Ao pegar carona no É Tudo Verdade, do Festival de Documentários, o título acrescenta um frágil ponto de interrogação por mero preciosismo: 1) Contra o ex-presidente Lula ainda não existe sentença condenatória sobre o triplex, o sítio de Atibaia e tantas outras denúncias. 2) O presidente Temer – segundo o Datafolha com a pior aprovação dos últimos 28 anos (7%), superando apenas Sarney, que amargou horrorosos 5% – segue em situação indefinida ante o pedido da PGR para que seja investigado por obstrução de justiça e corrupção passiva.
Assim, não fosse o ‘benefício da dúvida’ não caberia a ‘?’, posto que o mar de evidências deixa claro que os citados na Lava Jato (os políticos em geral, não apenas os presidentes) são farinha do mesmo saco, criados no mesmo pântano de corrupção que silenciosa e devastadoramente há muito vem transformando este grande País em república de cuecas, de mochilas e de malas de dinheiro.
O asqueroso delator – livre, leve e solto
A jornalista Consuelo Dieguez contou ter ouvido de um auditor do TCU, logo após a deleção dos irmãos Batista: “Foi um golpe de mestre. Enquanto os outros empresários estão mofando na cadeia, eles conseguiram garantir sua liberdade e a segurança de seus negócios. Esses caipiras deram um banho em Marcelo Odebrecht”.
Pois é! O que a sociedade tem dificuldade de aceitar é como delatores natos, criminosos que não viraram dedos-duros pelas circunstâncias desfavoráveis, mas para salvar as peles ainda ilesas, conseguiram acordo tão vantajoso.
Não que tivessem que passar – como todos passaram – por algemas, camburões, prisões ou tornozeleiras. Mas manter as empresas intactas, permanecer na direção do diversificado império construído com recurso público e ainda a permissão para morar no exterior e desfrutar, pelo resto da vida, do luxo ‘czariano’ proporcionado pelos cofres do BNDES... foi uma premiação que chocou o Brasil.
Se empresas como Odebrechet foram reduzidas a pó no período de apuração dos crimes e delação, a maior processadora de carne do mundo, ao contrário, saiu com um mínimo de dano: multa parcelada a perder de vista, e só. Logo, cabe a pergunta: não deveriam, ao menos, devolver aos cofres públicos o que foi “conquistado” a partir do dinheiro fácil do BNDES?
Diriam alguns: se não fosse desse jeito, eles não iam falar. Argumentariam outros: mas iriam para a cadeia, via prisões preventivas e/ou provisórias, como os demais. Afinal, mandar para a prisão, no Brasil, não é nada difícil.
Mas, enfim, abrir a caixa preta do que ainda não se sabia sobre Lula, Aécio e Temer mereceu colaboração pra lá de premiada. Para os matutos Batista, com suas mansões, iates e jatinhos, o crime pareceu compensar.
Nos últimos três anos o Brasil vem desvendando o maior ataque aos cofres públicos de sua história. Ainda que não seja de hoje a expressão “político ladrão”, há muito na boca do povo, jamais se soube de tamanha roubalheira ou se pensou que uma casta de políticos tão numerosa estivesse roubando tanto e há tanto tempo.
Da Lava Jato para cá, entre envolvidos que foram ou estão a caminho da prisão, a sociedade ficou boquiaberta com o assalto e com alguns dos nomes identificados como assaltantes.
Contudo, de deputados, ex-governadores, senadores e ministros, nada chocou tão agudamente como as acusações de corrupção contra o ex-presidente Lula e, por último, contra o presidente Temer. Afinal, deputado é deputado, mas o presidente da República, ora..., é o presidente da República.
Áudios e encontro – Isso porque, em termos de impacto, o pior de Lula foi a divulgação dos áudios com Dilma (o tal termo de posse) e com aliados os quais falava mal do Supremo, da PRG, do MP, etc., por conta da condução coercitiva ao Aeroporto de Congonhas, em março de 2016.
Mas, a despeito dessas gravações e do vasto leque probatório nas mãos do juiz Sérgio Moro, sobre Lula não há o impacto daquilo que se afigura como confissão... como algo que não se possa negar ou desmentir – por mais verdadeiro que seja. Já no grampo do presidente Temer, essas circunstâncias estão presentes. E ainda que se questione partes do áudio, o conjunto da obra fala por si.
A gravação feita pelo empresário Joesley Batista, corruptor confesso – criminoso confesso –, revela o diálogo em que o delator discorre, sem qualquer cerimônia, no ouvido do presidente da República, como estava pagando silêncio de deputado preso e “dando conta e segurando procuradores e juízes”. E mais: o modus... a naturalidade com que relatava prática de crime ao presidente, que com igual naturalidade tudo ouvia.
Acrescente-se, ainda, as circunstâncias do encontro na calada da noite, sem agenda oficial e nos porões do Palácio Jaburu – encontro que Michel Temer confirmou.
Até Vossas Excelências, srs. Presidentes?
A sociedade brasileira gostaria que tudo fosse mentira; que boa parte fosse mentira; ou que ao menos alguma parte fosse mentira. Mas provavelmente vai ter aceitar que nada é mentira.
Ficaria apenas estarrecida se no Brasil o pior dos mundos fosse Sérgio Cabral e o legado de governador mais corrupto da história do País.
Receberia, somente como duro golpe, a surpresa de ver proeminentes figuras públicas investigadas por supostos esquemas de propina, como Aécio, Renan, Padilha, Moreira Franco, Henrique Alves, Palloci, Guido Mantega, Collor, Gleisi Hoffmann e tantos outros, digamos, ‘menos cotados’.
Mas, para além de estarrecida ou golpeada, está o trauma de ver, de um lado, o ex-presidente mais popular da história recente tentando levantar a militância petista para, com o mesmo discurso repetitivo, ultrapassado e populista, fugir, a todo custo, das graves acusações que lhe são imputadas; e, do outro, o atual, que prometia colocar o Brasil nos trilhos, agarrando-se com unhas e dentes às migalhas que apontam modesta recuperação da economia e usando-a como escudo para que deixem de lado esse negócio de áudio e encontro noturno em garagem... para não piorar a crise.
De mais a mais, ao invés de se defender das acusações, opta por também acusar. Duro isso!