Cinema - O propósito de Thor
Matheus Berriel - Atualizado em 12/07/2022 17:40
Banner do filme 'Thor: Amor e Trovão'
Banner do filme 'Thor: Amor e Trovão' / Divulgação
De todos os personagens da Marvel nos cinemas, Thor sempre foi um dos mais problemáticos no que se refere ao tom. Introduzido com uma pegada mais épica e mais séria, aos poucos o personagem foi abraçando a comédia, relação que ganhou força após o cineasta Taika Waititi ter assumido os seus filmes.
Ele é sem dúvidas, um dos personagens que mais sofreram com os acontecimentos do Universo Cinematográfico Marvel (MCU), tendo sua terra e sua família devastadas em diversos eventos; fatores que nunca o fizeram perder o bom humor, tornando essa mistura entre o drama e o humor um elemento central na composição do personagem. Eis que aqui, o deus do trovão surge à procura de um propósito, após renegar o trono e se descobrir livre para fazer suas escolhas.
Após deixar sua posição como rei de Asgard para seguir pelo espaço com Os Guardiões da Galáxia, reencontramos Thor como um ermitão, buscando compreender tudo o que passou e preencher um vazio que ele não compreende. O filme introduz um tom de fábula para relembrar muitos dos acontecimentos que o levaram até ali — um tom que condiz com a natureza do personagem.
Narrativamente, o filme repete Ragnarok em divrsoso pontos, como o tom fabulesco em sua introdução, a cena de arena, a luta pelo futuro de Asgard (aqui representadas pelas crianças) e a relação paternal. Dentro do MCU, Thor, de muitas formas, é tratado como um adolescente que não quer responsabilidade, que tem dificuldade em lidar com o pai, que vive o sofrimento pela perda do primeiro amor e, quando se vê livre para fazer suas escolhas, não sabe como lidar com essa situação.
O diretor e roteirista Taika Waititi também repete a fórmula de Ragnarok em sua abordagem visual, mesclando a estética colorida com o humor. Mas, diferente do longa anterior, que trazia uma forte carga dramática ao abordar temas como a relação entre pais e filhos e o fim do mundo, aqui Waititi aposta em uma jornada mais leve, onde essa falta de dramaticidade acaba gerando um desequilíbrio que compromete a obra.
Não que faltem elementos dramáticos à narrativa, já que Jane Foster (Natalie Portman) luta contra um câncer terminal, e, principalmente, o vilão Gorr (Christian Bale) tem uma jornada trágica. Mas, o filme deixa essas questões em segundo plano e aposta sempre no humor acelerado, com Gorr sendo muito pouco aproveitado, com pouquíssimo tempo de tela.
Gorr, aliás, tem potencial para ser um dos grandes vilões do estúdio, já que, além ser interpretado por Bale, possui uma poderosa motivação, baseada em temas como fanatismo religioso e o ateísmo. Temáticas interessantes e novas no MCU, mas que nunca ganham espaço para serem debatidas. Esteticamente, o vilão é o oposto do restante do longa. Não por acaso, a grande batalha no lar do vilão é toda monocromática. Essa dualidade entre a luz e a escuridão funciona muito bem, em um dos raros momentos de inspiração do filme.
O retorno de Jane Foster é um grande adicional, mesmo que seja praticamente outra personagem. Sua encarnação como A Poderosa Thor não deixa em nada a dever ao protagonista. Curioso é como, ao empunhar o Mjolnir, ela parece ganhar não só os poderes, mas também o tom da comédia, características que contradizem não só o que já conhecemos da personagem, como também sua situação frente ao câncer.
O longa poderia defender a ideia de que essa é a forma de ela lidar com sua inevitável situação, uma questão que não explora. Assim como questões importantes para Jane e Thor como casal. Ao revisitar a história dos dois, o filme introduz temas importantes, principalmente para o deus asgardiano, que enriquecem o personagem e vão dialogar com o desfecho da obra.
O filme conta com um belo design de produção, principalmente na cena no Olimpo, mesmo que funcione em uma escala menor, já que a história é razoavelmente autocontida. As batalhas em si são pouco criativas, com diversas músicas do Guns N´ Roses espalhadas pela produção, que dialogam tematicamente com as cenas e soam realmente aleatórias devido ao excesso.
Trabalhando temas muito interessantes, “Thor: Amor e Trovão” peca pela abordagem do seu diretor. Abraçando cada vez mais o humor, que não funciona tão bem em piadas repetitivas e pouco inspiradas, o filme abre mão de expandir seu protagonista e discutir toda essa relação com os deuses. Um material que demonstra todo o potencial em seu desfecho quando confronta os dilemas do antagonista, criando uma relação com os sentimentos de Thor, em um desfecho bem bonito, que só prova o tamanho da oportunidade desperdiçada.

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