E se Platão voltasse da caverna e visse isso tudo?
Em tempos de modernidades líquidas e polarizações calcificadas, me pergunto o que escreveria Platão caso voltasse das catacumbas. Talvez não escrevesse um diálogo entre Sócrates e Glauco, respectivamente seu mestre e seu irmão, para descrever a caverna da alegoria. Provavelmente o filósofo ateniense diria que as cavernas de hoje eram individuais, em formato de telas.
Depois de ler Zygmunt Bauman no Google Livros — reclamando que só há 81 páginas disponíveis, com dedo em riste e pegando uma taça de vinho — o filósofo ateniense até concordaria com ele sobre a fragilidade aquosa das relações humanas, que escorre entre os dedos, mas iria degustar mesmo cada palavra de Friedrich Nietzsche, para entender o que aconteceu nos séculos em que esteve fora.
Em tempos de modernidades líquidas e polarizações calcificadas, me pergunto o que escreveria Platão caso voltasse das catacumbas. Talvez não escrevesse um diálogo entre Sócrates e Glauco, respectivamente seu mestre e seu irmão, para descrever a caverna da alegoria. Provavelmente o filósofo ateniense diria que as cavernas de hoje eram individuais, em formato de telas.
Depois de ler Zygmunt Bauman no Google Livros — reclamando que só há 81 páginas disponíveis, com dedo em riste e pegando uma taça de vinho — o filósofo ateniense até concordaria com ele sobre a fragilidade aquosa das relações humanas, que escorre entre os dedos, mas iria degustar mesmo cada palavra de Friedrich Nietzsche, para entender o que aconteceu nos séculos em que esteve fora.
Já mais inteirado das redes e do conflito no Oriente Médio, Platão colocaria o dedo em riste novamente, desta vez de alegria, ao ler sobre o conceito de nietzschiano da “muleta metafísica”. Afeito a metáforas, nosso intrépido filósofo renascido entenderia de pronto o que Nietzsche queria dizer: estamos nos apoiando, como corpos fracos, em muletas, em apoios de um mundo que não existe para tentar aplacar nossos sofrimentos e angústias.
Embora Nietzsche tenha se referido a aspectos religiosos para falar da muleta, estamos nos tempos atuais amparados em arrimos emocionais e compensatórios, vindos de telas luminosas que trazem nelas fluxos de conteúdos com rolamentos infinitos. Que propositadamente causam dependência.
Platão pode ter olhado para tudo isso e tentado ver algum traço positivo. Ou mesmo construtivo. No alto dos seus séculos de análise, pode ter encontrado. Mas certamente viria semelhanças com a alegoria da caverna que escreveu na voz de Sócrates. Os acorrentados de lá, que viam sombras nas paredes e imagens distorcidas da realidade, não se diferem muito dos prisioneiros de hoje.
Prisioneiros de algoritmos e ódios nutridos, o que é mais perigoso. Contínuo reforço de certezas que muitas vezes estão completamente incertas. Também muito arriscadas. E como no mito da caverna, caso algum liberto conseguisse ver, mesmo com olhos sofridos pela luz inédita do sol, as imagens verdadeiras de fora das bolhas cavernosas, estaria fadado a ser desacreditado — e talvez sequer ouvido.
“Hater!”, gritariam os presos nos algoritmos. “Comunista!” — diriam outros amarrados a conceitos repetidos à exaustão. “Fascista!”, alguns outros, em minoria, bradavam a quem ousasse contestar suas verdades.
São polarizações desafetivas nutridas por um estado de coisas platônico. Alguns insistem em viver nas sombras por escolha, sem vontade de ver a luz por medo de ser confrontado com outras realidades. Mas elas, as verdades, muitas vezes são inescapáveis. E é preciso dizer: as telas não são as culpadas; são as correntes.
Embora Nietzsche tenha se referido a aspectos religiosos para falar da muleta, estamos nos tempos atuais amparados em arrimos emocionais e compensatórios, vindos de telas luminosas que trazem nelas fluxos de conteúdos com rolamentos infinitos. Que propositadamente causam dependência.
Platão pode ter olhado para tudo isso e tentado ver algum traço positivo. Ou mesmo construtivo. No alto dos seus séculos de análise, pode ter encontrado. Mas certamente viria semelhanças com a alegoria da caverna que escreveu na voz de Sócrates. Os acorrentados de lá, que viam sombras nas paredes e imagens distorcidas da realidade, não se diferem muito dos prisioneiros de hoje.
Prisioneiros de algoritmos e ódios nutridos, o que é mais perigoso. Contínuo reforço de certezas que muitas vezes estão completamente incertas. Também muito arriscadas. E como no mito da caverna, caso algum liberto conseguisse ver, mesmo com olhos sofridos pela luz inédita do sol, as imagens verdadeiras de fora das bolhas cavernosas, estaria fadado a ser desacreditado — e talvez sequer ouvido.
“Hater!”, gritariam os presos nos algoritmos. “Comunista!” — diriam outros amarrados a conceitos repetidos à exaustão. “Fascista!”, alguns outros, em minoria, bradavam a quem ousasse contestar suas verdades.
São polarizações desafetivas nutridas por um estado de coisas platônico. Alguns insistem em viver nas sombras por escolha, sem vontade de ver a luz por medo de ser confrontado com outras realidades. Mas elas, as verdades, muitas vezes são inescapáveis. E é preciso dizer: as telas não são as culpadas; são as correntes.