Mesmo naquele cenário de desolação, Joana concedia uma entrevista para uma rede de televisão local em tom otimista, agradecendo por não ter havido nenhuma vítima no local, e disse, esperançosa, que tudo iria dar certo. Passados cinco anos do incêndio, a comerciante pôde dizer que estava certa. No fim do ano passado, o Mercado de Santo Amaro reabriu, dessa vez quatro vezes maior e com um novo nome: Santo Mercado.
A escolha da prefeitura de São Paulo à época foi abrir uma licitação para conceder a exploração do Mercado à iniciativa privada. O vencedor foi o Consórcio Fênix, formado pelas empresas Engemon, Houer, Supernova e Urbana Arquitetura e Projetos, sendo definido como outorga o valor de R$ 1,3 milhão por ano.
O conceito aberto, sem presença de muros, com calçadas e áreas para pedestres estendidas e boulevards externos, seguem as tendências mais atuais da arquitetura e do urbanismo, que valorizam o conceito de integração entre o público e o privado e a chamada “cidades para pessoas”. Foi o conceito seguido pelo Santo Mercado, e pode ser o mesmo para o Novo Mercado de Campos dos Goytacazes.
No caso de Campos, o boulevard externo se justificaria no entorno do prédio centenário, à margem do Canal Campos-Macaé — segundo canal artificial mais longo do mundo, uma das maiores obras de engenharia do Brasil Império. Atualmente o Mercado está estrangulado por duas estruturas, que sufocam a construção o deixando invisível à população.
O Camelódromo como centro de comércio popular estabelecido aos fundos, e recém reformado, não permitiria sua remoção, porém na face que está à frente do Canal, a estrutura metálica usada como cobertura da feira e da peixaria pode ser removida e ali um boulevard ser criado para compor a paisagem, servir de área de consumo e lazer e permitir a visão completa do belo prédio do Mercado construído em 1921.
Assim como o Santo Mercado, a história e as vivências construídas em um centro comercial popular potencializam qualquer revitalização e justificam os esforços do poder público para criar condições dela acontecer. No exemplo paulista, o Mercado aumentou em quatro vezes seu tamanho, ficando com três pavimentos, passando de 25 para 120 estabelecimentos, e 37 quiosques, com hortifruti, peixarias, casas de carne, empórios, opções de lanches diversos, lojas de vinho, padaria, bares e restaurantes.
O investimento no Santo Mercado foi na casa de R$ 80 milhões, onde optou-se por um projeto biofílico, ou seja, que valoriza o contato com a natureza, com o máximo de iluminação e ventilação naturais, com o verde incorporado com árvores internas. O conceito também privilegia a integração visual do entorno através dos vidros da fachada, que integra o projeto na cidade, e vice-versa.
Além de árvores internas, os cobogós — tradicionais tijolos vazados criados na década de 1920 da arquitetura original — foram mantidos. Em Campos há uma proposta de mudança do local da feira, que sairia da frente do prédio centenário e iria para uma praça arborizada, a 200 metros dali. O exemplo de Santo Amaro indica que a arborização e a nova construção podem conviver perfeitamente.
Os feirantes, a comunidade e o Mercado
Qualquer mudança imposta às pessoas que moram ou estabelecem suas atividades comerciais há décadas em um mesmo local, se mostra conflituosa. Em Campos, a mudança da feira para a Praça da República, proposta pela prefeitura, encontra resistência entre os permissionários.
“O Mercado é uma extensão da casa das pessoas, uma história que veio dos avós e bisavós, de pai para filho, e temos muitas histórias. E uma obra nunca é muito bacana, mas os permissionários acompanharam e cobraram durante todo processo. Estamos aqui para dizer que retomamos nossa confiança com nosso bairro, afinal de contas são eles que sempre estiveram aqui, e a gente precisa ir com calma, carinho e cuidado, e queremos abraçar essa comunidade”, disse Stella Pinheiro, superintendente do Santo Mercado em entrevista recente ao jornalista Carlos Tramontina.
Mesmo depois de um incêndio que destruiu todo Mercado em Santo Amaro, a construção de uma nova estrutura gerou conflitos e desconfiança, mas que começaram a ser amenizados com a conclusão das obras. A iniciativa privada administra o local, mas como concessionária do poder público. Os permissionários, agora lojistas, receberam uma condição especial: continuarão com o mesmo valor que repassavam à gestão municipal antes da concessão, no lugar do valor atual de mercado. A condição especial foi prevista para durar dois anos.
Além disso, foi acordado que não haveria no novo local nenhuma franquia ou grandes marcas, privilegiando o comércio local. Assim como em Campos, o Santo Mercado está localizado em área central, próximo a terminais rodoviários, e no caso paulista a apenas duas quadras da estação Adolfo Pinheiro do metrô. Buscando a adoção de meios de transportes mais sustentáveis e que favorecem a mobilidade urbana, o Santo Mercado dispõe de um amplo bicicletário com mais de 60 vagas e área de embarque e desembarque para carros de aplicativos.
Mercados municipais são excelentes pontos de convivência harmônica e plural, aberto a toda comunidade. E podem se constituir em um espaço turístico de grande apelo, contribuindo para empregabilidade e retorno financeiro ao município.
Mas para tanto, não podem ser locais insalubres e descaracterizados. Que o Santo Mercado sirva de exemplo do que pode vir a ser um novo conceito em Campos. Permissionários e população só tem a ganhar.
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