Entre decisão e multas, uma história que se perde no Solar dos Airizes
Matheus Berriel e Edmundo Siqueira* 07/08/2020 22:34 - Atualizado em 08/08/2020 11:34
TRF2 determinou cumprimento de restauração do Solar dos Airizes pela Prefeitura de Campos, que ainda reluta
TRF2 determinou cumprimento de restauração do Solar dos Airizes pela Prefeitura de Campos, que ainda reluta / Foto: Genilson Pessanha
Desde que o Solar dos Airizes perdeu uma de suas janelas e parte da estrutura da parede da frente, há dois meses, houve algumas movimentações nos bastidores, mas pouca coisa mudou na prática. Fato é que, apesar de a 3ª Turma Especial do Tribunal Regional Federal da 2º Região (TRF2) ter determinado à Prefeitura de Campos que faça a imediata restauração do imóvel, o primeiro do município a ser tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em 1940, sequer foi elaborado o projeto que precede a reforma.
Antiga residência do historiador e geólogo Alberto Lamego, que ali guardava uma valiosa coleção de obras de arte, além de rara biblioteca brasiliana e vasto acervo documental, o Solar dos Airizes é vítima do descaso com o patrimônio histórico, agravado pela natural ação do tempo. Atualmente, a pinacoteca de Alberto Lamego está sob guarda do Museu Antônio Parreiras, em Niterói. Enquanto os herdeiros da família Lamego alegam não ter recursos para arcar com o restauro do solar, o poder público municipal persiste na tentativa de se isentar da responsabilidade, contrariando a decisão do TRF2, que transitou em julgado em junho. Esta obriga a Prefeitura a elaborar “um projeto completo de restauração, a ser submetido ao Iphan”, além de garantir “previsão orçamentária das verbas necessárias para a restauração, a ser colocada no plano plurianual e nas leis orçamentárias das próximas gestões”. Em caso de descumprimento, está prevista multa diária de R$ 10 mil, a ser aplicada pela Justiça Federal.
Um ofício foi enviado pelo Ministério Público Federal (MPF) à 2ª Vara Federal de Campos, enfatizando que “a condenação em primeiro grau foi confirmada pelo tribunal e que não cabem mais recursos”. Consultado, o MPF informou que “o município ainda não apresentou plano de recuperação ou restauração do solar” e, de “forma equivocada, tenta novamente discutir o mérito da ação já decidida”.
A presidente do Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos (Coppam), Cristina Lima, voltará a abordar o tema na próxima reunião deste, marcada para o dia 18. Exatamente dois meses após uma comissão formada por conselheiros ter realizado visita técnica no prédio histórico, junto à Defesa Civil, para avaliar a situação e planejar medidas. Posteriormente, o Coppam aplicou aos atuais proprietários multa de 2.500 UFICA’s, vinculada ao imóvel e à dívida ativa municipal.
— Com base no histórico de abandono do prédio, constatado pelo Iphan em relatório datado de 1961, o Conselho (Coppam) decidiu, por unanimidade, aplicar a multa, que já foi publicada no DO (Diário Oficial) de 14/07 e entregue a um dos herdeiros, em sua residência. Caso os proprietários não se manifestem, o Conselho irá comunicar à secretaria municipal de Fazenda para que tome as providências administrativas cabíveis — afirmou em nota a Prefeitura. — A Procuradoria Geral do Município tem ciência da decisão e está adotando as medidas cabíveis para responsabilizar os proprietários pelo abandono do imóvel. A decisão judicial em questão não tem o poder de interferir na atividade e decisões do Coppam — complementou.
Na decisão do TRF-2, consta que, em caso de urgência na realização de obras e conservação ou reparação em qualquer coisa tombada, “poderá o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tomar a iniciativa de projetá-las e executá-las, a expensas da União, independentemente da comunicação a que alude este artigo, por parte do proprietário”.
Também em nota, o Iphan alegou que “não apenas está ciente do mau estado de conservação do Solar de Airizes, como tem requerido do proprietário que sejam adotadas medidas para garantir a recuperação do monumento”. Em 14 de junho de 2016, foi lavrado auto de infração que caracterizou dano ao bem tombado. Segundo a autarquia, após a defesa apresentada pelos donos do solar, que tiveram seus pedidos indeferidos, foi aplicada multa administrativa em 17 de janeiro de 2018 às empresas Airi SPE Participação e Empreendimento Ltda, pertencente aos herdeiros, e SPE Vittek Participações e Empreendimentos S/A, do Rio de Janeiro, da qual a Folha não conseguiu contato.
Ainda segundo o Iphan, “após a aplicação da multa, ambos os proprietários apresentaram recursos administrativos que foram também negados pela superintendência do Iphan-RJ. Face à nova negativa, a SPE Participação E Empreendimento Ltda apresentou recurso contra a decisão. O caso foi levado à Câmara de Análise de Recursos (CAR) do Departamento de Patrimônio Material e Fiscalização (Depam) do Instituto, em Brasília. O parecer da CAR indica deferimento parcial ao recurso no sentido de minoração da multa aplicada. O processo, no momento, encontra-se encaminhado à Procuradoria Federal junto ao Iphan para sua manifestação, por solicitação do gabinete da presidência da autarquia. Correm na Justiça alguns processos para garantir a restauração do imóvel. O Iphan aguarda as decisões judiciais, assim como mantém as fiscalizações com o objetivo de recuperar o bem tombado. O Instituto está ciente do mau estado de conservação do Solar de Airizes e lamenta que o monumento tenha chegado a tal estado de degradação”.
A nota do Iphan reforça “a necessidade de implementar, a longo prazo, a sustentabilidade do patrimônio cultural para que o uso dos bens culturais se integre ao dia a dia da sociedade. Neste sentido, cabe destacar que o Instituto vai se empenhar para dialogar com a sociedade e as outras esferas da administração pública para buscar novas soluções para essa situação”.
Ao longo dos últimos anos, vinha sendo noticiada a compra do Solar dos Airizes pela Teixeira Holzmann Empreendimentos Imobiliários, empresa de Londrina, no Paraná, em 2014. Em agosto daquele ano, a Folha inclusive divulgou uma vistoria feita no local por três técnicos do Iphan. Na ocasião, um dos sócios da Teixeira Holzmann, Fábio Fonseca, disse que, além da preservação, a empresa pretendia “abrir o solar de alguma forma para a população”. Contudo, nas tentativas recentes de contato com a empresa, entre elas para matéria publicada no último dia 12 de junho, a Folha não obteve êxito. Desta vez, a reportagem foi informada por telefone que o projeto inicial não foi adiante e que a Teixeira Holzmann não é proprietária do casarão.
Também foi feito contato com a família Lamego pelo único número telefônico obtido, via WhatsApp. “A situação do casarão foi resolvida pela justiça. O município de Campos perdeu na justiça em última instância. Decisão irreversível, transitada em julgado, condenou o município a restaurar integralmente o prédio”, disse o representante, que se apresentou apenas como advogado dos herdeiros do Solar dos Airizes. “O marco regulatório do patrimônio histórico determina que, quando o proprietário não dispõe de recursos para manter bem tombado, essa obrigação se transfere para o poder público. Tudo isso já discutido exaustivamente no processo, com contraditório e amplas defesas, recurso, e foi encerrado com a condenação do município. Não há mais nada a se falar sobre o assunto. Decisão judicial transitada em julgado não se discute, se cumpre”, enfatizou.

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