Aldir Sales
26/02/2022 04:06 - Atualizado em 26/02/2022 04:07
A polêmica votação para presidência da Câmara de Campos no biênio 2023/2024 vai rendendo novos capítulos. Na tarde de quinta-feira (24), em reunião da Mesa Diretora, foi anulada a votação do último dia 15, na qual o líder da oposição, Marquinho Bacellar (SD), chegou a ser anunciado pelo atual presidente, Fábio Ribeiro (PSD), como vencedor. Fábio, Juninho Virgílio (Pros) e Leon Gomes (PDT) seguiram o parecer da procuradoria da Casa, após um requerimento protocolado por vereadores da base, alegando que o vereador Nildo Cardoso (PSL) não votou nominalmente na sessão.
Inconformados com as decisões recentes, os 13 parlamentares oposicionistas entraram com uma representação no Ministério Público contra Fábio. Eles pedem abertura de um inquérito para investigar a conduta da presidência e querem que o plenário do Legislativo decida sobre a continuidade da eleição.
Nildo, da tribuna, anunciou o nome de Marquinho como candidato da oposição, retirando, ao mesmo tempo, sua pré-candidatura. Contudo, na votação, o vereador Leon, secretário da Mesa, não fez a chamada de Nildo para votar. O único voto contrário ao parecer foi de Maicon Cruz (PSC). No dia 15, ele chegou a assinar um documento de apoio a Fábio, mas votou em Marquinho, garantindo a vitória da oposição.
Na representação, os parlamentares alegam que o Fábio feriu o regimento interno ao não continuar a eleição, já que as contestações foram realizadas por cinco vereadores e a suspensão ou adiamento só poderiam acontecer, segundo entendimento da oposição, em caso de deliberação no plenário.
A defesa da oposição também questiona o acolhimento do recurso para anular a eleição com base no argumento de que Nildo Cardoso não votou nominalmente. “Se não foi novamente convocado para repetir a sua intenção de voto, tal se deu por inação, incauta ou astuciosa, do 1º Secretário (Leon Gomes). Ademais, como narrado anteriormente, ainda que não se computasse o voto do vereador Nildo Cardoso, ainda assim restaria eleito o parlamentar Marcos Bacellar, já que percebeu mais votos que o representado (Fábio) nas últimas eleições municipais”, diz um trecho do texto, que chama a atenção para o critério de desempate ser a quantidade de votos recebido por cada vereador nas urnas.
Em contato com a Folha, Fábio Ribeiro lamentou pela oposição não tentar uma resolução interna na Câmara. “Eu acho lamentável o que a oposição está fazendo de buscando outro Poder para resolver o que pode e deveria estar sendo resolvido dentro do Legislativo. Os poderes são independentes e autônomos. A Câmara de Campos é uma instituição que tem a sua história. Precisamos amadurecer e decidir a questão politicamente porque a Casa é política. A oposição, hoje, tem a maioria. Em qualquer que seja a o momento da votação ela vai ganhar. O que se fez foi observar o devido processo legal, já que entraram com dois processos administrativos e não tinha outra forma de fazer do que suspender a eleição”.
Sobre a anulação da eleição, o presidente disse que o fato de Nildo Cardoso não ter votado é motivo para a decisão, seguindo o regimento interno. “Lamentável que estejam tentando induzir o MP ao erro porque a questão da eleição já foi resolvida internamente pela Câmara. Não teve o voto de Nildo. Uma coisa é encaminha o voto, outra é o momento da votação e o Nildo não votou. Realmente, teve o equívoco do secretário que não não chamou, mas também teve do próprio Nildo, que não se manifestou. Ele, com quatro mandatos, sabe que a eleição para presidente é uma eleição que deve ser de forma nominal e por ordem alfabética. É bastante claro isso. Não foi uma decisão para me beneficiar, muito pelo contrário, mas sim para para seguir o devido processo legal”.
Pauta travada e distante da população
Fato é que, desde o fim do recesso parlamentar, já são duas semanas sem nenhuma outra discussão na Câmara a não ser a eleição da Mesa Diretora. Com pautas importantes que precisam ser apreciadas, como a reforma da previdência – com prazo final até 31 de março –, a atual situação do Legislativo lembra a virada de 2019 para 2020 – último ano da gestão Rafael Diniz (Cidadania) – quando o governo chegou a perder a maioria na Casa para aprovação do orçamento e o assunto se arrastou até janeiro, com o município engessado e sem poder pagar contas básicas. O problema só foi resolvido em um acordo entre os governistas e a oposição, com uma ligação do então presidente Fred Machado (Cidadania) para o então deputado federal Wladimir Garotinho (PSD).
Sociólogo e professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) em Campos, George Coutinho lembrou que são contextos diferentes, mas disse que o famoso “toma lá, dá cá” na relação entre Executivo e Legislativo pode fazer diferença.
— Ir para disputas políticas formais sem ter maiorias formadas é prejuízo para o executivo, salvo raros casos. De outro modo, saliva, sola de sapato e clientelismo se apresentam como recursos. Especialmente o clientelismo na distribuição de cargos DAS parece ser recurso que agrada bastante parte da vereança. Creio que Rafael não monitorou adequadamente seu legislativo em inúmeras ocasiões. Wladimir parece ter incorrido no mesmo deslize. E, caso ambos tenham feito este monitoramento próximo, ambos os governantes não conseguiram prever ou perceber defecções e traições.
Para o cientista político e professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) Hamilton Garcia, o conflito de poder entre os grupos políticos tem levado a um desvirtuamento do papel dos vereadores.
— Quando eu olho esses conflitos vejo um vácuo em termos dos problemas que afligem a cidade. Tenho impressão, olhando de fora, que é um conflito entre grupos políticos para dominar a casa legislativa para viabilizar o governo de plantão. E com isso você poder tirar do do prefeito maiores vantagens pra reeleição do grupo do grupo dominante na Câmara. Parece que é simplesmente isso. O que é um desvirtuamento do papel do vereador, da função legislativa. O Legislativo não é um aparelho de reprodução de lideranças políticas, ele é um um lugar de discussão das políticas públicas, de aperfeiçoamento das políticas públicas, fiscalização do poder público e para posição de leis e soluções normativas.