Igor Franco:De Trump a Wladimir
Em uma corrida presidencial histórica, Donald Trump reelegeu-se presidente americano, após o intervalo de um mandato do democrata e adversário Joe Biden. Não apenas isso, Trump também foi capaz de gerar uma “onda vermelha” – em alusão às cores do Partido Republicano, culminando na eleição majoritária de membros do seu partido para o Senado e para o equivalente à Câmara de Deputados. O “republican sweep”, como analistas americanos batizaram esse resultado acachapante, deve garantir ao futuro presidente uma facilidade maior de aprovação de projetos, mesmo aqueles mais controversos. Aliás, controvérsia e polêmica são palavras imprescindíveis para qualquer avaliação da plataforma trumpista.
A derrota de Kamala Harris por uma diferença considerável de delegados (rememorando o curioso sistema de eleição presidencial dos ianques) estava fora da maioria das previsões. Nesse momento, ainda é difícil avaliar se foram os vieses de pesquisadores majoritariamente favoráveis aos democratas ou se erros de metodologia é que não capturaram a “onda vermelha” trumpista. Dentre as explicações para o resultado, o único consenso é o de que a economia cumpriu um papel determinante. Durante o mandato de Joe Biden, apesar de bons números relacionados ao mercado de trabalho, por exemplo, os americanos se defrontaram com uma escalada de preços via inflação que não era observada desde a década de 70. Toda uma geração de americanos sequer conhecia a capacidade da evolução de preços machucar seu poder de compra, o que gerou uma sensação generalizada de mal-estar – o que foi refletido numa migração de votos para o candidato adversário.
De volta ao Salão Oval, o futuro presidente americano promete dobrar a aposta nas medidas que caracterizaram seu primeiro mandato, como a imposição de tarifas comerciais para as importações realizadas pelos americanos, com especial gravidade aos produtos chineses, uma política fortemente restritiva contra imigrantes clandestinos, a redução de impostos e de regulação legal às empresas, o incentivo à produção interna de petróleo, o aumento relevante de gastos militares e o abandono de políticas relacionadas às mudanças climáticas. Do ponto de vista geopolítico, é dado como certo um maior apoio às ações militares de Israel e uma postura mais agressiva em relação às aspirações nucleares iranianas. No entanto, ainda pairam dúvidas sobre o que Trump quer dizer ao prometer acabar com a guerra da Ucrânia em seu primeiro dia de mandato. Isso significaria forçar o presidente Zelensky a aceitar uma rendição? Ou intensificar o apoio financeiro e militar à Ucrânia? O resultado potencial dessas políticas será um maior crescimento de curto prazo da economia, porém, com uma inflação mais alta, juros mais elevados e, então, um dólar mais forte. Ao mesmo tempo, a incerteza em assuntos globais de segurança e clima deve aumentar. Nesse contexto, os mais prejudicados tendem a ser os países emergentes, altamente sensíveis a variáveis macroeconômicas como juros e inflação – e é aqui que os caminhos de Trump e dos cidadãos campistas se cruzam.
Eleições municipais no Brasil raramente são palco de grandes debates ideológicos. Os cidadãos tendem a guiar seus votos pela percepção das condições diárias da cidade. Questões como limpeza, organização, mobilidade, obras públicas e prestação de serviços básicos influenciam fortemente a disposição dos eleitores em reconduzir ou não o prefeito ao cargo. A capacidade financeira dos municípios desempenha um papel crucial. Afinal, é difícil garantir o bom andamento desses fatores enquanto o caixa se esvazia, obrigando o gestor a “vender o almoço para pagar a janta”. Obviamente, isso não reduz o papel do prefeito a gerenciar dinheiro, já que melhorias na eficiência da administração são possíveis, mesmo em tempos de vacas magras. Porém, é inegável que quando há abundância de recursos, tudo se torna mais fácil.
Há menos de um mês, também aqui no Brasil os eleitores se mobilizaram para votações municipais. A grande marca do pleito brasileiro foi a maciça reeleição de prefeitos, com 81% daqueles que concorriam a um segundo mandato tiveram o aval das urnas, simplesmente a maior taxa da história. Na planície, ainda observamos um fator similar à corrida americana: Wladimir Garotinho não apenas ganhou de lavada no primeiro turno, como também fez ampla maioria de vereadores. Uma parte relevante da explicação vem, justamente, do cenário econômico que os municípios enfrentaram no quadriênio passado.
O mandato recente dos prefeitos foi marcado por condições financeiras favoráveis. Os repasses de verbas federais, como o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e o Fundeb, aumentaram significativamente em comparação com o período anterior, de 2017 a 2020. Mesmo sem o fechamento de 2024, o crescimento já é da ordem de 60% – bem superior a qualquer variação do PIB ou da inflação. Esse contexto proporcionou um “timing” excelente: mais dinheiro em caixa permitiu melhorar serviços, conceder aumentos e investir em infraestrutura, atendendo às demandas dos munícipes. Lembrando a frase popularizada por analistas políticos: “É a economia, estúpido!”
Nós brasileiros temos o hábito de dar menos atenção do que deveríamos ao peso dos acontecimentos mundiais em nosso cotidiano. Por exemplo, parte relevante da explicação para o período de forte expansão nos repasses municipais passa pelo aumento da arrecadação federal turbinada pelas verbas do petróleo, cujos preços no mercado internacional explodiram entre 2021 e 2022, graças à Guerra da Ucrânia. De lá para cá, apesar de certo alívio, as tensões no Oriente Médio “ajudaram” a manter um nível de preços entre 100 e 70 dólares, muito maior que há 7, 8 anos atrás. Taxas de juros mundiais muito baixas permitiram ao Banco Central brasileiro levar a Selic às mínimas históricas ao longo de 2020 e 2021, o que reduziu o gasto brasileiro com juros e trouxe ao Tesouro uma situação mais favorável para a rolagem da dívida, diminuindo a pressão do orçamento. Por fim, também teve peso relevante a escalada no preço de algumas commodities agrícolas, como a soja, cuja cotação foi afetada por sucessivas quebras de safra na Argentina (3ª maior produtora mundial) derivadas de problemas climáticos.
Para que os prefeitos pudessem ter uma situação confortável em seus orçamentos municipais, muitos eventos globais se desenrolaram nos últimos anos. E, enquanto as grandes potências movem suas peças em um tabuleiro geopolítico instável, resta aos gestores locais se prepararem para novos desafios que podem surgir a qualquer momento, admitindo que, por mais que não gostemos, dependemos sobremaneira dos acontecimentos fora de nossas fronteiras, além do nosso alcance.
* Igor Franco é especialista em Finanças e professor do Uniflu