Carnaval de Campos, quem o defenderá?
Dora Paula Paes - Atualizado em 18/05/2024 09:29
Rodrigo Silveira
Sem uma política que o represente de fato, de acordo com pesquisadores da área das manifestações populares, e parte da comunidade que não comunga sentimento de pertencimento, e atribui alcunhas de “feio”, “capenga”, “desnecessário”, “de baixa qualidade para atravessar um centro de manifestações populares de mais de R$ 100 milhões”, o Carnaval de Campos perdeu a época. 2024 é retrato de outros anos. Neste ano, pela terceira vez, a festa popular teve sua data adiada. Os foliões, apaixonados, esperavam mostrar seu trabalho e se fartar de alegria, neste final de semana. O sonho ficou para depois, sem nova data, brilhando dentro dos barracões.

A realização do “Desfile dos Foliões 2024”, que estava previsto para este sábado (17) e domingo (18), no Centro de Eventos Populares Osório Peixoto (Cepop), conforme definido pela Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL), foi adiada, junto às agremiações. Agora, depende do recebimento de parte do fomento para a subvenção dos desfiles, obtido pela Associação dos Bois Pintadinhos de Campos (Aboipic), por meio da Lei Rouanet. No último dia 13, ficou decidido que somente depois do recebimento da verba restante e de 20 dias de prazo para a finalização dos trabalhos nos barracões, será definida a data dos desfiles.

O final de semana nos barracões é mesmo é de incerteza, quanto a uma nova data, se o restante da verba virá, o que fazer para arcar com compromissos financeiros já assumidos. O presidente da tradicional escola Mocidade Louca, ganhadora de alguns carnavais de Campos, Jorge França, é um que está imerso nestas dúvidas. Segundo ele, com 95% do seu Carnaval pronto no barracão, ele não perdoa e larga o verbo:
Rodrigo Silveira

“A gente fica sem noção de quando vai acontecer esse miserável, desse Carnaval. Já está chato... As dívidas não param. A gente fica sem estrutura, resposta, para colocar o Carnaval na rua. Vamos aguardar a data que eles vão marcar para acontecer esse Carnaval”, disse ele, que abriu o barracão, que terá que entregar logo, para mostrar pequenos detalhes do que pretende apresentar do enredo “Mergulhei nas ondas do infinito e fiz o enredo nas profundezas do mar, pelas barbas de Netuno que linda e maravilhosa encontrei naquele lugar”.

“A Prefeitura se comprometeu e mantém o compromisso a dar toda a estrutura e logística para o evento. Em primeiro momento, as ligas não lograram êxito na captação dos recursos via leis de incentivo. O prefeito Wladimir Garotinho, demostrando seu interesse na realização do evento, conseguiu diálogo exitoso com grupos empresariais do município. Desta forma, projetos de captação conseguiram fomento às agremiações na ordem de R$ 908 mil, por meio de patrocínio conseguido pela Aboipic, por intermédio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura e pela Lei Rouanet”, chegou a informar a presidente da FCJOL, Fernanda Campos.

Inicialmente, o Grupo Barcelos patrocinou o evento com R$ 408 mil, sendo R$ 510 mil de valor total, com retenção de R$ 102 mil para o Fundo Estadual de Cultura, conforme determina a Lei nº 7.035/2015. Já a concessionária Águas do Paraíba patrocinou com o aporte de R$ 500 mil, por meio do projeto da Aboipic denominado "Campos, Folclore, Folia! Escolas, Blocos e Bois Pintadinhos de Samba!" que pretendia captar R$ 2.341.696,79, via Lei Rouanet.

Apesar de tudo, quando o tópico Carnaval de Campos ganha as mídias sociais, a própria comunidade, em alguns comentários, parece não se importar com a grande festa da manifestação popular da cidade. É fácil encontrar comentários como “uma festa totalmente fora de época e contexto...”. Mas, também outros que expressam pensamentos como “acho que as agremiações devem lutar pelo Carnaval na data específica, que gosta do Carnaval vai prestigiar...”. Esses comentários pinçados de matérias recentes da Folha 1.

A pesquisadora em comunicação, arte e cultura, em Campos, Simone Pedro, analisa:

- Por se tratar de uma manifestação popular e muito própria vindo de grupos étnicos, que são historicamente discriminados, excluídos do processo de cidadania, não é uma novidade, certas discriminações. É preciso entender que quem estimula essa visão negativa é o próprio poder público que quando anos atrástira essa manifestação de uma centralidade do próprio carnaval, tirando da época certa, do espaço próprio de manifestação, levando para outros espaços, mostrando que nosso carnaval não combina com aquilo, mostrando que logo não tem uma grandeza para acontecer, é o próprio poder público que vai minando a imagem dessas manifestações e vai construindo no restante da população, ou melhor, reforçando, uma ideia de inferioridade cultural. Na verdade, eu Simone, traduzo inclusive, essa imagem negativa como uma leitura racista do que vem a ser o Carnaval.
Segundo a pesquisadora, quando o poder público não faz uma gestão adequada de oferecer subsídios para as manifestações populares (e ela reforça, que não quer dizer que esse subsídio tenha que ser em formato de dinheiro) mas que está na Constituição como obrigação, no seu entender, a Prefeitura de Campos vem deixando muito a desejar no quesito manifestação popular e, principalmente, no cuidado, na curadoria. Além, claro, explica, na sua referência cultural e de fomentador de trabalho e renda.
“Criou-se o Cepop, criou-se no formato, que não necessariamente adequado para nossas manifestações (opinião muito pessoal), e com isso, a gente vem experimentando uma invasão midiática da cultura global, das mídias, coisas que vêm enlatadas, fabricadas pelo mercado fonográfico, acabam conquistando as massas de forma que as massas não se interessam mais pelos aspectos e símbolos da sua própria cultura. Aí acontece um abandono”, destaca.

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