No fim de semana: hora de 'fernandar' em mais um espetáculo escrito por Arlete Sendra
Dora Paula Paes - Atualizado em 23/10/2024 09:34
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“Um ‘fernandar’ se espalha por toda Campos. Todos estão em busca de Pessoa. E ele está ali, no Teatro de Bolso onde se hospedará nos dias 25, 26 e 27 de outubro, às 20h. E espera por você”. É desta forma que a escritora Arlete Sendra, umas das maiores intelectuais de Campos da atualidade, poetisa o lead - a quatro mãos - que chama atenção para o espetáculo “’fernandos’ em busca de Pessoa”, seu texto com direção de Fernando Rossi. Alerte Sendra, Dona Alerte, a libriana de 90 anos mostra completa vitalidade e alimenta a cena teatral de Campos com histórias de aplaudir de pé. Dona de um olhar para o “feminino”, ela deu vida a Capitu (Machado de Assis), Macabéa (Clarice Lispector), Diadorim (Guimarães Rosa) e tantos outros. Para quem acha que essa mulher para, puro engano. Nem estreou “fernandos” e já salta para os textos do nosso José Cândido de Carvalho. Em 2025, chega o “Ponciano de amores Furtado”, com incentivos da Lei Paulo Gustavo, mas essa é outra história...

O espetáculo “‘fernandos’ em busca de Pessoa”, além deste final de semana, também será apresentado nos dias 1º, 2 e 3 de novembro. No elenco: Alexandre Ferram, Gaya Paz, Joilson Bessa, Raquel Fernandes e Thiago Eugênio. No centro da temática está Fernando Pessoa, poeta lusitano que viveu entre 1888 e 1935, um dos escritores de maior projeção do idioma português. Sua obra carrega uma das questões mais intrigantes da literatura do século XX: os heterônimos, que foram gestados, paridos, criados e mortos pelo poeta.
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A proposta é que o público presencie um grande encontro dos “fernandos”. Com base no texto de Sendra, Rossi concebe um ambiente minimalista, onírico e surrealista, pontuado por referências sonoras e visuais à vida e à obra de Pessoa, como a água, a navegação e o álcool. Nesse espaço, os personagens não saem de cena e, quando não estão dialogando, acompanham o desenrolar dos fatos, como se fossem participantes de um sarau, um evento lítero-teatral.

“Sempre achei que a ficção é um fragmento do real. Vivemos momentos do real que precisam ser ficcionalizados para serem suportados. A leitura me mostrou e me mostraisto. Meu texto “’fernandos’ em busca de Pessoa” quer mostrar que nosso ‘eu’ só gramaticalmente é singular. Dentro de nosso eu moram muitos outros eus que determinam quem somos. E como somos...Fernando Pessoa passou a vida a se procurar. Segundo os estudiosos de sua obra, ele teve aproximadamente 170 heterônimos, ou seja, possíveis outros ‘eus’ que transitavam por seu universo de ser”, explica Alerte.
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Segundo ela, sempre procura no seu trabalho de transportar personagens para os palcos mostrar “o outro que não é visto”. E lembra do personagem Sancho Pança, que foi vivido por Pedro Fagundes, para ela, um alter ego de Quixote. “Foi Sancho que ensinou a Quixote que ‘em ninhos vazios, pássaros não cantam’. A luta”, completa.

Para o teatro, Dona Alerte começou a escrever somente após a aposentadoria. Antes, conta, estava centrada no magistério. “E foi acompanhando a vida em seus meandros que penei escrever sobre a mulher. Meu primeiro texto foi “Elas entre nós”. Trata-se de uma conversa entre Lilith, Eva e Pandora, três mulheres em busca da construção de sua vida, mas Eva estragou tudo. E Pandora valia para ela o poder acumulado . Lilith até hoje não é aceita nos espaços sócio-convencionais”, explica.
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E não veio do nada: “Pensei: preciso assumir minhas voz e ação femininas. E conversando com Clarice Lispector escrevi “Eu fui Macabéa”. Nordestina, Macabéa sonha o Rio e para ele traz sua determinação. E morre sobre as rodas de seu sonho. Mas o viveu. A personagem ganhou vida através da atriz Rosângela Queiroz.
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Como ela sugere ser impossível não ler Machado de Assis, de acordo com ela, Machado tem um olhar próprio sobre a mulher. “Tomei Dom Casmurro, encontrei Capitu (vivida por Katiana Rodrigues), a mulher que tenta romper as linhas para ela traçadas. E aí, o amor se torna seu próprio contrário, e por convenções sociais, o mesmo gesto se torna prazer e se convencionou traição. Ainda não há respostas. Em “Traídas e traidoras somos todas Capitus” a resposta é de cada um”, diz ela.
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E ela não parou. Bebeu na vida da mulher Diadorim (personagem interpretada por Adriana Medeiros), nascida, conta Alerte em prosa e verso, “nos cartórios de Guimarães Rosa se perde entre as 600 páginas de ‘Grande sertão: veredas’”. “Sem direito a assumir sua feminilidade, Diadorim, a mulher proibida de mulher se assumir, impregna-se de coragem e, entre jagunços, se torna o mais temível. É a morte a reveladora de seu segredo e quando ‘a Deus dada, pobrezinha’ sela sua vida, as mulheres diadorinas revelam a força de ser, o mundo se estarrece. É preciso eliminar esta força que a tudo e a todos submete. É isto que estamos escrevendo. É só nos ler. E só ler os feminicídios que alimentam o social de nosso cada dia”, ressalta em seu contraponto.
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No ano passado, ainda teve no palco, parido de Arlete, o espetáculo “Diário de uma intimidade aberta”, com a atriz Liana Velasco. Para 2025, está em programação, a sensualidade das casas de prostituição. De acordo com a escritora, “que alimentavam as extensões lúbricas dos homens. Paralelamente, Dadá Pereira em sua cozinha, tentava saciar com pão e sopa a fome das mulheres e dos homens que, sem espaços sociais, eram os arquitetos da miséria geradora das favelas sociais”. A obra de José Cândido de Carvalho será o espelho.
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