Sem salário e sem perspectivas: o cotidiano de RPAs e inativos
Paula Vigneron - Atualizado em 16/10/2020 19:30
Ana Beatriz está há cinco meses sem salário integral
Ana Beatriz está há cinco meses sem salário integral / Rodrigo Silveira
“Eu tenho câncer e tenho que ter o remédio para tomar, a fruta para comer. Tenho que me alimentar porque estou sem defesa nenhuma. A gente fica sem solução; ainda mais eu, sem saúde. Como uma pessoa desempregada vai ter as coisas?” O desabafo entre lágrimas de uma trabalhadora em regime de Recibo de Pagamento Autônomo (RPA), que preferiu não se identificar, é fruto de meses de espera por acerto salarial referente a cinco meses e meio antes da pandemia, quando foi dispensada, em março, entre a descoberta de dois tumores. Assim como ela, Rita, Flávia, Ana Beatriz, Ângela e outros milhares de servidores inativos e RPAs sofrem os reflexos cruéis da crise econômica que atinge o município. Na última quinta-feira (15), 60% do salário de setembro de aposentados e pensionistas foi depositado, mas a Prefeitura não determinou prazo para a quitação integral dos pagamentos de inativos e o acerto total dos RPAs do município.
Com 56 anos de idade, sendo 10 como RPA, e diagnosticada com câncer de intestino no ano passado, a trabalhadora contou que a dispensa do serviço veio poucos meses antes de ela enfrentar outra cirurgia e descobrir um novo câncer no fígado. Atualmente, ela passa pelo tratamento de quimioterapia para reduzir o tumor e, futuramente, realizar outro procedimento cirúrgico. Para conseguir se tratar adequadamente, a mulher conta com depósitos bancários feitos por amigos.
— Eu fiquei cinco meses e meio sem receber. Estava trabalhando quando fiz a primeira cirurgia no intestino. Recuperei do intestino, voltei a trabalhar e veio a descoberta de outro câncer no fígado. Agora, operei o fígado e não recebi pagamento nenhum para sobreviver, comprar remédios e fazer meu tratamento. Já pedi e já implorei. Venho vivendo de ajuda dos irmãos da igreja, de amigos. É uma situação lastimável — relatou.
Funcionária em regime de RPA, Rita, de 52 anos, está desde fevereiro com salários atrasados e disse não ver perspectivas de normalização. Para auxiliar nas contas, ela, que preferiu não identificar sua área de atuação, tem trabalhado com faxinas. Desde o ano passado, a mulher enfrenta problemas com a remuneração. Segundo Rita, ela ficou meses sem receber em 2019, mas o pagamento foi quitado, até que os atrasos recomeçaram este ano:
— Foi no período em que meu filho, que morreu em janeiro, sofreu o acidente, em agosto de 2019. Foi um momento muito grave em que tive apoio dos amigos da igreja. Da Prefeitura, não tive nada. Depois, pagaram. Agora, estamos há oito meses sem saber o que é um dinheiro. E não tem previsão. Uma hora, falam que vão colocar na conta, mas não colocam. Você chega lá e tem R$ 0. Como a gente sobrevive? É muito angustiante.
Para Flávia, de 32 anos, mãe de três filhas, o dia a dia também se tornou incerto. Contratada em regime de RPA há três anos e atualmente lotada em uma Unidade Básica de Saúde, ela tem contado com a ajuda do marido. Antes, eles dividiam as contas da casa, mas, com o início da pandemia, a mulher não conseguiu mais contribuir com as despesas.
— Desde que o pagamento começou a atrasar, está cada dia mais difícil para manter. Tenho contas em atraso, prestações vencidas e três filhas que dependem de mim. Tudo muito complicado. Em nenhum momento, nos foi comunicado que não receberíamos. Simplesmente o salário não cai na conta. Todo mês, quando os funcionários que estão na ativa recebem, fico na expectativa que o meu irá entrar, mas, até agora, nada. Quem está parado por conta da pandemia também precisa receber — pontuou.
Aposentados evitam as despesas extras
Ana Beatriz está há cinco meses sem salário integral
Ana Beatriz está há cinco meses sem salário integral / Rodrigo Silveira
“Parece que estamos no estaleiro e não precisamos de nada, não servimos para nada e não temos que sobreviver”, lamentou a professora aposentada Ana Beatriz Codeço Paes, de 66 anos. Ela divide a rotina entre preocupações com o marido, que se recupera de um Acidente Vascular Cerebral (AVC), e com o pagamento integral de sua aposentadoria, cujo valor vem sendo parcelado pela Prefeitura de Campos há cinco meses.
