Edgar Vianna de Andrade - O infeliz retorno de Garfield
*Edgar Vianna de Andrade - Atualizado em 08/05/2024 01:20
Em 2004, vinte anos passados, escrevi uma crítica a “Garfield – o filme” passando em revista outros gatos que mereceram filmes. O primeiro deles foi o enigmático Krazy Kat, criado por George Harriman em 1911. Numa paisagem inóspita e insólita, uma gata que se diz descendente da gata de Cleópatra, alimenta uma relação sadomasoquista com o rato Ignatz, que, não percebendo o amor de Krazy, tenta afastá-la com tijoladas. Em cena, entra ainda Ofissa, um cão policial que ama Krazy, fechando um triângulo amoroso invertido: uma gata amando um rato e amada por um cão. Esse gato nunca mereceu um filme e morreu com seu criador. Foi o mais enigmático dos gatos dos quadrinhos. Hoje, está quase esquecido.

Em 1921, aparece um gato pleno de lirismo criado por Pat Sullivan. Seu caminho foi inverso ao dos outros personagens: ele começou em desenhos de animação para ganhar os quadrinhos. Trata-se do Gato Félix. Além de solidarizar-se com pessoas hoje consideradas excluídas socialmente, Félix tem um desempenho altamente criativo com os elementos dos quadrinhos. É um gato que não se aperta diante das dificuldades, usando o balão da legenda para voar, os pontos de exclamação como tacape e as interrogações como ganchos. A metalinguagem é um traço dos mais originais em Sullivan.

O terceiro gato é Fritz, criado pelo quadrinista underground Robert Crumb, em 1970. Trata-se de um gato lascivo e devasso, que saiu dos quadrinhos para uma animação pornográfica. Crumb, mereceu, em 1994, um documentário sobre sua vida e obra com o título de “Anti-herói americano”, dirigido por Terry Zigwoff.
Por fim, o gato mais atual é o preguiçoso, guloso, egoísta, vaidoso, mal-humorado e individualista Garfield, criado por Jim Davis em 1978 e que ganhou tiras em vários jornais do mundo inteiro. Anti-herói, Garfield parece expressar a outra face do norte-americano médio. Depende, sem nenhum sentimento de culpa, de um dono meio medíocre e coexiste com Odie, um cachorro que considera imbecil. Garfield sofre de complexo de superioridade.

O sucesso das tiras levou o gato para o desenho animado. Em 2004, Peter Hewitt o levou para a computação gráfica. Humanos e animais são verdadeiros. Em “Garfield – o filme”, o gato comodista é filho do computador. Jon Arbuckle (Breckin Meyer), seu dono, está mais apalermado que nas tiras. Odie ficou mais retardado. A médica veterinária Liz (Jennifer Love Hewitt), namorada de Jon, parece ser a mais habilitada a lidar com o gato rabugento que detesta as segundas-feiras e adora se exibir nos muros à noite.
Um gato da estirpe de Garfield não poderia se envolver numa história tão tolamente norte-americana como a concebida para o filme. No final, Garfield se torna o contrário do que é: torna-se herói e dos mais padronizados. É preciso talento para tirar um gato do quadrinho e levá-lo para o cinema. Peter Hewitt não demonstrou este talento E agora, 20 anos depois, por imposição de sobrinha, volto ao cinema para assistir “Garfield: fora de casa”, dirigido por Mark Dindal. Nesse intervalo, não sei se o gato se apresentou na telona. O mundo mudou muito desde então. O cinema de shoppings matou o cinema de rua e as plataformas de streaming estão matando os cinemas de shopping. Em 2004, o cinema estava lotado de crianças. Em 2024, havia apenas 4 com os pais. Pelo visto, Garfiield não agrada com os muitos clichês que inundaram as animações. Da minha parte, as observações para o filme de 2024 são as mesmas de 2004.

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