Edmundo Siqueira
07/02/2022 17:26 - Atualizado em 07/02/2022 17:29
Campos possui muitos prédios históricos. Natural para um município que se constitui há mais de 300 anos (ata de posse da primeira Câmara campista data de 1653). Alguns dos mais significativos estão na Baixada, onde Campos nasce de fato. Porém, está encrustado no Centro uma das construções mais relevantes, e que melhor demonstram as relações sociais. E com grande valor afetivo: o centenário Mercado Municipal.
Não é possível entender os processos de expansão urbana de Campos dos Goytacazes sem levar em conta alguns de seus elementos centrais: a Praça São Salvador, o rio Paraíba e o Mercado. Praça e Mercado como pontos de efervescência social, cultural, política e comercial da cidade. Rio como uma histórica comunicação com os municípios vizinhos, e como via de escoamento da produção.
Sendo uma planície alagadiça, Campos precisou de uma estrutura de canais para drenagem e para auxiliar essa via. O principal deles, o Canal Campos-Macaé — a maior obra de engenharia do Brasil no século XIX, e o segundo maior canal artificial do mundo — foi o motivo do Mercado está onde está hoje.
Os reordenamentos urbanos em Campos sempre obedeceram a uma perspectiva higienista. Em 1902, o então presidente da Câmara, Benedito Pereira Nunes, encomendou a outro campista e engenheiro sanitarista, Saturnino de Brito, um desses planos. Buscando “modernizar” a cidade, com saneamento e remodelação do espaço urbano, Saturnino considerou o Mercado um dos maiores “problemas”.
Foram feitas diversas intervenções e mudança de local, até que em 15 de setembro de 1921, com a presença dos permissionários, o então prefeito Cezar Tinoco inaugura um novo espaço para o comércio de gêneros alimentícios popular. Com uma imponente Torre do Relógio de inspiração francesa, amplos espaços e localização privilegiada, o mercado estava pronto.
Mas, hoje ele atende aos seus objetivos? As bancas dos feirantes possuem boas condições? É um espaço de convivência saudável? O prédio cumpre seu papel de educação patrimonial? Creio que não.
O Mercado como elemento central de real transformação social – As transformações históricas do Mercado foram o exemplo fiel do que é feito em Campos. Seguindo uma política higienista (eu diria até eugenista), também em relação à moralidade e costumes, os reordenamentos urbanos são raros e sem participação popular. Situação comprovada nos primeiros regimentos internos do Mercado, que proibiam “algazarras” e “gestos insultuosos”, e ainda previa a expulsão compulsória de "ébrios e vadios".
Ainda hoje como um elemento vivo, o Mercado trata de manter um “caos amável”, próprio e característico, com dramatizações de quem ali trabalhava e realiza suas compras; as trocas acontecem não são apenas de forma comercial.
As propostas para um possível “Novo Mercado” deve superar essa visão. O objetivo não pode ser criar um ambiente "limpo e organizado" onde as pessoas mais abastadas possam fazer suas compras. Melhorando as condições de trabalho dos permissionários e permitindo que o prédio esteja visível - e acessível -, o objetivo maior deve ser a educação patrimonial e o uso cultural e turístico do local.
Mercado Municipal hoje – Na gestão de Anthony Garotinho foram feitas intervenções no piso, troca de telhado e melhoria das bancas, que passaram a ser de alvenaria e azulejadas, como permanecem até hoje. Em 1991, foi tentada a privatização do local, porém, a proposta foi rechaçada pela Procuradoria do Município à época.
Em 1992, o Mercado recebe no seu entorno outro centro de comércio popular: o Camelódromo. Hoje, o prédio centenário encontra-se espremido entre as construções, e impedido de cumprir seu papel e de ser acessível à população campista.
O Mercado Municipal é tombado desde 2013 pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos (Coppam) e, há vários anos, vem sendo mapeado para receber tombamento também pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac). Segundo fontes, o Inepac estará em Campos nas próximas semanas para vistoriar o Mercado.
O Coppam, apesar de sua atribuição principal de defesa do patrimônio, autorizou a descaracterização do entorno e o encobrimento do Mercado (leia mais aqui).
E se fosse aberto? – Uma das propostas mais interessantes (que eu comungo) é a transferência da Feira para a Praça da República, localizada atrás da Rodoviária Roberto da Silveira, que possui o espaço necessário e teve reforma em 2009.
Levando os permissionários para a Praça da República (com anuência e estabelecimento de condições), e criando-se a estrutura necessária (e melhores que as atuais), cria-se mais um ponto de comércio popular onde transitam trabalhadores de vários estabelecimentos e hospitais localizados nas proximidades. E abre-se o prédio do Mercado.
Sem a Feira, apesar de ainda manter-se o Camelódromo, por inviabilidade de seu deslocamento, abre a possibilidade do belo e centenário prédio do Mercado se tornar visível e permitir a exploração e vivência em seu entorno. Exemplos como os Mercados de São Paulo e Belo Horizonte demonstram como por ser bem sucedida a iniciativa.
Mercado Municipal de São Paulo
Mercado Municipal de São Paulo
Mercado Central de Belo Horizonte
O prédio seria visível de outros elementos históricos, como o Canal Campos-Macaé e Parque Alberto Sampaio, neste permitindo outras tantas possibilidades. Além de ser possível pensar em navegabilidade do Canal, instalando-se outro modal de transporte em Campos, e uso social e turístico.
Existem alternativas. Porém, elas precisam ser trazidas de forma ampla e democrática, com a participação de quem vive o Mercado, da academia e da sociedade civil. Para, quem sabe, ele não passe a ser apenas memória