— Tenho dado um jeito de pagar as coisas mais necessárias, como água e luz, e não compro nada para não ter muitas despesas. Tenho pedido aos meus filhos para ajudarem. Meu marido está se recuperando de um AVC. A coisa está muito difícil — afirmou Ana. Ela explicou que a categoria está recebendo a aposentadoria parcialmente desde junho, em depósito referente ao mês de maio. “Tem gente que quer se aposentar e está com medo. Depois de tantos anos de trabalho, de contribuição, acontece isso. Como você paga por anos e não tem retribuição? Tenho amigas doentes por causa disso. É muito angustiante”, declarou.
Também docente e aposentada, Ângela, de 61 anos, que preferiu preservar o sobrenome destacou que nunca havia passado por uma situação semelhante à atual.
— Isso nunca aconteceu com a gente em nenhum dos governos passados. O dia a dia meu é o dia a dia de todos os aposentados. Estamos sem previsão de data fixa para receber. Mais de 50% recebem um salário de até 1,2 mil. Agora, você imagina como vivem essas pessoas que ganham um salário mínimo e estão recebendo parcelado? Recebo mais um pouco, mas sou diabética e tenho outros problemas de saúde. Então, tenho que recorrer aos familiares para comprar remédio, para ajudar na alimentação. Eu tenho familiares que vêm em meu socorro, mas quem não tem? E os acamados? É uma situação humilhante — disse.
Siprosep com ações contra a Prefeitura
Representante dos servidores inativos e pensionistas, o Sindicato dos Profissionais Servidores Públicos Municipais de Campos (Siprosep) tem atuado junto à categoria para que os salários sejam depositados integralmente. O último pagamento foi realizado na quinta-feira: 60% do mês de setembro. A entidade entrou na Justiça e aguarda o andamento de duas ações referentes ao acerto salarial da categoria.
Segundo o advogado Fabrício Pessanha Rangel, do departamento jurídico do Siprosep, em uma das ações, em que é pedido o acerto dos repasses devidos, o município já apresentou contestação. “Estou pedindo julgamento antecipado do mérito para termos decisão em primeira instância”, adiantou. A segunda ação é um pedido de tutela de urgência para obrigar o município e PreviCampos a pagarem até o quinto dia útil do mês, sob pena de multa. Presidente do Siprosep, Elaine Leão informou que enviou ofício à Prefeitura e solicitou audiência, mas não teve respostas.
A Prefeitura não deu prazo para depositar o restante do salário de setembro de aposentados e pensionistas e o pagamento dos RPAs. Em nota, o poder público municipal destacou que prestadores de serviço por RPA da Fundação Municipal de Saúde (FMS) e da Educação foram pagos e afirmou que “busca constantemente alternativas para pagamentos prioritários, como dos servidores ativos, inativos e prestadores de serviço por Recibo de Pagamento Autônomo, de acordo com as receitas municipais”.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    BLOGS - MAIS LIDAS

    Mais lidas
    Advogado que proferiu ofensas racistas contra juíza é encontrado morto dentro de casa, em Campos

    De acordo com as primeiras informações, José Francisco Barbosa Abud foi encontrado enforcado

    Decisão do STF afetará diretamente servidores admitidos sem concurso antes de 1988

    A decisão, decorrente de ação proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro no ano de 2007, já está transitada em julgado e não cabe recurso

    Bandidos armados rendem funcionários de posto de gasolina e levam malote com dinheiro, em Campos

    O assalto aconteceu na tarde desta terça-feira, na avenida 28 de Março; PM e Polícia Civil estão no local

    Morre, aos 71 anos, o antropólogo e advogado Alberto Ferreira Freitas

    Velório e sepultamento aconteceram neste domingo (27) na Capela São Benedito, em Goitacazes; familiares e amigos relembram a trajetória de vida de Alberto

    Wladimir sanciona reforma administrativa da Prefeitura

    Lei traz reformulação na estrutura administrativa da gestão municipal, com criação de novas secretarias, extinção de outras e criação de novos cargos em comissão e funções gratificadas