criei, na quinta dimensão do sonho, lagoas virgens com três dimensões imutáveis. Elas não sofriam e não sofreriam o desgaste natural e artificial do tempo cronológico. No sonho recorrente, eu criara uma unidade de conservação para proteger eternamente aquele conjunto de lagoas de água límpida, vegetação nativa, peixes e aves.
Voltei a sonhar recentemente com esse conjunto de lagoas. Infelizmente, a quarta dimensão penetrou nelas. A primeira notícia informou-me que obras de drenagem chegaram a elas. A informação me desagradou, mas não consegui chegar a elas dessa vez. Como são lagoas costeiras, soube que abriram um canal que as ligava ao mar.
Há poucos dias, um novo sonho me levou às lagoas. Elas estavam muito mudadas. A vegetação aquática havia sido removida. As aves desapareceram. Várias casas foram construídas em suas margens. Os canais abertos para ligá-las ao mar eram regulados por comportas modernas. Parece que um grupo empresarial holandês cuidava do seu manejo. Havia peixes e barcos. Por todo lado, a agricultura dominava. Não me lembro de gado. O ambiente era europeu e não brasileiro. As quatro dimensões do mundo real haviam invadido a quinta dimensão do sonho. Minha área protegida, meu refúgio onírico, tinha sido invadido.