Biblioteca Municipal Nilo Peçanha está fechada há mais de seis anos
Matheus Berriel 23/09/2023 09:16 - Atualizado em 23/09/2023 09:54
Biblioteca Nilo Peçanha era muito visitada por estudantes
Biblioteca Nilo Peçanha era muito visitada por estudantes / Foto: Secom/Divulgação
Maior biblioteca do interior do Rio de Janeiro, a Biblioteca Municipal Nilo Peçanha está fora do Palácio da Cultura há nove anos e foi totalmente fechada há mais de seis. Com quantidade de livros estimada em 27 a 30 mil, além de jornais e revistas, o acervo foi levado para diferentes locais durante esse período. Inclusive, sofreu perdas, pois muitos títulos foram danificados. Enquanto isso, acumularam-se as promessas de reabertura.
O imbróglio começou em julho de 2014, quando a Prefeitura de Campos, então gerida pela ex-prefeita Rosinha Garotinho, anunciou que a Biblioteca Municipal deixaria o Palácio da Cultura temporariamente. O motivo era a obra realizada no prédio, sendo os livros levados para um imóvel à Rua Salvador Corrêa, número 117, também no Centro da cidade. Lá o acervo ficou até o final da gestão de Rosinha, recebendo visitas de estudantes e pesquisadores, ainda que num ambiente provisório.
No começo de 2017, a Biblioteca Municipal integrou a pauta do recém-iniciado governo Rafael Diniz. Não à toa, em julho daquele ano, chegou a ser anunciada uma parceria entre a Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima e a Fundação Cultural de Campos, para que o equipamento funcionasse em parte do prédio da antiga Faculdade de Filosofia de Campos (Fafic), no Parque Leopoldina.
— Algumas pessoas acharam que a Biblioteca Nilo Peçanha teria suas atividades encerradas, mas não foi isso que aconteceu. Recebemos ordem de despejo devido a dívida da gestão passada e tivemos que sair do prédio que era utilizado. Agora, graças a essa parceria, temos um bom espaço para nos atender — comentou na época a então presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, Cristina Lima.
O projeto previa a entrada de visitantes pela rua Edgar Machado, por conta de ali haver passagem de linhas de ônibus. No local, seriam feitas adaptações, como acessibilidade, pintura e ajuste ao novo uso. A expectativa era de que as intervenções ficassem prontas em 70 dias. Porém, não apenas essa previsão não foi cumprida, como a gestão passada terminou sem que houvesse a reabertura.
— Houve, realmente, a consulta sobre a possibilidade de abrigar a Biblioteca Municipal onde funcionou a antiga Fafic, na rua Visconde de Alvarenga — reforça o atual presidente da Fundação Cultural de Campos, Adelfran Lacerda. — A Fundação Cultural de Campos colocou-se à disposição da Prefeitura para a parceria, por dispor de espaços para essa importante atividade cultural. Havia apenas uma necessidade jurídica, para ambas as partes, de formalizar a parceria: através de um contrato de comodato para a cessão de espaço, por tempo definido, sem custos para a Prefeitura; ou um contrato de aluguel. Após o início dos entendimentos, a Fundação Cultural de Campos não foi mais procurada pela Prefeitura para dar prosseguimentos ao assunto — complementa Lacerda.
Antes de deixar a Prefeitura, em dezembro de 2020, o ex-prefeito Rafael Diniz tratou como importante conquista a reforma do Palácio da Cultura, que custou em torno de R$ 1,2 milhão. Após acordo judicial, o custeio foi feito pela empresa proprietária do antigo Casarão Clube do Chacrinha, na esquina das ruas 13 de Maio e Saldanha Marinho, como medida compensatória pela indevida demolição do citado casarão. Acontece que, mesmo reinaugurado, o Palácio da Cultura virou tema de polêmica. Em janeiro de 2021, a atual gestão municipal adjetivou a obra como “maquiagem”, indicando problemas estruturais. Ainda assim, o prédio recebeu pequenas iniciativas culturais nos últimos anos, existindo atualmente um projeto para novas intervenções. Enquanto isso, a Biblioteca Municipal continua fechada.
Consultada pela Folha na última semana, a Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima informou ter encontrado parte do acervo de livros no Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho, em Tócos.
— O referido material foi transferido para o Palácio da Cultura e já foi periciado. As obras literárias em condição de restauro estão sendo recuperadas — ressaltou o órgão, acrescentando a promessa de que, “em um futuro próximo, no Palácio da Cultura, voltaremos a ver a comunidade frequentando a Biblioteca Nilo Peçanha”. Não foi informada previsão de data.
