Cientistas da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) fizeram o primeiro registro, no Norte Fluminense, de um pequeno marsupial raramente encontrado na América do Sul: uma catita do gênero Cryptonanus. O registro é o segundo em todo o Estado do Rio de Janeiro e o sexto no bioma Mata Atlântica. A pesquisa foi publicada na Revista Brasileira de Biologia. Restos do animal foram encontrados nas pelotas de regurgitos de um casal de corujas suindara em Campos dos Goytacazes.
Coordenadora da pesquisa, a professora Adriana Jardim de Almeida, do Laboratório de Clínica e Cirurgia Animal da Uenf, conta que tudo começou quando um casal de corujas da espécie Tyto furcata (popularmente conhecida como suindara, coruja-das-torres, coruja-da-igreja etc) resolveu morar no jardim de inverno de sua casa, situada próximo à avenida Arthur Bernardes.
“As corujas pousaram naturalmente em nossa residência. Dormiam de dia e saíam pra caçar de noite. Como elas estavam pegando sol e chuva, sem abrigo, encomendei uma caixa de madeira e um suporte de ferro, tipo de ar-condicionado, e a colocamos no alto. No dia seguinte, elas simplesmente estavam dentro da caixa”, conta.
A partir daí, veio a ideia de iniciar a pesquisa, que durou dois anos. Neste período, as corujas procriaram duas vezes, gerando dois filhotes em cada estação reprodutiva. “Nossa casa virou um laboratório. Três alunos bolsistas do PIBIC vinham trabalhar aqui, porque os vídeos ficavam gravados no aparelho de casa, ligado à câmera de segurança”, conta Adriana.
A análise das pelotas foi feita por pesquisadores do Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade da UFRJ (Nupem), situado em Macaé. Foram analisadas 265 pelotas recolhidas entre novembro de 2016 e setembro de 2017. A análise permitiu encontrar o total de 596 indivíduos de quatro espécies pequenas de mamíferos, sendo predominante o roedor exótico Mus musculus (98,3%).
Também foram identificados, em menor escala, os roedores nativos Necromys lasiurus (1,3%) e Holochilus brasiliensis (0,17%). Um único espécime de Cryptonanus foi identificado entre os itens com base em caracteres dentários.
De acordo com os pesquisadores, a presença do marsupial do gênero Cryptonanus nas pelotas das corujas sugere que este animal ocupa uma ampla faixa ecológica e biogeográfica no País. Até então, ele era encontrado em outros Estados, como Ceará, Goiás, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. No Estado do Rio de Janeiro, seu único registro, até este estudo, havia sido feito em Piraí, no Sul Fluminense.
“O marsupial distribui-se por biomas abertos da América do Sul, como o Cerrado, o Chaco, os Pampas e a Caatinga. É um dos gêneros menos conhecidos de marsupiais didelfideos devido à escassez de registros e espécimes em coleções científicas. O estudo, sendo o segundo no estado do RJ, sugere que sua distribuição pela Mata Atlantica seja mais ampla do que anteriormente proposto”, afirmam os pesquisadores no artigo publicado.
A coruja suindara tem grande importância no controle biológico de pragas rurais e urbanas de interesse em saúde pública. Um casal destas aves de rapina pode predar 3.700 roedores e 5.800 insetos ao longo de um ano.
“Graças a sua eficiência de predação, ela frequentemente inclui em sua alimentação espécies raras e dificilmente registradas por métodos tradicionais. O estudo de seus regurgitos é de grande relevância para conhecer a diversidade local de pequenos mamíferos e documentar a presença de espécies raras, além de permitir avaliar a possível função dessa ave de rapina no controle das espécies exóticas de roedores em áreas urbanas e periurbanas”, diz o artigo.
O trabalho em equipe foi possível graças à parceria entre Uenf e UFRJ, havendo a participação do professor Pablo R. Gonçalves, do mestrando Victor Coutinho da Silva e da graduanda Isabelle Chagas Vilela Borges. Pela UENF, participaram a professora Ana Bárbara F. R. Godinho e os então graduandos Rafael R. Ribeiro, Herika V.R. Dias, Kamila S. Rangel. Também houve a colaboração do médico veterinário da Prefeitura Municipal de Macaé (Semusa/Cepsacz) Jonhny A. Maia Júnior.