Historiadores preocupados com futuro de cinco prédios históricos no Centro
Dora Paula Paes 23/09/2023 09:39 - Atualizado em 23/09/2023 09:42
Rodrigo Silveira
A importância da história para a sociedade não é só mostrar a cultura do outro, mas uma maneira para que possamos conhecer a nossa própria. A cidade de Campos é reconhecidamente histórica devido ao seu rico potencial arquitetônico. Prédios importantes perdidos com o tempo, hoje dão lugar a estacionamentos. Um exemplo, é a antiga Casa Terra, no Centro da Cidade. Historiadores como Aristides Soffiati, ele na luta há décadas, e Rafaela Machado, da nova geração, comungam do mesmo sentimento, de que Campos perde a cada dia sua história, quando uma simples telha cai e não é reposta. Soffiati ainda vai além: “a questão do patrimônio arquitetônico de Campos não está mais na área da cultura, mas na da Defesa Civil”.
Apenas falando no Centro de Campos, Rafaela faz um alerta para cinco imóveis que correm o risco de desaparecer como a Casa Terra, ou o próprio Hotel Flávio: “Temos que estar alertas ao Mercado Municipal — edificação com um simbolismo imenso para a cidade —, ao Museu Olavo Cardoso, ao Hotel Amazonas, ao Hotel Gaspar, a Igreja do Terço e ao Asilo da Lapa, apenas citando alguns centrais, como exemplo. Se formos olhar para a cidade como um todo, a preocupação só aumenta”.
No momento, a situação do Hotel Flávio é a mais traumática. Após incêndio, em novembro do ano passado, existe um impasse até mesmo para escorar a fachada que sobrou. A prefeitura já acionou os herdeiros do imóvel, mas até o momento nada foi resolvido. A rua Carlos de Lacerda, o trecho em que está localizada a estrutura que restou do prédio, segue interditada.
Aristides Soffiati conta que tem acompanhado o abandono desses patrimônios por longos anos. Segundo ele, anda a pé pela cidade nos fins de semana e observa o estado dos prédios. “Para começar, a Defesa Civil Municipal cuida mais da questão do que o Conselho da Preservação do Patrimônio Arquitetônico Municipal (Coppam). Seu interesse reside mais na segurança do que na preservação. A questão do patrimônio arquitetônico de Campos não está mais na área da cultura, mas na da Defesa Civil”, disse.

Bom destacar que o Coppam foi criado no bojo de um Inquérito Civil, que partiu de denúncia de Soffiati, no Ministério Público Estadual (MPE). Na ocasião, o historiador questionou o desinteresse do governo municipal, na época, em proteger bens imóveis que o próprio município elencou no Plano Diretor de 1991.
No empurra-empurra, quanto Campos já perdeu? Rafaela responde: “São inúmeros (prédios), sem que tenhamos um real levantamento das perdas mais sensíveis a partir do século XX, por exemplo. Cito como exemplos, os casos emblemáticos da Santa Casa de Misericórdia e Igreja Mãe dos Homens, edificações históricas de tamanha importância, tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e que teve o tombamento, ou seja, o reconhecimento revogado pelo então presidente Jânio Quadros. Mais recente, ela cita a demolição do edifício conhecido como Chacrinha, “para o qual compensação financeira alguma compensa de fato a perda histórica”, ressalta.

— Sempre enfatizo que a recuperação e a preservação do patrimônio campista precisa ser ponto determinante nas agendas políticas e culturais do municípios. No entanto, precisamos também entender que enquanto sociedade, temos funções a cumprir, a começar pela preservação —, conclui Rafaela.
 
Após incêndio, como o Hotel Flávio, Casa Terra deu lugar a estacionamento
Na madrugada do dia 19 de novembro do ano passado, um incêndio de grandes proporções atingiu o prédio do antigo Hotel Flávio. O fogo tomou os três andares do edifício e só restou a fachada que precisa de escoramento. Alguns metros à frente, um estacionamento ocupa toda a área que era ocupada pelo prédio da Casa Terra, e faz referência ao nome do casarão destruído, também, por um grande incêndio, em 2009. Na ocasião, a situação se agravou, com risco de causar acidente grave, e finalmente foi ela foi demolida em 2011, não sem antes inúmeras polêmicas. ACasa Terra era a única referência de arquitetura e engenharia do século 18 que Campos ainda possuía.

Quem passa pela área parece não ter ciência do perigo de circular na calçada do Hotel Flávio. Muitos, ainda, não sabem da história e do patrimônio perdido pela cidade. “Eu não sabia que esse estacionamento tinha um prédio histórico. E pelo jeito aquele ali (apontando para o Hotel) deve ocorrer o mesmo”, disse Sandro Henriques, 32 anos, no local.

Até o fechamento, a Prefeitura não respondeu sobre a situação do Hotel Flávio ou mesmo sobre o apontamento em relação à atuação da Defesa Civil Municipal sobre questões que seriam da Cultura, via Coppam.
Casa Terra: um antes e um depois
Arquivo Folha da Manhã
 
Rodrigo Silveira
Medida compensatória foi aplicada no caso do Casarão Clube do Chacrinha
É consenso, entre os historiadores de Campos, a necessidade real de olhar o estado das edificações e enxergar possibilidade nesse rico e imenso patrimônio local. “Restaurar essas edificações passa por criar mecanismos para que a cidade possa se desenvolver de fato e explorar a vocação que possui para o turismo histórico. É consenso nas agendas políticas eleitorais que a cidade possui um imenso potencial para o turismo histórico. Já temos o diagnóstico, necessitamos agora avançar na promoção da recuperação desses espaços”.

No entanto, uma dúvida fica no ar. Se apenas o escoramento da fachada do Hotel Flávio segue na mesma situação de impasse entre herdeiros e o município, através do Coppam, com risco para quem passa na área há quase um ano, a quem recorrer? Soffiati lembra que no passado o Ministério Público Estadual era uma porta na qual batia, hoje, ele não tem feito mais.

O caso mais emblemático de medida compensatória, por outro lado, também foi do Ministério Público, através do promotor Marcelo Lessa, que faleceu em 2021.Partiu dele, o primeiropasso para se chegar a umamedida compensatória pela empresa privada proprietária da área do prédio histórico Casarão Clube do Chacrinha, demolido indevidamente no início de 2013, que resultou em uma verba demais de R$ 1 milhão para a reforma do Palácio da Cultura. O acordo foi homologado em 2018 pelo Juízo da 4ª Vara Cível de Campos.

Inquéritos - O promotor de Justiça, Marcelo Melo, da 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva, em Campos, explica que o Ministério Público atua de ofício ou mediante provocação na defesa do patrimônio cultural. Segundo ele, são recebidas regularmente notícias de fato tratando do tema, provenientes tanto de órgãos públicos, podendo se citar o Coppam, como da população em geral, inclusive de forma anônima. “Há inquéritos civis em tramitação e também ações civis públicas ajuizadas, notadamente visando à preservação de imóveis tombados”, explica.

Quanto a verba compensatória que foi destinada a obra do Palácio da Cultura o promotor ressaltou: “A questão vem sendo tratada no âmbito da ação civil pública nº 0006453-132013.8.19.0014, tendo sido requerida, por último, a realização de providências com vistas à prestação dos esclarecimentos pertinentes acerca da adequada realização de reforma do Palácio da Cultura, nos termos do acordo judicialmente homologado.”

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