O tema também foi abordado pela presidente da pasta, Auxiliadora Freitas, durante o lançamento do Festival Doces Palavras (FDP!), no último dia 15.
— Assim como recebemos equipamentos fechados, também recebemos a Biblioteca Nilo Peçanha desativada. A gente foi recolhendo todo o acervo, que estava espalhado por vários equipamentos, em caixas e envelopados. Muitos (livros) se perderam, infelizmente, porque estavam em ambientes onde chovia. Agora, está sendo feito um trabalho de limpeza, higienização, num espaço do Palácio da Cultura. Os livros estão sendo catalogados, porque a nossa intenção, depois que o Palácio da Cultura estiver funcionando e a biblioteca estiver lá, é fazer a digitalização do acervo — disse Auxiliadora na ocasião.
Enquanto as promessas não se tornam realizações, existe uma preocupação de pessoas ligadas à cultura campista. Não só porque a população segue sem acesso aos livros, mas também porque muitos deles foram recebidos pelo poder público como doações. O jornalista Edmundo Siqueira destaca que, por exemplo, parte do acervo bibliográfico do ex-presidente da República Nilo Peçanha integra o acervo da Biblioteca Municipal. Doada pela viúva de Nilo, Anita Peçanha, trata-se de um material com grande valor histórico. Da mesma forma, em 2015, a Biblioteca do Senado Federal doou a Campos cerca de 100 livros, dois DVDs e quatro CDs tratando de assuntos políticos, históricos e/ou administrativos do país. Doações também foram feitas por diversos campistas. Na área da acessibilidade, havia mais de 700 exemplares em braile e audiolivros, em parceria com a Audioteca Sol e Luz.
— A Biblioteca Municipal Nilo Peçanha é mais um exemplo do descaso com as questões culturais — afirma Edmundo Siqueira. — Parte do acervo da biblioteca é composto por obras doadas, e onde elas estão hoje? Qual é o estado de conservação? Esses apagamentos da memória coletiva de Campos são muito graves, como vimos com prédios históricos e com o jornal “Monitor Campista”. A livraria Ao Livro Verde, o “Monitor”, a Biblioteca Nilo Peçanha e o Palácio da Cultura podem e devem fazer parte da mesma solução, tendo inclusive muito recursos em leis de incentivo para isso — enfatiza.
Cobrança similar foi feita pela professora e escritora Arlete Sendra.
— Bibliotecas são shoppings para consumo de conhecimento. Cada livro é uma vitrine, onde o mundo está exposto em suas muitas formas de mundo ser. Ao serem diferentemente preenchidas as entrelinhas de cada vitrine, o leitor, turista existencial, se faz coautor do mundo em acontecência. Seu consumo abre espaços para encontros e desencontros de ideias, para debates, argamassas do porvir sempre em construção — comenta Arlete. — Escancaremos as portas e janelas das bibliotecas. Estendamos nelas varais, metáforas da razão do seu existir. E, nestes varais, estendamos amanhãs, reconstrução, projetos, esperançar. Acontecer. E a vida vidará — filosofa.
História — Em 2002, a edição número 11 do Boletim Informativo do Plano Nacional de Recuperação de Obras Raras (Planor), coordenado pela Fundação Biblioteca Nacional, apresentou detalhes sobre a Biblioteca Municipal de Campos. Criada através da Lei Providencial nº 1650, de 20 de dezembro de 1871, ela foi oficialmente fundada em fevereiro de 1872, por Thomaz Coelho e Francisco Portela. Considerando essa data, portanto, estaria atualmente com 151 anos. Contudo, só em 1903, por iniciativa do então presidente da Câmara Municipal, Benedito Gonçalves Pereira Nunes, o equipamento foi instalado em prédio próprio. Este ficava junto ao edifício da Câmara, que na época funcionava no Solar do Visconde de Araruama, atual Museu Histórico de Campos, na praça do Santíssimo Salvador.
Nesse local, a biblioteca foi inaugurada em 21 de abril de 1903, já contando com 555 livros doados pelo comendador João Gonçalves Pereira, testamenteiro do cônego Antônio Pereira Nunes, que os deixou de legado justamente com o intuito de que fosse montada uma biblioteca pública. O acervo incluía ainda coleções de jornais, revistas e mais livros recebidos em forma de doação ou adquiridos pela Câmara. Tudo isso permaneceu no prédio anexo à Câmara por longo período, com a biblioteca recebendo o nome de Nilo Peçanha por ocasião do centenário de nascimento do ex-presidente da República, em 1967. Só em 1978 foi levada ao Palácio da Cultura, sendo aberta ao público por lá em abril de 1979.

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