Como cultura e patrimônio estão inseridos nos planos de governo dos candidatos à prefeitura de Campos?
Edmundo Siqueira 08/09/2024 12:37 - Atualizado em 08/09/2024 18:42
Campos dos Goytacazes é uma cidade de orçamento bilionário. Desde meados dos anos 1980, vem recebendo vultosos recursos oriundos da exploração de petróleo, e, antes disso, beneficiava-se dos ciclos econômicos da pecuária e da cana-de-açúcar. Constituiu-se como um centro urbano importante ainda no Brasil Império e possui localização privilegiada.
Por esses e outros fatores, estabeleceu-se como uma referência regional em saúde, comércio, imprensa, universidades e serviços, além de ter produzido lideranças políticas de relevância nacional.
Porém, alguns setores foram negligenciados ao longo do tempo. Cultura, turismo, meio ambiente e mobilidade urbana estão certamente entre eles. A negligência de sucessivos governos e o desinteresse do empresariado campista em investir nessas áreas deixaram provas inequívocas na paisagem de Campos: diversos patrimônios materiais históricos deixaram de existir, outros tantos estão em ruínas; o movimento turístico é irrisório; áreas como Lagoa de Cima e Imbé foram abandonadas; e há poucas opções de modais de transporte.
Interligados em uma cidade histórica como Campos, cultura e turismo começaram a ganhar algum destaque recentemente. O uso de áreas como o Cais da Lapa e o centro histórico está em discussão; solares como os Airizes e Colégio receberam investimentos e também estão sendo debatidos, assim como o Mercado Municipal.
Embora sejam setores com potencial para gerar empregos, divisas e impostos — além de promover pertencimento e educação — cultura e turismo carecem de políticas públicas em Campos. Décadas de negligência não se resolvem sem ação efetiva e perene, e movimentos isolados não possuem força suficiente para mudar o cenário.
Mas, como estão as áreas cultural e patrimonial nos planos dos sete candidatos à prefeitura nesta eleição? Quais compensações foram apresentadas como propostas? Cultura está entre as prioridades nos planos de governo? Qual plano se destaca?
Essas questões são respondidas a seguir, com uma análise dos planos de governo dos candidatos em ordem alfabética, conforme os respectivos nomes de campanha (veja números das últimas pesquisas aqui):
 
DELEGADA MADELEINE
 
  • Candidata a prefeita: Madeleine Dyckman Farias (Delegada Madeleine)
    Partido: União Brasil
    Candidato a vice-prefeito: Oziel Baptista (Ozielzinho)
    Partido: PSB
    Quantas vezes “cultura” é citada: 4
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 0
 
O tema da cultura é tratado de forma tímida no programa de governo da candidata. No eixo turismo, o item 2.6.3 propõe "incentivar a cultura do turismo interno, inclusive com a preparação de recursos humanos com impacto direto". O item também cita como “importante, ou fundamental, pessoas que falam outros idiomas, como inglês e espanhol”
Há também a proposta de "inserir a cultura como um tema relevante para o desenvolvimento do turismo", e a priorização dos "eventos tradicionais da população, como a folia de reis".
O plano, entretanto, não apresenta nenhuma proposta para a preservação do patrimônio histórico.

DR. BUCHAUL
 
  • Candidato a prefeito: Alexandre Buchaul (Dr. Buchaul)
    Partido: Novo
    Candidato a vice-prefeito: Isaac Vieira
    Partido: Novo
    Quantas vezes “cultura” é citada: 4
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 0
 
A cultura aparece no 3º item dos Eixos Temáticos do plano de governo de Dr. Buchaul, porém, também trata o tema de forma superficial. No item “Educação, cultura e esporte”, o foco está na educação, sem detalhamento específico para cultura. A cultura também surge em "Segurança Pública", quando diz que irá “estruturar intervenções integradas de prevenção ao crime, em cooperação com as áreas de cultura, educação, saúde, assistência social e com as forças de segurança” propondo intervenções preventivas.
No eixo "Transporte Coletivo e Mobilidade", com projetos de revitalização de terminais , citando “revitalizar terminais de ônibus e metrô por meio de projetos que ampliem as atividades comerciais e culturais oferecidas aos usuários do transporte coletivo”.
O plano não apresenta nenhuma proposta para a questão patrimonial.

