Danielly Aliprandi, Fagner das Neves e Daniela Bogado
28/06/2024 18:00 - Atualizado em 28/06/2024 18:00
Não é de hoje que andar a pé ou de bicicleta é um importante meio de locomoção para os campistas das classes populares, mas na atualidade essas são consideradas boas opções de mobilidade a serem incentivadas pelo poder público. O termo técnico para dizer isso é transporte ativo, que inclui caminhar, andar de bicicleta ou qualquer outro meio não motorizado de se deslocar.
Essa realidade pode ser de difícil assimilação para certa mentalidade aristocrática que muitos de nós carregamos mesmo sem perceber, mas andar a pé e de bicicleta não é mais "coisa de pobre" - aliás, esse tipo de expressão não cabe em uma concepção de cidade de e para todos. Os estudos mais atualizados sobre mobilidade urbana concebem o transporte ativo como forma complementar a modais de transporte motorizado. Seria o caso, por exemplo, de utilizar a bicicleta até um terminal, estacioná-la de forma segura e continuar o trajeto de ônibus. Este tipo de integração, baseado numa ideia de intermodalidade, potencialmente reduz o tempo de viagem, diminui o uso de transportes motorizados, como o carro, e melhora o acesso ao transporte público pela população, além de aumentar a quantidade de usuários neste tipo de modal.
É importante dizer que nenhum tipo de transporte deve ser colocado como algo indevido ou que deva ser abolido. Muito pelo contrário: defende-se a liberdade de escolha das pessoas que irão utilizar determinado modal, considerando o que melhor se adeque ao seu estilo de vida e à realização de sua(s) atividade(s). Quando agregamos ao transporte público a mobilidade ativa, ou seja, o uso do caminhar e do pedalar, estamos promovendo uma mobilidade mais sustentável, porque estamos associando transportes menos poluentes. Isso otimiza custos e emissões de gases poluentes nos deslocamentos. A mobilidade urbana sustentável relaciona-se ao direito fundamental ao ambiente sadio e equilibrado, em uma perspectiva que atenda as diferentes idades, das gerações atuais e futuras, na efetivação da liberdade de locomoção com acessibilidade.
O fato é que o espaço urbano espelha as dinâmicas sociais, culturais, ambientais, políticas e econômicas da sociedade, intermediando as relações entre indivíduos e ambiente. Concretamente: quando a gente vê um condomínio de habitações populares distante da área central e as pessoas pedalando no acostamento de uma rodovia federal para se deslocar até o trabalho na área central, isso diz um pouco sobre as dinâmicas sociais, culturais, ambientais, políticas e econômicas da nossa sociedade campista. Da mesma forma, com sinal trocado, quando presenciamos a expansão da malha cicloviária na zona urbana, podemos entender que isso exprime certo amadurecimento da nossa sociedade, ainda que em meio a conflitos e falhas pontuais de planejamento.
Apontada como um dos meios de transportes mais eficientes, de menor custo em produção e aquisição, assim como o caminhar, o pedalar é uma ação limpa, não causando danos ao ambiente, além de contribuir para atenuar possíveis enfermidades. A bicicleta possui grande potencial para inserção no espaço urbano e adoção por parte da população no geral, já que seu uso atende a todas as faixas etárias e ainda possui multifuncionalidade, podendo servir de objeto para lazer, esporte ou trabalho.
Pensando na mobilidade ativa, mais especificamente o caminhar e o pedalar em Campos, suas ruas, calçadas e ciclovias, ou similares, e a relação disso com as condições de transporte público, será que a infraestrutura existente contribui para o acesso aos demais modais da cidade, especialmente o transporte público? As características da cidade potencializam o uso do caminhar e do pedalar. Campos é uma planície e, considerando seu núcleo urbano principal, não apresenta distâncias muito longas para serem percorridas no dia a dia de grande parte da população. Mesmo nas distâncias mais amplas, com uma boa infraestrutura de integração, a mobilidade urbana sustentável representa uma importante alternativa.
Durante pesquisas e levantamentos de campo que têm sido realizados na cidade, foram presenciados inúmeros desafios que o caminhar enfrenta na cidade, desde má conservação ou escolha incorreta dos acabamentos, faixas livres estreitas ou quase inexistentes (que é o espaço da calçada destinado ao caminhar livre), ausência de sinalização adequada, semáforos com tempo insuficiente para travessia, incontáveis desrespeitos às leis de trânsito e principalmente desrespeito ao pedestre. Quanto à recém-aumentada malha cicloviária, vários desafios estão sendo observados no que diz respeito à adaptação dos ciclistas para seu uso eficiente e seguro; à sinalização, principalmente nos cruzamentos; e à educação no trânsito, tanto pelos ciclistas quanto por motoristas e pedestres. Tem sido observada uma dificuldade de estabelecer uma relação direta entre as rotas das linhas de ônibus, a malha cicloviária e as características dos espaços para os pedestres.
Essa discussão se alinha aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que foram estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015 e compõem uma agenda mundial para a construção e implementação de políticas públicas que visam guiar a humanidade até 2030. O tema se relaciona ao ODS 11 (Cidades e comunidades sustentáveis) e especialmente à meta 11.2, segundo a qual o Brasil, até 2030, “deve melhorar a segurança viária e o acesso à cidade por meio de sistemas de mobilidade urbana mais sustentáveis, inclusivos, eficientes e justos, priorizando o transporte público de massa e o transporte ativo, com especial atenção para as necessidades das pessoas em situação de vulnerabilidade, como aquelas com deficiência e com mobilidade reduzida, mulheres, crianças e pessoas idosas”.
Neste sentido, temos diretrizes estabelecidas no Plano Diretor e no Plano de Mobilidade Urbana Sustentável de Campos que, por meio da estratégia do desenvolvimento sustentável, sinalizam a implementação do Sistema de Mobilidade Urbana Acessível; a implantação de estacionamentos públicos para bicicletas e ciclomotores em áreas apropriadas e com correto dimensionamento; bem como a adequação das calçadas e do mobiliário urbano às normas de mobilidade e acessibilidade, propiciando, assim, a territorialização dos ODS.
Por ocupar um território majoritariamente plano, a cidade de Campos permite, com certa facilidade, incluir os deslocamentos a pé e por bicicleta como importantes modais de transporte e mobilidade urbana. Prever e adequar a integração destes meios de deslocamento com outros tipos de modais de transporte, como os ônibus circulares por exemplo, constituem uma estratégia para alcançar todo o território campista de forma mais econômica e prática, ratificando o direito à cidade.
A literatura acadêmica aponta isso, mas nem chega a soar como novidade. Estranho é a gente não estranhar o hábito de ficar escravo do automóvel durante o dia e à noite ir à academia se exercitar em esteiras rolantes e em bicicletas que não saem do lugar.
Danielly Aliprandi é professora do IFF Campos Centro e coordenadora do APPA/MobiRede.
Fagner das Neves é professor do IFF Campos Centro e pesquisador do APPA/MobiRede.
Daniela Bogado é professora do IFF Campos Centro e pesquisadora do Núcleo Norte Fluminense do INCT Observatório das Metrópoles e do APPA/MobiRede.
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