Sérgio Arruda de Moura: Morgan Freeman e a consciência humana
Sérgio Arruda de Moura - Atualizado em 27/11/2020 14:21
Infeliz daquele que abrir a boca pra polêmicas na rede. Corre o sério risco de ser cancelado por dividir a humanidade em duas partes: uma boa, outra ruim. Mas, qual é a boa? Qual é a ruim? Depende de que lado você esteja. Vão sobrar muito poucos para arrazoar, avaliar, refletir, levar adiante uma polêmica à maneira de um filósofo investigando a pertinência, válida ou não, de uma proposição. É nesse aspecto que a filosofia é rotulada como ciência no mapa do CNPq, embora não fora dele, porque investiga proposições, de dentro de seus próprios sistemas e no da linguagem, sem necessariamente tornar empíricos os seus achados.
Morgan Freeman, como todos sabem, é um grande ator hollywoodiano. Negro, não importando se branco fosse, mas principalmente por ser negro, reaparece todo ano por essa época de celebração do dia da Consciência Negra com a sua (suposta) afirmação postada pelos adeptos de sua sentença: “O dia em que pararmos de nos preocupar com Consciência Negra, Amarela ou Branca e nos preocuparmos com Consciência Humana, o racismo desaparece”.
Não investiguei se ele realmente disse isso. O fato é que, precisamente nessa época, sua sentença ganha relevo de novo. Não falta quem a repita, como também não falta quem se posicione das mais diversas formas a respeito dela.
A essa sentença junta-se outra, que se opõe frontalmente a ela: “Vidas Negras Importam”, tradução da sua versão original em inglês “Black Lives Matter”, mas não menos polêmica, formulada e prontamente viralizada logo em seguida à morte por assassinato do negro norte-americano George Floyd por um policial branco, com a cobertura de um outro.
A sentença teve seus efeitos de verdade e pedido de socorro, de novo, nesta última semana, quando o brasileiro João Alberto Freitas foi morto publicamente e também por assassinato por seguranças da rede Carrefour.
A postagem em rede de um rapaz negro brasileiro, que expressa sua opinião sobre mais esse evento violento de nossa vã realidade racista, engrossa a discussão, embora sem trazer nenhuma novidade. Diz ele em alto bom som e imagem: “Eu tô vendo toda essa movimentação sobre o que aconteceu com aquele cara (João Alberto) no Carrefour e depois o que fizeram, o vandalismo, dizendo que black lives matter, vidas negras importam. Eu sou totalmente contra isso, não sou a favor disso. A minha vida por eu ser negro importa, a vida de um companheiro meu, ou de um não conhecido que seja de pele branca também importa, amarela, seja lá o que for. Eles estão querendo atrelar tudo à condição negra, tudo à condição de cor... sabe? Tá uma coisa tão nojenta. As pessoas estão querendo colocar tudo como se fosse o racismo. Você sabia que o negro tem racismo com ele, tem o preconceito consigo mesmo?”
Consciência Humana, Consciência Negra, Black Lives Matter... O que corre na rede — texto, áudio e imagem — vira discurso, isto é, provocam por terem sido expressos a partir de um lugar por sujeitos reais. O que salta à vista, tanto em Morgan Freeman quanto no anônimo rapaz enojado, é a contradição, isto é, a não relação entre o que se diz e os seus pressupostos.
Freeman (repito, não sei se é de sua autoria e em que contexto falou) está certo de um lado, e errado, impreciso, inconsequente de outro. Se tivesse havido sempre equidade, respeito, história de vida e oportunidades iguais para brancos e negros, com os mesmos acessos aos bens públicos, à justiça, à saúde, à moradia, a transporte e educação, se nunca tivesse havido escravidão (o que ajudaria bastante), aí, sim, teríamos uma consciência humana redentora. Mas, essa consciência humana esbarra nela própria, daí a necessidade antes de uma Consciência Negra para que se reclame uma Consciência Branca.
Quanto ao rapaz indignado e enojado, o problema é bem mais grave. Mas a sua premissa é verdadeira: todas as vidas importam. O que ele não compreendeu foi o seguinte, inscrito em outra postagem esclarecedora a respeito dos mesmos eventos de violência contra negros em um singelo cartaz segurado por uma criança negra: “Nós dissemos — Vidas Negras Importam; Nunca dissemos — Apenas Vidas Negras Importam; Nós sabemos — Todas as vidas importam; Apenas precisamos de ajuda porque Vidas de Negros estão em perigo”.
A rede explica, mas a incapacidade de compreensão está em outro lugar, o lugar em que a tal consciência humana se encontra.

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