FABRÍCIO LÍRIO
 
  • Candidato a prefeito: Fabrício Lírio Rodrigues (Fabrício Lírio)
    Partido: Rede Sustentabilidade
    Candidata a vice-prefeita: Vanessa da Enfermagem
    Partido: Rede Sustentabilidade
    Quantas vezes “cultura” é citada: 19
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 3
 
O plano de governo do candidato Fabrício Lírio também traz o tema em conjunto com educação e esporte, mas dedica um subitem específico para a cultura. Propõe a criação de “Centros Culturais” nos bairros, “para promover a cultura local” e a criação de um “Calendário Cultural”, propondo a valorização de “tradições locais”.
O plano também traz a proposta de “incentivar os artistas locais por meio de programas de investimento em arte e cultura” e “workshops culturais”, com objetivo de “identificar artistas locais”.
A cultura volta no item 9 do plano de governo do candidato Fabrício Lírio, também dividindo espaço com o turismo, mas traz propostas específicas sobre o patrimônio histórico: “implementar políticas de preservação do patrimônio histórico e cultural, revitalizando áreas e prédios históricos locais”.
Também cita como ideia fomentar “parcerias com as universidades para garantir a pesquisa contínua sobre nossa cultura” e a criação de “Roteiros Turísticos”, com objetivo de “desenvolver roteiros turísticos que valorizem a cultura, história e natureza do município, promovendo o turismo sustentável”.

PASTOR FERNANDO
 
  • Candidato a prefeito: Fernando Sergio Trindade Crespo (Pastor Fernando)
    Partido: PRTB
    Candidata a vice-prefeita: Dr. Carlito
    Partido: PRTB
    Quantas vezes “cultura” é citada: 50
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 3
 
Assim como os demais até aqui, traz a cultura como tema acessório, em conjunto com o “esporte” e “lazer”. Mas dedica um subitem exclusivo à cultura, dizendo na introdução que “a cultura e um elemento vital para a identidade e a coesão social” e que “promover a cultura e essencial para valorizar nossa historia, nossas tradições e nossa criatividade”.
Entre as propostas para a cultura, o plano traz a criação de “Espaços Culturais”, apoio para “artistas locais” e a criação de “festivais e eventos culturais”. No fechamento do item dedicado à cultura, o candidato traz novamente a ideia de “valorizar nossa identidade e promover a coesão social” e cita a cultura como um elemento capaz de “impulsionar o desenvolvimento econômico”.
Sobre patrimônio histórico, o candidato insere o tema em conjunto com o turismo, onde pretende “explorar o potencial turístico do município, promovendo as belezas naturais e o patrimônio histórico cultural”. A questão patrimonial também aparece quando é tratado o tema da “Revitalização de Áreas Urbanas Degradadas”.

PROFESSOR JEFFERSON
 
  • Candidato a prefeito: Jefferson Manhães de Azevedo (Professor Jefferson)
    Partido: PT
    Candidata a vice-prefeita: Mayra Coriolano Freitas
    Partido: PT
    Quantas vezes “cultura” é citada: 40
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 6
 
O plano de governo do candidato traz a cultura associada à questão patrimonial, dedicando um item exclusivo para isso, denominado como “Cultura, Patrimônio Histórico e Turismo”. Como proposta central, pretende destinar “1% do orçamento municipal para o Fundo Municipal de Cultura”, onde, segundo a proposta, deverá custear o que está previsto no Plano Municipal de Cultura.
O Plano Municipal de Cultura foi instituído em Campos através da Lei 9.065, de 31 de maio de 2021, e traça diretrizes e políticas públicas da área para a cidade até 2031. Constituir um plano é uma obrigação dos municípios brasileiros, conforme diretriz do Ministério da Cultura, e é requisito para receber algumas verbas estaduais e federais.
O candidato Professor Jefferson cita ainda como proposta o “reconhecimento do papel dos órgãos representativos do Sistema Municipal de Cultura do município”, como o Comcultura, Coppam e Funcultura. Apresenta também como proposta a realização de concurso público para a área.
Também traz o uso da educação patrimonial nas escolas municipais, para “atuação como elo entre a cultura, o patrimônio e as unidades escolares e os munícipes” e para identificar “potenciais artistas nas diversas modalidades culturais e artísticas” entre os alunos. Propõe a utilização do CEPOP como “equipamento cultural” e garante a realização de eventos “já tradicionais”, como o carnaval, Bienal do Livro, Festival Doces Palavras (FDP!) e Rock Goitacá. Cita ainda o “reconhecimento da cultura do povo negro e periférico do município”.
Sobre a questão patrimonial, o candidato propõe a criação de uma “política pública de recuperação e preservação do patrimônio histórico-cultural municipal”, e a “implantação de museus temáticos para divulgar e preservar a memória e a história da população campista”. Também propõe “a criação de mais duas Casas de Cultura em distritos mais distantes do centro”.

THUIN
 
  • Candidato a prefeito: Raphael Elbas Neri De Thuin (Thuin)
    Partido: PRD
    Candidata a vice-prefeito: Clodomir Crespo
    Partido: DC
    Quantas vezes “cultura” é citada: 57
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 3
 
O candidato inicialmente traz a cultura dentro do eixo “comércio”, com o subitem “Cultura e Entretenimento”. trazendo como proposta “promover eventos culturais e de entretenimento no centro da cidade” e “parcerias com artistas locais para revitalizar fachadas e espaços públicos com murais e intervenções artísticas”.
No eixo “turismo”, propõe a organização de “eventos e festivais temáticos que celebrem a cultura” e a criação de um “calendário anual de eventos”. O candidato dedica o item 16 do plano de governo para a “cultura e entretenimento”, onde propõe a “valorização da cultura local” e o “desenvolvimento de eventos e espaços culturais que enriqueçam a vida dos cidadãos”. Cita a ideia de “transformar Campos dos Goytacazes em um polo cultural dinâmico”, e “fomentando a diversidade cultural”.
O plano segue com outras propostas para a cultura, como a “formação e capacitação cultural”, pretendendo “desenvolver programas de formação e capacitação em diversas áreas artísticas” e oferecer “programas de formação e capacitação em diversas áreas artísticas”. Também propõe a “realização de festivais de cinema, teatro e música”, feiras exposições, “festivais culturais” e “centros culturais e comunitários”.
Como inovação, propõe a criação de “Programas de Residência Artística”, onde pretende “desenvolver programas de residência artística para atrair artistas de outras regiões e países, promovendo o intercâmbio cultural”. Como continuidade (a Secretaria Municipal de Captação de Recursos e Convênios foi criada pela Lei 9.463, de 14 de março de 2024), cita a criação de “Subsecretaria para Captação de Recursos e Fomento a Projetos Culturais”, para “promover a captação de recursos através de leis de incentivo à cultura”, “parcerias com empresas” e “suporte técnico e financeiro para a elaboração e execução de projetos culturais”.
Na questão de patrimônio histórico, o candidato propõe que seja realizado um “inventário e divulgação do patrimônio cultural (...) material e imaterial de Campos dos Goytacazes, incluindo monumentos, edificações históricas, festas populares, artesanato e tradições locais”. Também cita como ideia “divulgar amplamente o patrimônio cultural através de exposições, publicações, mídias sociais e campanhas educativas”.

WLADIMIR GAROTINHO
 
  • Candidato a prefeito: Wladimir Barros Assed Matheus de Oliveira (Wladimir Garotinho)
    Partido: PP
    Candidata a vice-prefeito: Frederico Paes
    Partido: MDB
    Quantas vezes “cultura” é citada: 10
    Quantas vezes “patrimônio” é citado: 1
 
O plano de governo do candidato traz inicialmente a cultura inserida em outros itens, nas propostas para a “terceira idade”, “infância e juventude” e “turismo”. Entre as propostas, cita que irá “implementar levantamento georreferenciado para atualizar inventário turístico de pontos históricos, culturais, belezas naturais” e a criação de um “Portal digital”, trazendo informações turísticas de Campos.
Cita ainda a capacitação de “alunos da rede pública municipal para atuarem como condutores turísticos mirins, incentivando o interesse pelo patrimônio cultural local e enriquecendo a experiência de aprendizagem”.
No item dedicado à cultura, o plano evidencia o Arquivo Público Municipal, o Solar dos Airizes, o Teatro Trianon e o Teatro de Bolso, relacionando com o tema do patrimônio material de Campos.
Propõe “manter e prover o Arquivo Público Municipal, para preservação e acesso ao acervo de documentos públicos e privados de interesse da população”, e a criação do “Museu Campos de Energias”, no Solar dos Airizes, “visando resgatar a importância histórica de atividades produtivas, manifestações históricas e culturais, relativas à matriz elétrica e sucroenergética de nossa cidade”.
Para os teatros, propõe a “expansão dos serviços oferecidos pelo Teatro Trianon e Teatro de Bolso, para impulsionar a cultura, criação, inovação e a diversidade artística no Município”.

*
Cultura e patrimônio ainda não vistos como um potencial 
A análise dos programas de governo dos sete candidatos à prefeitura de Campos dos Goytacazes revela uma tendência recorrente: a cultura, o patrimônio e o turismo ainda são tratados como temas periféricos, mesmo em uma cidade com histórico e potencial econômico para explorá-los de maneira estruturada. Apesar do reconhecimento de sua importância, poucos planos apresentam propostas verdadeiramente robustas e detalhadas para enfrentar décadas de negligência.

Campos, com seu orçamento bilionário, localização privilegiada e herança histórica, tem o potencial de se tornar um polo cultural e turístico. No entanto, esse caminho requer ações integradas e políticas públicas contínuas, capazes de preservar o patrimônio material e imaterial e fomentar o turismo de forma sustentável.
Infelizmente, a maioria dos candidatos falha em reconhecer o papel estratégico dessas áreas, limitando-se a propostas pontuais, sem a necessária articulação com o desenvolvimento econômico e social da cidade.

Sem o uso sustentável do patrimônio histórico, e com os empresários locais, historicamente alheios a esses setores, o poder público, seja quem for ocupar a cadeira em 1º de janeiro de 2025, precisa incentivar o investimento, pois a revitalização desses setores não será possível sem uma parceria público-privada sólida.

Campos precisa mais do que intervenções isoladas. A cidade carece de um projeto ambicioso e consistente que posicione a cultura e o patrimônio como motores de desenvolvimento econômico e de pertencimento. Sem isso, a paisagem seguirá marcada pelo abandono, e as promessas de campanha permanecerão vazias.

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